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Direito Internacional Esportivo ou Direito Esportivo Internacional? Uma questão semântica?

Minhas amigas, meus amigos, se a geometria já foi chamada aqui por nós para auxiliar no desvelar dessa intrincada malha onde o Direito Esportivo se situa no campo global [“glocal”], vamos agora nos socorrer da linguística. E se direito é linguagem, nada mais natural, não é?

O linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure revolucionou o estudo da linguagem, da comunicação entre as pessoas, por meio do conceito de “signo”. Para ele, a junção de um “significante” com um “significado” formaria um “signo”.

O significante seria a imagem acústica que um falante receberia. Se essa pessoa tem para si somente essa imagem acústica, tal qual a união de fonemas, como /kaza/, sem qualquer liame com uma conceituação, ele seria desprovido de sentido. Assim, /kaza/ seria em português o mesmo que “bzeytu”, duas imagens acústicas sem qualquer sentido. Portanto, ainda segundo Saussure, o significante busca um significado.

Para entender isso melhor, vamos de novo recorrer à música. Antes, porém, uma confissão: eu não gosto muito de Legião Urbana, mas, me perdoem, vou usar uma canção deles pra tentar facilitar as coisas por aqui. Conhecem a composição “Eduardo e Mônica”, famosa com a banda? Fez sucesso na época de minha pré-adolescência. Tem uma passagem dela que diz:

“Se encontraram então no Parque da Cidade
A Mônica de moto e o Eduardo de camelo”

Cada palavra ali constitui um signo, dando sentido aos fonemas, às expressões, à letra da música como um todo. Por exemplo, “moto” pra qualquer brasileiro significa veículo motorizado de duas rodas, uma corruptela de motocicleta. E “Parque da Cidade”? Ora! Fácil. As cidades têm um parque. Não, não é bem isso. O encontro de Eduardo e Mônica ocorre em local determinado da capital nacional e lá, bem no seu coração, a poucos quilômetros da Esplanada dos Ministérios, ao lado do Estádio Mané Garrincha, está o “Parque da Cidade Dona Sarah Kubitschek”. Esse lugar bem conhecido pelos brasilienses foi o “spot” do “date” de Mônica com o “boy”. E como eles ali chegaram? Mônica, a candanga descolada, de moto. Eduardo, o noveleiro que ficava em casa jogando futebol de botão, foi de “camelo”. Sim, ele chegou ao parque montando aquele animal com duas corcovas que habita o Planalto Central, afinal, o clima aqui durante seis meses do ano é quase desértico.

“Fake news” de novo, meu caro! Camelo, para nós goianos e para os candangos que a gente adotou em nosso território, também significa bicicleta, bike, magrela. O menino simplesmente chegou com o meio de transporte ao seu dispor, uma humilde bicicleta. Um camelo.

Voltemos a Saussure, o símbolo acústico. O significante /kaza/, para ter sentido, necessita de um significado. Para nós lusoparlantes, /kaza/ significa abrigo, local de moradia, lar…. E /ka.mˈe.lʊ/? Bom, correntemente o animal de duas corcovas que se dá bem no deserto, mas seu significado também pode ser bicicleta, como na música da banda brasiliense.

Já imaginou que a teoria saussuriana para a linguagem pode ter revolucionado outras áreas? É só lembrar que J. Lacan a utilizou para renovar fortemente a psicanálise freudiana e que os filósofos contemporâneos trabalham com essa semiótica na interpretação dos fatos.

E no direito? A resposta é: disrupção. Nem mesmo a sofisticada construção neopositivista de H. Kelsen a ela sobreviveu. O chamado “giro linguístico” trouxe inovações grandiosas às hermenêutica jurídica. Em poucas palavras, foi a gota d’água para que se entendesse que “texto” e “norma” não são necessariamente a mesma coisa. A imagem acústica normativa requer sempre um significado. Ou não foi isso o que ocorreu com a abolição da escravidão nos EUA? A mesma carta que permitia entender ser razoável manter um negro cativo a seu dispor foi a que deu guarida aos estados do norte daquele país para abolirem a escravatura. A emenda que vedava a prática só apareceu tempos depois.

Nas escolas jurídicas pós-positivistas, o texto normativo sempre tem uma “tessitura aberta e indeterminada”. Isso não significa condescendência com o arbítrio interpretativo, com o oportunismo hermenêutico. Uma comunidade de intérpretes deve ter fortes vínculos com os princípios e manter uma postura de ruptura com o relativismo jurídico.

Retomando agora a unidade entre a semiótica e o direito, pensemos no significante “internacional”? Bom, para o direito essa palavra deriva de sua utilização em inglês, que significa “inter nations”, ou seja, entre Estados soberanos. Mais uma confusão entre significante e significado, agora em razão da tradução, já que, para nós que falamos português, nação não é a mesma coisa que Estado. Contudo, já se tornou corrente aceitar que o significado de Direito Internacional seja aquele que se desdobra das relações internacionais, seja entre Estados, seja por meio das organizações intergovenamentais, como também em virtude das atividades de entes não estatais e de indivíduos no campo global.

Estados mantêm entre si compromissos jurídicos, atos internacionais, normas. Algumas delas tratam de cooperação esportiva. O Brasil assim fez com os demais Estados componentes da Comunidade de Países da Língua Portuguesa (CPLP), por exemplo. Do mesmo modo, organizações internacionais normatizam acerca do esporte. As Nações Unidas já deliberaram em sua Assembleia Geral sobre autonomia esportiva. Sua Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) mantém o Código Mundial Antidopagem. Por isso há um Direito Internacional Esportivo. Um direito internacional que trata do tema do esporte.

E quando um Estado mantém internamente uma norma esportiva que possa ter efeitos extraterritoriais? A título de ilustração, havia uma resolução do extinto Conselho Nacional do Desporto (CND) que dava poder ao chefe de delegação de seleções esportivas para decretar a prisão administrativa do atleta indisciplinado nas competições que ocorressem no exterior. Ou seja, uma normatização interna brasileira que ultrapassava nossas fronteiras, produzindo efeitos em outro país, independentemente, acreditava-se, do que aquele outro Estado dispusesse acerca do tema. Esse é o Direito Esportivo Internacional.

Viram que a questão não é “meramente semântica”? Que alterando a posição de uma palavra, de um signo, o significado passa a ser diferente? O valor social, histórico, que se dá ao significante vai lhe impondo significados providos de materialidade, senso moral, juridicidade. O limite sempre estará na valoração desse significado de acordo com um sistema jurídico baseado em princípios.

E na hipótese de que entidades esportivas não estatais, autônomas, atuem no campo internacional, seja no Direito Internacional Esportivo, seja no Direito Esportivo Internacional? Bom, aqui temos simplesmente o Direito Esportivo “stricto sensu”, que, por ter se desterritorializado, é transnacional. Esse Direito Esportivo, agora voltando à minha coluna sobre a geometria, os círculos secantes, se relaciona tanto com as normas do Direito Internacional Esportivo (Código Mundial Antidopagem, por exemplo), como com as normas internas dos Estados sobre esporte, inclusive aquelas extraterritoriais.

Na próxima coluna voltarei ao tema, agora para falar um pouco sobre atos internacionais que impactam o Direito Esportivo.

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