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Do livre exercício da profissão de professor de tênis

Por Pedro Baumgarten Cirne Lima

A propósito de recente julgamento proferido pela 3ª Turma do TRF da 4ª Região (Apelação Cível 5011606-38.2017.4.04.7002), noticiado com algum destaque nos meios jurídicos, decidindo que um instrutor de tênis e atleta profissional do esporte pode ministrar aulas em academia sem a necessidade de formação e registro no Conselho Regional de Educação Física, proponho algumas reflexões.

Embora o tema gere controvérsia (basta dizer que, na página da Confederação Brasileira de Tênis na internet, consta como condição para ser professor de tênis “ter registro ativo no CREF/CONEF”), o debate não é novo no âmbito do TRF-4, sendo possível resgatar de seu repertório de jurisprudência, numa pesquisa simples, pelo menos outros cinco julgados relativos a tênis, tênis de mesa e squash, apenas para ficar no âmbito dos esportes praticados com “raquete”.

A mais antiga dessas decisões, proferida no final do ano de 2014, relatada pelo Des. Luiz Alberto D’Azevedo Aurvalle¹, em resumo, estabelece que a atividade de técnico de tênis não é exclusiva dos profissionais de educação física por estar associada “às táticas do jogo e não à atividade física”.

Ao argumento principal, de que a atividade do instrutor de tênis, e de outros esportes em geral, está ligada aos ensinamentos das regras do jogo (táticos) e de sua melhor prática (técnicos) – para o que não é necessário graduação universitária –, e não à atividade física propriamente dita, esta, sim, privativa dos educadores físicos, a decisão antiga acrescenta os seguintes argumentos:

– a regra da liberdade de exercício profissional prevista no art. 5º, XIII, da Constituição Federal, segundo a qual é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
– o fato de a lei aplicável (Lei nº 9.696/98) não prever, nos artigos 1° a 3°, a atividade de instrutor de tênis (ou de tênis de mesa, squash, etc.) como privativa dos profissionais graduados em educação física;
– o fato de a atividade de treinador de tênis (assim como dos demais esportes citados) não implicar em risco social, não gerando perigo de lesão a quem quer que seja;
– o fato de, no caso examinado, haver prova de que o treinador tem experiência na atividade e, inclusive, certificação de órgão internacional vinculado ao esporte.

Este último ponto, aliás, relativo à experiência do treinador, geralmente vinculada ao exercício prévio do esporte, como atleta amador ou profissional (nesses casos, no exterior, já que, segundo a lei brasileira, o único esporte praticado profissionalmente no Brasil é o futebol), é costumeiramente repetido nos julgados que enfrentam a questão. O objetivo é deixar claro que se busca impedir que qualquer pessoa sem experiência ensine a prática da modalidade, reservando o ensino apenas àquelas que têm conhecimentos técnicos e táticos que diferem da atividade física a eles vinculada, praticada em menor ou maior intensidade.

Manifesto aqui minha concordância com as decisões do TRF-4 e, nesse ponto, discordo do ponto de vista manifestado, segundo a notícia que deu origem ao presente artigo², pelo Conselho Regional de Educação Física da 9ª Região/PR, no sentido de que o “tênis é um esporte de alto rendimento que necessita de treinamento especializado por parte de seus participantes, de forma que o treino deve ser ministrado exclusivamente por profissionais registrados de educação física”.

O tênis, assim como qualquer esporte, pode ou não ser praticado de forma recreativa ou em alto rendimento, dependendo da intenção e das habilidades do praticante. Aliás, me parece que aqui é que reside a distinção que deve ser objeto de ressalva: o mero aprendizado da prática desportiva é atividade recreativa, enquanto a prática do esporte em alto rendimento, seja amadorística, seja profissionalmente, consiste em atividade física. Enquanto a primeira dispensa o acompanhamento por educadores físicos, a segunda deve ser por eles acompanhada, conjuntamente com os treinadores da modalidade (ou individualmente, caso o treinador seja educador físico e se disponha a ministrar as atividades tático/técnicas e físicas conjuntamente).

Para exemplificar, no mundo do tênis profissional, existem vários ex-jogadores (Ivan Lendl, Boris Becker, Amelie Mauresmo, entre outros) que treinam jogadores e não têm, até onde se saiba, graduação em educação física, transmitindo o conhecimento sobre a parte técnica e tática do jogo adquirida em anos do exercício da profissão de tenista profissional. Porém, exatamente devido à exigência física da prática do esporte como profissão, integram equipes de treinamento nas quais são acompanhados de preparadores físicos (além de uma série de outros profissionais, como nutricionistas e fisioterapeutas), responsáveis pela execução e acompanhamento das atividades físicas de seus pupilos.

Encerro reiterando minha concordância com a posição adotada pelo TRF da 4ª Região a respeito da desnecessidade de que o professor de tênis (e de outros esportes) seja graduado em educação física, sem deixar de reconhecer que, caso o praticante do esporte pretenda fazê-lo em alto nível, de forma que demande esforço físico considerável, é recomendável que o faça com a inclusão de um educador físico em seu programa de treinamentos.

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¹ TRF-4, Apelação/Reexame Necessário nº 5014281-64.2014.404.7200, 4ª Turma, Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, por unanimidade, juntado aos autos em 10/09/2014.
² https://www.conjur.com.br/2018-nov-15/conselho-profissional-nao-exigir-registro-professor-tenis

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Pedro Baumgarten Cirne Lima é advogado formado UFRGS em 1991, especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito da Empresa e da Economia pela Escola de Economia da FGV/RJ em 1998, especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Internacional – “O Novo Direito Internacional” – pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFGRS em 2005. Sócio do escritório Sieczkowski, Ulrich & Cirne Lima Adv. Ass., no qual atua desde 1991.

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