Mesmo com tantos vetos, que ainda estão sob análise do Congresso Nacional, a Lei Geral do Esporte não deixa de ser um texto extenso e abrangente, com dispositivos relacionados a diferentes aspectos desse fenômeno social.
Na coluna de hoje, pretende-se fazer algumas reflexões sobre o artigo 3º, §3º, da Lei Geral do Esporte:
Seção III
Do Direito Fundamental ao Esporte
Art. 3º Todos têm direito à prática esportiva em suas múltiplas e variadas manifestações.
(…)
§ 3º É direito da mulher, em qualquer idade, ter oportunidades iguais de participar em todos os níveis e em todas as funções de direção, de supervisão e de decisão na educação física, na atividade física e no esporte, para fins recreativos, para a promoção da saúde ou para o alto rendimento esportivo.
Embora já não existissem dúvidas sobre o esporte ser um direito fundamental, como se extrai da Carta Internacional da Educação Física e do Esporte da UNESCO[i] e da Constituição Federal de 1988, a Lei Pelé não tinha se ocupado de reforçar, textualmente, essa condição. E, sobre isso, a Lei Geral do Esporte não se omitiu.
No contexto de deixar expresso o Direito Fundamental ao Esporte, a Lei Geral do Esporte especificou esse direito em relação às mulheres – e isso foi ótimo. De acordo com o artigo 3º, §3º, acima reproduzido, as mulheres, em qualquer idade, devem ter “oportunidade iguais” dentro do esporte, para todas as funções, inclusive em relação à prática profissional, enquanto atletas de alto rendimento.
O referido dispositivo permite estudar o Direito Fundamental das Mulheres ao Esporte sob diversas perspectivas e, naturalmente, não é a pretensão deste espaço apresentar um estudo completo, senão indicar um aspecto que parece extremamente relevante e, sobretudo, urgente.
Especificamente sobre as “oportunidades iguais” no esporte de alto rendimento, como previsto no texto legal em análise, vislumbra-se, sem prejuízo de outros casos, duas distorções que, salvo melhor juízo, merecem debate, para se dizer o mínimo.
A despeito de o artigo 97, VIII, da Lei Geral do Esporte definir que “será caracterizada a atividade do atleta profissional da modalidade futebol por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho esportivo firmado com organização que se dedique à prática esportiva”, sem distinção de gênero, os regulamentos da CBF não exigem que os clubes de futebol feminino registrem o contrato especial de trabalho esportivo das suas atletas para que tenham condição de jogo. Em outras palavras, enquanto os clubes do masculino estão obrigados a contratar os seus atletas por contrato especial de trabalho esportivo, incluindo-os na proteção social do Estado, os clubes do feminino podem contratar as suas atletas como bem entenderem, inclusive sem formalizar o vínculo empregatício, excluindo-as da proteção social do Estado.
Algo muito parecido ocorre no basquetebol. Para que os homens possam disputar a principal competição nacional masculina, o Novo Basquete Brasil – NBB, as equipes estão obrigadas, pelo regulamento da competição, a apresentarem os contratos de trabalho assinados e as carteiras de trabalho devidamente anotadas, ensejando, portanto, a sua inclusão no sistema de proteção social do Estado. Por outro lado, a Liga de Basquete Feminino – LBF, que é a principal competição nacional das mulheres, não possui a mesma exigência em seus regulamentos, ou seja, as atletas podem disputar a competição sem a formalização de contrato de trabalho e anotação da CTPS.
Em síntese, o tratamento dispensado às mulheres no futebol e no basquete é discriminatório, salvo melhor juízo, ao passo os clubes são obrigados a tratar os homens como empregados desde a admissão, com a celebração do contrato especial de trabalho esportivo e anotação da CTPS, como requisito à condição de jogo, enquanto as mulheres podem ser contratadas de qualquer forma, com ou sem contrato especial de trabalho esportivo e anotação da CTPS.
Sem a formalização do vínculo empregatício, mediante assinatura do contrato especial de trabalho esportivo e anotação da CTPS, as atletas não serão destinatárias dos mais elementares direitos trabalhistas, como 13º salário, férias e FGTS, se não procurarem a Justiça do Trabalho.
Se antes já não era admissível essa distorção, muito menos se pode aceitar o referido tratamento discriminatório a partir da vigência do artigo 3º, §3º, da Lei Geral do Esporte.
Urge debater o assunto e promover, efetivamente, as “oportunidades iguais” preconizadas pela legislação esportiva vigente.
Até a próxima.
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[i] UNESCO. Carta Internacional da Educação Física e do Esporte da UNESCO. Disponível em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000216489_por>. Acesso em: 26 de maio de 2024.