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Direito Desportivo nas universidades: Direito do Desporto, Direito Esportivo ou Direito Desportivo?

O direito do desporto é uma realidade contemporânea que pode ser analisado por diferentes prismas consoante a história, a cultura e as estruturas jurídicas dominantes em uma determinada sociedade.

O aumento do interesse da população por determinada prática desportiva certamente acarreta o correspondente aumento das demandas ligadas ao direito desportivo.

O futebol é a modalidade com maior capilaridade e certamente a que mais tem praticantes em todo o mundo.

A globalização é um fenômeno que está diretamente ligado ao desporto. Países sem tradição no futebol, por exemplo, passaram a se dedicar à difusão da modalidade ao atrair profissionais de outros países já consagrados mundialmente. Assim aconteceu com o Japão, a Coreia e a China.

Um dos sonhos da FIFA é a disputa da Copa do Mundo de Futebol na Índia. Desde o ano de 2014 o futebol aportou, com sucesso, naquela parte do oriente. Naquele ano foi lançado um campeonato de futebol, denominado Indian Super League (ISL). Trata-se de um país com mais de 1 bilhão de pessoas e cuja modalidade esportiva principal é o críquete, tendo em vista a forte influência britânica.

O Direito Desportivo, além de ser um fenômeno internacional, tem característica transversal e multidisciplinar.

Em célebre estudo acerca desse importante tema, o saudoso professor Álvaro Melo Filho, com propriedade, afirma que o Direito Desportivo teve os seus alicerces fixados nos diversificados interesses dos atletas, clubes, ligas, federações, empresas vinculadas ao desporto, patrocinadores, meios de comunicação, intermediários de jogadores, árbitros e torcedores, investidores, ao projetarem-se no campo jurídico.

Trata-se, portanto, de um ramo autônomo do direito voltado para o estudo das normas reguladoras da atividade e do sistema desportivo e que se serve de diversas fontes de direito, como por exemplo, regulamentos de competições que possuem elevada importância e gozam de notório respeito.

Para João Leal Amado as relações entre desporto e direito não só existem como não poderiam ser mais estreitas, tendo em vista que a própria existência do desporto pressupõe, invariavelmente, regras técnicas. Afinal, qualquer pessoa pode correr, nadar e brincar com uma bola sem que esteja submetida a qualquer regra. Contudo, ninguém poderá ganhar uma corrida ou disputar um jogo sem regras que definam requisitos básicos, como por exemplo, a distância a ser percorrida, ou a forma com a qual a bola é jogada.[1]

Ao contrário do que alguns podem imaginar, a organização e a atividade desportivas constituem uma das instituições e ações humanas mais regulamentadas pelo Direito.

Com efeito, a regra é inerente e fundamental ao desporto. Tanto é verdade que a própria Constituição Federal assegura a prerrogativa e independência da Justiça Desportiva, cuja competência será a de julgar casos ligados à disciplina e competição (art. 217 da CRFB).

Desta forma, o Direito Desportivo possui peculiaridades e traços marcantes que o difere dos clássicos ramos do Direito, razão pela qual, como ramo jurídico que atravessa de forma transversal o ordenamento jurídico, este ramo tem a característica de, ao mesmo tempo, aglutinar institutos e técnicas próprias de outros setores jurídico e condensar elementos “de normatividade originária, “extraestatal e internacional”, conforme explica Álvaro Melo Filho.

O festejado professor anota que dentro do seu arcabouço científico unitário e sistemático já sedimentado, o Direito Desportivo requer um tratamento pedagógico próprio e especializado, pois somente dessa forma é que a matéria poderá ser absorvida pelos acadêmicos de direito.

No início da década de 1950, Oliveira Vianna advertia que os juristas brasileiros não se davam conta do direito costumeiro de criação genuína do povo, mas que já era respeitado como se fosse um direito codificado e sancionado pelo Estado. Segundo Vianna, a “Charta”, de autêntica realização popular, se estendia por todo o país e era aplicada com um rigor que muito direito escrito não possuía. Além disso, o desporto foi capaz de organizar instituições muito peculiares e que zelavam pela regularidade e cumprimento dos seus preceitos, com organização própria – de clubes, sindicatos, federações e confederações – com administração regular e de eleição democrática, com um Código Penal próprio e Justiça célere, tudo isso funcionando ao lado do Poder do Estado. Portanto, um genuíno “Direito vivo”[2].

As discussões acadêmicas ligadas ao Direito Desportivo, surgem a partir da gênese de sua própria nomenclatura. Afinal, a matéria em destaque seria Direito Esportivo, Direito do Desporto ou Direito Desportivo?

Antes de buscar reforço histórico e doutrinário para embasar a resposta é necessário apontar apenas um argumento técnico para espancar qualquer dúvida: a Constituição da República Federativa do Brasil fala em desporto. Logo, por respeito a Lex Mater, quando se fala da disciplina jurídica que se ocupa com o estudo do tema, estamos diante do Direito do Desporto ou do Direito Desportivo, razão pela qual, qualquer neologismo importa em vã tentativa de ignorar a história e a Constituição.

Com singular autoridade Luís Paulo Relógio afirma que a correta nomenclatura é Direito do Desporto, na medida que o termo “Desportivo” é um adjetivo que atribui uma característica (neste caso) a um ramo do direito. Sendo assim, quando pretendemos designar uma área de direito regulador de um determinado setor da sociedade, utilizamos a designação dessa mesma área social, como Direito de Família ou Direito do Trabalho.[3]

Dentro desta saudável discussão convém destacar a reflexão de João Lyra Filho[4]. Verbis:

“Desporto, sport ou esporte ? Pedi uma resposta ao saudoso mestre ANTENOR NASCENTES, que se manifestou assim – “Nem desporto, nem sport; esporte. Desporto é um arcaismo que COELHO NETO procurou reviver quando se criou a respectiva Confederação. COELHO NETO era muito amante de neologismos. Haja vista o “paredro”. A palavra inglesa há muito tempo está aportuguesada; é usada por toda a gente. Devemos usar a linguagem de todos, para não nos singularisarmos.

Não está de acordo ?

Respondi-lhe, com a vênia devida, que permaneço na dúvida. Não desconheço a influência do gosto popular e estimo deveras as dominantes de literatura oral. Mas, indo às origens de nosso vernáculo, identifico o uso da palavra desporto nas letras e na boca de Portugal. Não só os quinhentistas, inclusive SÁ DE MIRANDA, empregavam desporto. Não tem havido outra opção no escrever e no falar dos portugueses. A palavra “desport” já era de uso no francês antigo, significando prazer, descanso, espairecimento, recreio; com este sentido, figura em poesia de CHAUCRER. Os ingleses a tomaram por empréstimo, convertendo-a, depois, no vocábulo “sport”.

Uma nova razão faz-me permanecer adepto do vocábulo arcaico: ele foi atraído à própria Constituição desta nossa República Federativa. O art. 8º, sobre a competência da União, dispõe na alínea “q” do item XVII – “legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional; normas gerais sobre desportos”.

Não desejo ser denunciado como infrator da nossa Carta Magna. Mas a denúncia pode prosperar, com mudança de acusado, pois não são raras na legislação do país, as vezes em que os autores dos respectivos textos oficializam o vocábulo “esporte”.

Esta referência ao texto constitucional é oportuna e reforça a defesa do “Direito Desportivo”, afinal, o artigo 24 da Carta Magna de 1988 assegura que é competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto.[5]

Isso sem falar nos Tribunais de todas as modalidades existentes no Brasil e também os Superiores Tribunais, sendo indene de dúvidas de que sua denominação é Tribunal de Justiça Desportiva e não “Esportiva”. Portanto, não teria lógica nomenclatura distinta da atual existente.

As disposições inerentes ao Direito do Desporto surgem dos regulamentos, regras e preceitos criados pela própria instituição do desporto e que constituem a legislação desportiva.

Não há dúvidas de que entre o universo desportivo e o campo do direito há uma sinergia levando os autores a asseverar que “todos os fenômenos desportivos são jurídicos”, ou que, o desporto é “um universo de regras e de leis”,

A propósito, ao citar João Leal Amado, Álvaro Melo Filho diz que “o direito cria a actividade desportiva, pois esta não se concebe sem aquele, não faltando inclusive quem afirme que o desporto talvez seja, de entre todas as actividades humanas, aquela em que a regra jurídica ocupa um lugar de maior relevo”.

Diante de todas estas constatações não há como se negar uma situação inconteste, a de que o Direito Desportivo é um fato.

Com efeito, o Direito do Desporto é uma realidade palpável que desponta da convergência e simbiose entre desporto e direito, razão pela qual constitui-se numa disciplina jurídica com características próprias, autonomia e peculiaridades que o distinguem de outros ramos da “frondosa árvore jurídica”, nos dizeres de Álvaro Melo Filho.

Contudo, toda a matéria jurídica que insinua uma emancipação é alvo de críticas e acusada de não possuir critério objetivo para considerá-la autônoma.

Ocorre que, para viabilizar o desporto, gravita um corpo de regras jurídicas das mais diversas hierarquias que lhe são dirigidas, com normas e princípios próprios e soluções jurídicas diferenciadas, tornando determinante a autonomia do Direito do Desporto.

Portanto, deixar o Direito do Desporto de fora dos currículos das Universidades é impedir o surgimento de respostas às novas exigências das realidades jurídico-profissionais, devendo ser ressaltado que esta matéria condensa normas de conduta e de organização compatibilizando-as com experiências sociológicas, educacionais e econômicas.

Por fim, mas longe de esgotar o tema, o Direito do Desporto se justifica como matéria obrigatória nas Universidades tendo em vista que esta disciplina congrega um ordenamento jurídico específico que tem a graciosa virtude de dialogar com o Direito do Trabalho, Direito Tributário, Direito Civil, Direito Penal, Direito Administrativo (principalmente nas questões relacionadas a governança), Direito do Consumidor e Direito Previdenciário, além da constante e atual ligação com os métodos alternativos de solução de conflitos como mediação e arbitragem.

……….

[1] AMADO, João Leal – O processo de constituição e extinção da relação laboral do praticante desportivo – Coimbra Editora – P. 19

[2] VIANNA, Oliveira – Instituições Políticas Brasileiras – Conselho Editorial do Senado Federal – Brasília – 1999 – p.44/45.

[3] RELÓGIO, Luís Paulo – Direito do Desporto. In Enciclopédia de Direito do Desporto – Coord. Alexandre Miguel Mestre – Lisboa – 2019 – p.156.

[4] FILHO, João Lyra – Introdução à Sociologia dos Desportos – Ed. Biblioteca do Exército – 1973.

[5] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:(…)

IX – educação, cultura, ensino e desporto.

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