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Direitos econômicos – natureza da receita e o planejamento tributário dos atletas no Brasil

Os Direitos Econômicos, popularmente conhecido por torcedores e muito propagados pela mídia sob a denominação de multa rescisória, nada mais são do que os valores pagos resultantes das transferências de atletas entre clubes em âmbito nacional e internacional.

A respectiva cifra já foi objeto de várias deliberações pela FIFA, inclusive, a entidade máxima do futebol em dado momento estabeleceu que os atletas sequer poderiam receber tais valores por serem entendidos como terceira-parte ou terceiro.

O futebol assim como qualquer indústria carece de investimentos. Em razão disso, investidores, até meados de 2015, podiam investir nos clubes valores que lhes garantiam, a depender do acordado e do montante aportado, um percentual a título de Direitos Econômicos sobre as transações futuras milionárias de determinados atletas. Para ilustrar temos: um investidor aporta em um determinado clube futebol o montante de R$ 5 milhões, para que este lhe conceda em momento futuro 50% dos Direitos Econômicos de uma negociação de um atleta.

Assim, a FIFA entendeu que um estranho (terceira-parte), a figura de um investidor, poderia interferir na relação negocial dos clubes. Para a entidade máxima do futebol, na prática a palavra final de uma negociação entre clubes estava sendo decidida por terceiro que possuia exclusivamente objetivos financeiros nos negócios sem qualquer compromisso desportivo.

Desse modo, foi incluído o art. 18-bis no Regulamento sobre o Estatuto e a Transferência de Jogadores (“RSTP”) com o objetivo de mitigar a respectiva interferência deletéria no esporte. A FIFA visando dar maior efetividade a medida, no dia 22 de dezembro de 2014, publicou a Circular n° 1.464, com vigência partir de 01 de maio de 2015, incluindo em seus regulamentos o art. 18ter, sobre o que se considerava “terceira-parte”. O conteúdo do novel dispositivo acabou por afastar a possibilidade dos atletas ou investidores de auferir quaisquer quantias a título de Direitos Econômicos. À época, a entidade incorreu em erro grave quando excluiu os atletas do compartilhamento ao lado dos clubes de seus direitos.

18bis Influência de terceiros nos clubes

  1. Nenhum clube celebrará um contrato que permita ao clube de balcão/clubes de balcão, e vice-versa, ou a qualquer terceiro, adquirir a capacidade de influenciar em questões relacionadas com o emprego e as transferências a sua independência, as suas políticas ou o desempenho das suas equipes […].

18ter Propriedade por terceiros dos direitos econômicos dos jogadores

  1. Nenhum clube ou jogador deverá celebrar um acordo com um terceiro em que um terceiro tenha o direito de participar, total ou parcialmente, na compensação a pagar em relação à transferência futura de um jogador de um clube para outro, ou esteja a ser-lhe atribuído qualquer direito em relação a uma transferência ou compensação de transferência futura.

  2. A interdição nos termos do parágrafo 1 entra em vigor em 01 de maio de 2015.

  3. Os acordos abrangidos pelo nº 1, anteriores a 01 de maio de 2015, podem continuar em vigor até à expiração do seu contrato. No entanto, a sua duração não pode ser prorrogada.

  4. A validade de qualquer acordo abrangido pelo nº 1 assinado entre 01 de janeiro de 2015 e 30 de Abril de 2015 não pode ter uma duração contratual superior a um ano para além da data efetiva

  5. Até ao final de abril de 2015, todos os acordos existentes abrangidos pelo parágrafo 1 precisam de ser registados no Sistema de Correspondência de Transferência (SCT). Todos os clubes que tenham assinado tais acordos são obrigados a carregá-los na sua totalidade, incluindo possíveis anexos ou alterações, no TMS, especificando os detalhes do terceiro interessado, o nome completo do jogador, bem como a duração do acordo […] [grifos nossos].

Em 2019, a Entidade máxima do futebol mudou seu entendimento permitindo o recebimento de valores a título de Direitos Econômicos por parte dos atletas e que os valores recebidos deveriam ser entendidos como verbas com natureza salarial, considerado o vínculo de emprego que os atletas possuem com os clubes.

No que tange ao entendimento de que os valores recebidos por conta de Direitos Econômicos têm natureza salarial é algo que merece ser discutido, tendo em vista tais verbas carecem de habitualidade e periodicidade, além do que, insta salientar que a respectiva cifra se trata de um direito condicionado a um evento futuro, i.e., poderá ou não ocorrer. Inclusive, o respectivo direito sequer pode ser objeto de tributação quando da sua não ocorrência, como preceitua o art. 43 do Código Tributário Nacional – CTN.

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Logo, quando do recebimento dos valores por parte do atleta ainda se faz necessária para incidência tributária a verificação se ocorreu de fato ganho ou perda de capital, para que se proceda a análise nos moldes do prescrito pelo art. 153 do Novo Regulamento do Imposto de Renda (RIR/2018), estando sujeito a progressividade de alíquotas no percentual de 15-22,5%.

Art. 153. O ganho de capital apurado na forma estabelecida nos art. 130 e art. 148, observado o disposto nos art. 149 e art. 150, fica sujeito ao pagamento do imposto sobre a renda, com as seguintes alíquotas (Lei nº 8.981, de 1995, art. 21; e Lei nº 9.532, de 1997, art. 23, § 1º): I – até o ano-calendário de 2016: quinze por cento; e II – a partir do ano-calendário de 2017: a) quinze por cento sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); b) dezessete inteiros e cinco décimos por cento sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e não ultrapassar R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); c) vinte por cento sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e não ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais); e d) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).

O planejamento tributário em relação a respectiva cifra recebida pelos atletas merece enorme atenção, visto que ao adotar o entendimento da FIFA, no tocante a natureza salarial destes proventos, teríamos que aplicar para fins tributários o que dispõe o art. 17 da Convenção Modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Quando do não entendimento pela natureza salarial a tributação será conforme dispõe o art. 13, §5º da Convenção Modelo da OCDE.

Artigo 17.º

Artistas e desportistas

  1. Não obstante o disposto nos Artigos 7.º e 15.º, os rendimentos obtidos por um residente de Estado contratante na qualidade de profissional de espetáculos, tal como artista de teatro, cinema, rádio ou televisão, ou músico, bem como de desportista, provenientes das suas atividades pessoais exercidas, nessa qualidade, no outro Estado contratante, podem ser tributados nesse outro Estado.
    2. Não obstante o disposto nos Artigos 7.º e 15.º, os rendimentos da atividade exercida pessoalmente pelos profissionais de espetáculos ou desportistas, nessa qualidade, atribuídos a uma outra pessoa, podem ser tributados no Estado contratante em que são exercidas essas atividades dos profissionais de espetáculos ou dos desportistas.

Artigo 13.º

Mais-valias 

Os ganhos que um residente de um Estado contratante aufira da alienação de bens imobiliários, considerados no Artigo 6.º e situados no outro Estado contratante podem ser tributados nesse outro Estado.
2. Os ganhos provenientes da alienação de bens mobiliários que façam parte do ativo de um estabelecimento estável que uma empresa de um Estado contratante tenha no outro Estado contratante, incluindo os ganhos provenientes da alienação desse estabelecimento estável (isolado ou com o conjunto da empresa), podem ser tributados nesse outro Estado. 3. Os ganhos provenientes da alienação de navios ou aeronaves utilizados no tráfego internacional, dos barcos utilizados na navegação interior ou de bens mobiliários afetos à exploração desses navios, aeronaves ou barcos só podem ser tributados no Estado contratante em que estiver situada a direção efetiva da empresa.
4. Os ganhos que uma sociedade residente de um Estado contratante aufira de alienação de ações provenientes, direta ou indirectamente, em mais de 50% do respetivo valor dos bens imobiliários situados no outro Estado contratante podem ser tributados nesse outro Estado.
5. Os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens diferentes dos mencionados nos n.ºs 1, 2 e 3 só podem ser tributados no Estado contratante de que o alienante é residente

Percebe-se da sucinta análise a importância do planejamentos tributário referente a totalidade das espécies que compõem a remuneração total percebida pelos atletas, sendo os valores a título de direitos econômicos apenas uma delas.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000. Promulga a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3678.htm. Acesso em: 28 de abr. de 2022.

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 28 de abr. de 2022.

Brasil. Presidência da República. Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018. Regulamenta a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9580.htm. Acesso em: 28 de abr. de 2022.

FIFA. Regulations on the Status and Transfer of Players. March 2022 edition. Disponível em: https://digitalhub.fifa.com/m/1b47c74a7d44a9b5/original/Regulations-on-the-Status-and-Transfer-of-Players-March-2022.pdf. Acesso em: 28 de abr. de 2022.

MARCONDES, Rafael Marchetti. Manual da Tributação no Esporte. São Paulo: Quartier Latin, 2020.

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