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Direito, esporte e mulheres – o mínimo a ser celebrado

Mais um 8 de março, mais uma celebração do Dia Internacional de Mulher, e esse espaço aborda mudanças nas esferas públicas e privada que buscam acompanhar a real importância dessa data, e a efetiva celebração que se espera: políticas que incentivem mulheres em cargos de gestão, e que fomentem a desigualdade de gênero em todos os âmbitos.

Tais medidas importam ainda mais quando se trata de atletas de alto rendimento, cujo instrumento de trabalho são seu corpo, e determinadas circunstâncias podem afetar temporariamente o seu empenho físico, sendo este tão demandado em uma gestação, e que acabam por serem ainda mais impactadas no mercado de trabalho onde a legislação e políticas públicas não alcancem tal condição.

De antemão, cabe esclarecer que a premissa na luta do combate à desigualdade de gênero exige a essência do princípio da igualdade, tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, à medida de sua desigualdade. Com isso, se verificará que apesar de progressos verificados ao longo da história da mulher no esporte, ainda assim tal fato não sucedeu em razão de políticas públicas de incentivo, e tão pouco pela efetiva estratégia sócio-cultural e política, mas tão somente graças à imensa resiliência que os nomes aqui citados tiveram em suas trajetórias para conquistar o alcance na história do esporte.

Com isso, o presente texto inicia-se com a conclusão de que a almejada igualdade de gênero não se trata de tratar igual, mas sim, de readequar políticas públicas, legislações e regulamentos para atender as singularidades dessas atletas, para que possam atuar profissionalmente sem renunciar absolutamente de suas escolhas pessoais. Medidas, portanto, que incentivem e proporcionem a segurança jurídica necessária para que possam alinhar ambos os interesses, pessoal e profissional, sendo interesse coletivo e não apenas das mulheres referidas proteções jurídicas.

Embora ainda se registre casos como da atleta de vôlei italiana Lara Lugli, que foi processada pelo clube em que jogava, por ter engravidado, sob alegação de que “a atleta não tinha comunicado previamente a sua intenção em ser mãe”, podemos ressaltar celebrados avanços no esporte no que relaciona ao tema.

Recapitula-se o período dos Jogos Olímpicos da Antiguidade, época em que o esporte era permitido e incentivado aos homens apenas, os quais eram contemplados com títulos de honra e privilégios por manifestarem habilidades de força, competitividade, agilidade, velocidade, resistência e poder, restando às mulheres privação de sua cidadania, restringindo-as não apenas de competir, mas de também acompanhar os eventos esportivos.

Essa ideologia se manteve também na Era Moderna, onde a segregação de mulheres no esporte se sustentava por acreditar que danos fisiológicos poderiam impactar as suas funções maternas, limitando-as às tarefas domésticas e à maternidade.

Entre as mulheres que marcaram a história no esporte, destaca-se a corredora grega Stamati Revithi, que percorreu os 42km fora do estádio, um dia após a maratona oficial masculina da Olimpíada de Atenas em 1896. Como realização de sonho e protesto, alcançou tempo melhor do que alguns dos competidores.

A luta pela inclusão da mulher no esporte caminhou junto às conquistas do direito ao voto, o acesso as universidades, o aumento na participação social, econômica e política, registradas no século XX.

O progresso pode ser observado em nos Jogos de Estocolmo (1912), ocasião em que mulheres puderam participar das provas de natação, e, em 1928, das modalidades de ginástica e atletismo.

Alguns nomes devem ser rememorados, e entre as atletas que representam degraus dessa vagarosa trajetória de ascensão, cita-se a esgrimista Hilda Von Puttkammer , que em 1929, foi campeã brasileira com apenas 17 anos, e com 23 anos, nos Jogos Olímpicos de Berlim tornou-se a primeira mulher sul-americana a competir em torneios públicos de esgrima.

Outra atleta que representa o progresso na inclusão da mulher no esporte, e cujo nome foi eternizado em um equipamento esportivo na cidade do Rio de Janeiro, é da nadadora Maria Lenk. A primeira atleta brasileira e sul-americana a competir nos Jogos Olímpicos de Los Angeles (1932), e nos Jogos Olímpicos de Berlim (1936), cravou o marco histórico de ser a primeira mulher a competir no estilo borboleta.

A evolução social permitiu a readequação de valores culturais, e tal fato pode ser verificado nos Jogos Olímpicos de Londres, onde contou com mulheres nas delegações de todos os países.

Lamentavelmente, as citadas e prestigiosas conquistas não ocorreram por incentivos públicos, tampouco por melhoria na infraestrutura privada ou pública para o esporte feminino, sendo ainda mais vencedoras essas atletas por conquistarem tanto em uma época de tamanha restrição política.

A esse respeito, menciona-se o Decreto 3.199/41, editado por Getúlio Vargas, o qual estabelecia as bases da organização do esporte no Brasil. Em vigor de 1941 a 1975, determinada em seu artigo 54 que “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”.        Inclusive, durante o regime militar, em 1965, o presidente do Conselho Nacional de Desportos – General Eloy Massey Oliveira de Menezes, assinou a Deliberação nº 7, o qual definiu que a prática de lutas, futebol, polo aquático, polo, rugby, halterofilismo e baseball não seriam permitidos para mulheres.

Não obstante a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1978), que possibilitou o reporte de violações aos direitos da mulher, servindo de instrumento fiscalizatório entre os membros da comunidade esportiva,  verificou-se ao longo de décadas as restritas e precárias condições em que a mulher atleta, não mais proibida de integrar e competir esportes de alto rendimento, se inseriu no mercado, sem os necessários e devidos respaldos legais para respaldá-las em suas especificidades.

Muitas atletas profissionais ponderam seus anseios quanto à maternidade, sobretudo pela, então, ausência de proteção jurídica quanto ao período de gravidez, que permitiu de rescisão contratual à redução dos valores de patrocínios.

A Constituição Federal assegura a estabilidade provisória no emprego e licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. O contrato de trabalho de atleta profissional se dá por tempo determinado. Em caso de gravidez, é comum que não haja renovação dos referidos contratos, e/ou a redução da remuneração recebida pela licença do uso de sua imagem. Em casos de contrato de trabalho por tempo determinado, a Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho assegura que a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória do artigo 10, inciso II, alínea b do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Na perspectiva jurídico-desportiva, cita-se a recente alteração da FIFA,  proposta pelo Comitê do Futebol, a qual passou a determinar a licença-maternidade obrigatória de 14 semanas, assegurando pelo menos dois terços do salário da atleta, entre outros regulamentos capazes de respaldar o direito às jogadoras, além de garantir um ambiente em que a atleta que engravidar, não poderá sofrer qualquer desvantagem com relação à equipe, e que ao retornar da licença-maternidade, as agremiações esportivas devem envidar esforços para reintegrá-las com suporte médico e físico adequado.

A imposição da citada regra da FIFA adotou um balizador mínimo global, alcançando todas as atletas do mundo todo, independente da legislação interna e local, como por exemplo, a Lei Pelé, que nada dispõe sobre o tema.

As mulheres que subiram ao pódio olímpico, assim como as mulheres que compõem cargos de gestão, integram órgãos de administração desportiva, entidades de prática desportiva são a prova de que, apesar das diferenças físicas, não há limitações no que se refere à empenho, disciplina, perseverança e resiliência. Como dito em outra oportunidade neste espaço no Lei em Campo, essas são algumas das habilidades que as tornaram campeãs e que as levantaram ao pódio para receber suas medalhas. Essas atletas não são apenas campeãs em suas modalidades esportivas, elas transpuseram fronteiras, abriram portas e conquistaram o espaço para outras mulheres que virão.

Atualmente, celebra-se também a representatividade da mulher em cargo ministerial do Poder Executivo. Ex-atleta de vôlei, integrante de entidades que lutam por políticas que incentivem a mulher, tal como o fomento a atletas gestantes através do bolsa atleta, a Ministra do Esporte Ana Mose é um excelente exemplo a ser citado.

De volta ao cenário jurídico, ressalta-se a dignidade da pessoa humana consiste em fundamento para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, CF).    O esporte, sendo ferramenta de inclusão social, deve refletir as evoluções sociais. Portanto, a representatividade da mulher em todas as posições do meio esportivo faz-se imprescindível, e só assim, verificará maior investimento, e consequente maior cobertura midiática e aumento no interesse comercial das modalidades esportivas feminina.

Outra alteração imposta pela FIFA, em 2018, através da Circular n. 1.610 passou a determinar que fossem registradas as transferências das atletas do futebol feminino por meio do que se denomina TMS (Transfer Match System). O avanço prático dessa medida possibilita o mapeamento das transações para posterior cobrança de mecanismo de solidariedade. Trata-se de mais uma forma de incentivo ao futebol de mulheres, podendo servir de exemplo para as demais modalidades. O movimento interna corporis, através da sua autorregulação, fomentando o esporte para mulheres.

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