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Direito de imagem e o ISSQN – uma obrigação de dar ou fazer?

O direito de imagem no futebol brasileiro apresenta-se na maioria dos casos como campo árido em inúmeros debates, no que tange a aplicação da estrita legalidade e sobre os moldes de sua cessão e exploração por terceiros.

Muitos afirmam de forma rasa que os atletas montam estruturas empresariais como subterfúgio para pagar menos tributos, ou seja, o fim específico seria o de burlar o fisco. Em verdade a carga tributária suportada pelos atletas é bem menor, mas não se resume a apenas isso, com o formato empresarial que apresenta o que se busca em primeiro plano é uma operacionalização da gestão dos direitos de imagem dos atletas, dos seus ganhos como pessoa jurídica, das relações jurídicas e das obrigações contratuais, civis e trabalhistas que vêm a contrair. Estamos diante de um direito subjetivo não exclusivo desta categoria, muitos profissionais fazem uso deste formato, por exemplo, alguns jornalistas, palestrantes etc.

A maioria dos debates no desporto em relação a incidência tributária sobre as parcelas recebidas por atletas a título de direito de imagem se apresentam em relação aos tributos federais. Mas é sobre a incidência ou não do ISSQN sobre tais parcelas que ainda subsiste grande celeuma. O ISSQN é um tributo de competência Municipal conforme previsão na CF/88, art. 156, inciso III, “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: […] III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar” [grifos nossos].

Por tratar-se de tributo de competência municipal, foi verificado que há fazendas municipais entendem que não incide o ISSQN, visto que configuram em verdadeira obrigação de dar. Por sua vez, há outras que entendem de forma contrária, que deve ocorrer a respectiva incidência tributária, pois configuram uma verdadeira obrigação de fazer.

A respectiva discussão da incidência do ISSQN sobre os valores percebidos a título da exploração da imagem do atleta se dá justamente por conta de sua característica híbrida quando da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.

No dia a dia da advocacia tributária, percebe-se que inúmeras autuações são pautadas em argumentos muitas das vezes confusos, por exemplo, uma coisa é o atleta prestar um serviço, outra totalmente diferente é ele ceder de forma temporária sua imagem para determinado fim. Desse modo, a grande controvérsia reside justamente pelo fato de não se fazer essa peculiar e simples distinção.

Para ilustrar: digamos que uma empresa de material esportivo que tenha uma relação contratual com determinado atleta em um momento de descontração, imagine-se que na comemoração de um título,  o fotógrafo da respectiva empresa tira uma foto do atleta sem qualquer pretensão. Porém, o setor de marketing da empresa ao analisar o material em momento posterior entendeu que a respectiva foto poderia ser usada para fins comerciais. No exemplo apresentado, percebe-se que a única ação do atleta foi em momento pretérito ter celebrado um contrato de cessão do direito de exploração de sua imagem, o que vem a caracterizar uma obrigação de dar e não de fazer.

Em outro caso hipotético: digamos que o mesmo atleta, amparado pelo mesmo contrato, estivesse presente na festa de final de ano da empresa de material esportivo, porém, conforme pactuado de forma prévia este teria que chegar ao local com duas horas de antecedência para uma sessão de fotos e concessão de algumas entrevistas. Percebe-se que neste caso o atleta contraiu um a obrigação de fazer junto a empresa, caracterizando uma verdadeira e claríssima obrigação de fazer.

O Ministro Eros Grau, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 547.254/SC, como relator do processo expôs que “Não me excedo em lembrar que toda atividade de dar consubstancia também um fazer e há inúmeras atividades de fazer que envolvem um dar”.

O Ministro Gilmar Mendes, no Recurso Extraordinário n° 634.764/RJ, no rito da Repercussão Geral, quando da análise do “Tema 700”, de forma categórica descreve que “Clássica distinção entre as ditas obrigações de dar e de fazer nem sempre será suficiente para enquadrar uma determinada atividade no conceito serviço de qualquer natureza previsto no texto constitucional”, embora passível de validade para justificar a incidência do ISSQN em diversas atividades.

No julgado também sob o rito da Repercussão Geral, “Tema 581”, o Supremo Tribunal Federal (STF), no Recurso Extraordinário n° 651.739/PR, ao tratar do caráter híbrido, enfatizou que para fins tributários as premissas dadas pelo Direito Privado segregando as atividades dar e fazer são apenas um ponto de partida para análise, visto não serem suficientes para seu devido enquadramento obrigacional.

Dos julgados acima, percebe-se que a Suprema Corte entende como primordial para que se possa tributar a licença de uso da imagem que se realize um minucioso exame das relações e obrigações jurídicas pactuadas nos contratos previamente celebrados.

Logo, para determinar de forma precisa a natureza da obrigação o julgador deve de fato analisar a relação jurídica negocial contratada e verificar se da celebração contratual sua expectativa está ligada a uma obrigação de dar ou fazer. Portanto, deve o julgador olvidar-se de simplesmente tentar buscar definir, em abstrato, se a incidência do ISSQN deve ser aplicada ou não levando em consideração tão somente se a relação estabelecida é de uma obrigação de dar ou de fazer.

Como vemos, a temática não possui fácil resolução como alguns poderiam apressadamente supor, mas, no meu sentir, como exposto sucintamente, percebe-se que nas relações contratuais estabelecidas entre os atletas e empresas poderíamos estar diante de uma verdadeira obrigação de dar ou de uma obrigação de fazer, onde poderia ocorrer ou não a incidência tributária respectiva – o ISSQN – considerada a devida ressalva dos entendimentos jurisprudenciais emanados pelos membros da Suprema Corte, para quem o juízo de valor sobre a ocorrência da incidência do tributo deve ser obtido de análise pormenorizada do caso concreto, como reportado acima, e não por mera ilação se é obrigação de dar ou de fazer.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 10 de fev. de 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 547.254/SC. Direito Tributário. ISS. Arrendamento Mercantil. Operação de Leasing Financeiro. Art. 156, III, da Constituição do Brasil. Recorrente: Município de Itajaí/SC. Recorrido: Banco Fiat S/A. Relator: Min. Eros Grau, 03 de dezembro de 2009; Publicação DJe n° 40: 05/03/2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 634.764/RJ. Recurso Extraordinário com repercussão geral. Tema 700. 2. Tributário. Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. 3. Incidência sobre exploração de atividade de apostas. Possibilidade. 4. Base de cálculo. Valor a ser remunerado pela prestação do serviço. Inconstitucionalidade da tributação do valor total da aposta. 5. Recurso Extraordinário parcialmente provido. Recorrente: Jockey Club Brasileiro. Recorrido: Município Do Rio De Janeiro. Relator: Min. Gilmar Mendes, 13 de fevereiro de 2014, Tribunal Pleno; Data de Publicação DJe: 28/02/2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 651.739/PR. Direito Tributário. Incidência de ISS sobre atividades desenvolvidas pelas operadoras de planos de saúde. Receitas oriundas das mensalidades pagas pelos beneficiários dos planos. Lei Complementar n° 116/2003. Relevância da matéria e transcendência de interesses. Manifestação pela existência de Repercussão Geral da Questão Constitucional. Recorrente: Hospital Marechal Cândido Rondon LTDA. Recorrido: Secretário Municipal de Finanças de Marechal Cândido Rondon/PR. Relator: Min. Luiz Fux, 6 de setembro de 2012; Publicação DJe-183: 18/09/2012.

MARCONDES, Rafael M. Manual da Tributação no Esporte. 1°. Ed. São Paulo: Quartier Latin, 2020.

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