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Direitos Humanos antecedem ao Desporto

Muito se fala acerca das obrigações de um atleta, os seus deveres e a sua renúncia à determinados prazeres de uma vida normal, bem como a conduta exemplar que deve transmitir em razão da sua notoriedade e influência. Muitas limitações que são impostas a um atleta seriam inimagináveis a um trabalhador comum.

Antes de vislumbrarmos a figura vitoriosa de um atleta bem sucedido, devemos sempre lembrar que, antes do atleta, existe o ser humano que carrega com ele uma vasta proteção dos seus direitos, em nome da dignidade da pessoa humana.

É indene de dúvidas que a prática do desporto traz uma série de benefícios, pois, na lição do prestigiado professor Pedro Trovão do Rosário, contribui para a melhoria da saúde, sendo um dado aceite por todos que a sua prática regular favorece a melhoria ou a prevenção de problemas psicológicos e biológicos[1].

Recente decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) chamou a atenção ao julgar caso que envolvia atletas de xadrez com deficiência visual.

Importante relembrar que a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), foi adotada em 4 de novembro de 1950, na cidade de Roma e entrou em vigor, na ordem jurídica internacional três anos mais tarde.

A convenção foi elaborada no Pós-Segunda Guerra Mundial quando o mundo se recuperava de um trauma e decidiu por consagrar um rol de direitos e liberdades, com base na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, introduzindo uma novidade revolucionária na proteção de direitos fundamentais na Europa ao prever, já na sua versão original, um mecanismo de controle do respeito, pelos Estados Membros, dos direitos aí reconhecidos, garantindo a eficácia do sistema de proteção: nasce assim o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH)[2].

No caso, quatro cidadãos sérvios conquistaram inúmeras medalhas representando a equipe nacional da Iugoslávia entre os anos de 1961 e 1992, inclusive com conquistas nas Olimpíadas de Xadrez para deficientes visuais.

Em 2006, a Sérvia criou o Estatuto de Reconhecimento e Recompensas de Méritos Desportivos, com a finalidade de reconhecer, mediante recompensas, atletas nacionais em virtude de seus méritos desportivos, sendo atribuído aos contemplados um diploma, grau honorário e recompensa financeira.

No ano de 2007 a Federação Sérvia de Xadrez propôs que esse reconhecimento fosse atribuído a diversos atletas federados que haviam conquistado medalhas em competições internacionais, incluindo os xadrezistas com deficiências visuais. Contudo, esses praticantes não foram incluídos na proposta formal apresentada pelo Ministério da Educação e Desporto ao Governo sérvio, sob o argumento no qual as competições não estariam incluídas na lista dos eventos elegíveis.

Os cidadãos sérvios prejudicados, inconformados com a atitude discriminatória do Governo, ajuizaram uma ação cível contra a República da Sérvia e foram vitoriosos em 1ª instância. Entretanto, o Governo recorreu e a última decisão da Justiça Sérvia foi proferida em 2015 pelo Tribunal Constitucional daquele país, o qual sentenciou que os atletas em causa não haviam sofrido qualquer tipo de discriminação pois as suas medalhas não haviam sido conquistadas em competições enumeradas no Estatuto de Reconhecimento e Recompensas de Méritos Desportivos.

Os requerentes sentiram-se lesados e discriminados pelas entidades de seu país, razão pela qual recorreram às cortes europeias com fundamento no artigo 14.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (proibição de discriminação), no artigo 8.º (direito ao respeito pela vida privada e familiar), no artigo 1.º do Protocolo Adicional à CEDH (proteção da propriedade), bem como no artigo. 1º do Protocolo Adicional nº 12 à CEDH (proibição geral de discriminação).

O TEDH levou em consideração apenas o art. 1º do Protocolo Adicional nº 12, que trata da proibição geral de discriminação e concluiu que não havia justificativa objetiva e razoável para tratar os xadrezistas com deficiência visual de forma distinta com base nessa condição.

Desta forma, a violação daquele dispositivo legal gerou a condenação das entidades sérvias no pagamento da importância equivalente a € 4.500,00, para cada requerente, a título de dano moral, além dos benefícios financeiros acumulados e não disponibilizados até aquele momento, bem como os valores futuros a que teriam direito caso as medalhas tivessem sido conquistadas nas Olimpíadas de Xadrez para atletas sem deficiência visual.

Decisão alvissareira que reconhece a vitória do mérito contra o preconceito e assegura a autoridade desse importante órgão julgador.

Não podemos perder de vista que “o desporto consiste numa prática ancestral, na qual se perpetuam elementos culturais e difundem valores universais como a continua procura da excelência e o respeito pela diferença. [3]

Crédito imagem: AFP/Getty Images

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[1] ROSÁRIO, Pedro Trovão do. Direito Universal ao Desporto. Cidadão Deficiente. In Compêndio de Direito do Desporto. MESTRE, Alexandre Miguel (Coord.), Gestlegal, 2021. P. 92/103.

[2] Disponível em: https://dgpj.justica.gov.pt/Relacoes-Internacionais/Organizacoes-e-redes-internacionais/Conselho-da-Europa/Tribunal-Europeu-dos-Direitos-Humanos. Acesso realizado em 09.05.2023.

[3] ROSÁRIO, Pedro Trovão do. Direito Universal ao Desporto. Cidadão Deficiente. In Compêndio de Direito do Desporto. MESTRE, Alexandre Miguel (Coord.), Gestlegal, 2021. P. 92/103.

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