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“Duro demais para a própria saúde”: a aposentadoria no desporto de combate

Os desportos de combate são brutais para a saúde dos atletas, e não há outra forma de o dizer. Mas quando é a melhor hora de se pendurarem as luvas?

Essa é uma pergunta que só os próprios atletas podem responder, porém há coisas que precisam ser observadas, que muitas vezes os atletas só tardiamente se dão conta.

Após uma carreira profissional de 21 anos que incluiu a conquista do título dos meio-pesados do UFC, o lutador brasileiro Glover Teixeira anunciou sua aposentadoria em plena Jeunesse Arena, no sábado, dia 21 de janeiro de 2023, no retorno do UFC ao Brasil, depois de quase 3 anos sem nenhuma edição do evento em solo brasileiro.

Glover surpreendeu o público com o anúncio logo após sua derrota em luta pela disputa de cinturão de sua categoria no evento principal do UFC 283, deixando claro que era “duro demais para a sua própria saúde”.

O veterano de 43 anos de idade colocou as suas luvas no octógono depois de uma batalha de cinco rounds contra o agora campeão, Jamahal Hill.

Na mesma noite, o lendário lutador e ex-campeão do UFC e do Pride, Maurício “Shogun” Rua, também anunciou sua aposentadoria, esta já premeditada pelo atleta desde antes do evento.

E o que uma atleta de esportes de combate recebe quando se aposenta? Casos como o de Shogun e Glover são incomuns no esporte, pois ambos são atletas de alto nível que fizeram a maior parte da carreira em grandes eventos, recebendo bolsas significativas.

Ambos são donos de negócios que envolvem esportes de combate, e aproveitarão o merecido descanso físico por carregarem o esporte nas costas por longo período enquanto exploram trabalhos que não exigem mais tanto de seus corpos combalidos.

Porém, como ficam os atletas da luta que não se enquadram nesse perfil? É preciso primeiramente observar que, como o atleta de esporte de combate, em geral, não tem vínculo empregatício com o evento, não é segurado obrigatório da Previdência Social no Brasil.

Portanto, a menos que o atleta recolha os valores devidos sempre que recebe as bolsas referentes às suas lutas, não poderá dispor das garantias previdenciárias, dado que sugere aqui um certo impasse.

As bolsas de atletas em inicio de carreira são muito baixas (variando de 100 a 400 reais para um evento de MMA, por exemplo). Muitas vezes o atleta não paga o valor da contribuição por questões financeiras (não abrir mão de um pequeno valor pela diferença que ele pode fazer em suas despesas) ou por já ter outro trabalho em paralelo que lhe dê mais garantias, como de professor de artes marciais que trabalha com carteira assinada.

Uma vez que os esportes de combate não são considerados atividades insalubres ou perigosas, o atleta também não tem aposentadoria diferenciada devido à exposição aos fatores de risco inerentes às modalidades de luta.

É famosa a questão da lesão sofrida por Anderson Silva em combate com Chris Weidman no UFC 168 em dezembro de 2013. Não tivesse ocorrido em um evento do porte do UFC, certamente o “Spider” poderia enfrentar problemas para conseguir valores para cobrir as despesas do tratamento.

O oponente de Anderson naquela ocasião, ironicamente, sofreu o mesmo destino. Um chute de Weidman desferido em seu oponente Uriah Hall resultou em uma séria lesão na perna do próprio ex-campeão durante uma luta entre ambos no UFC 261.

A cirurgia de Weidman custou mais de 50.000 dólares, mas não se sabe se o UFC teve que cobrir esta conta ou não. Caso ocorresse em solo brasileiro, o atleta, que não contribuía para a Previdência Social, estaria entregue à própria sorte.

Assim, sendo identificada situação de acidente ou doença laboral esportiva, a entidade responsável deverá custear todo o tratamento médico do atleta, ou mesmo, em caso de morte do desportista, arcar com os custos do funeral decorrente (PETACCI, 2016, p 173[1])

O tema da repercussão previdenciária do acidente do atleta profissional é discutido internacionalmente, pois muitas vezes os eventos ocorrem em vários países diferentes, com atletas do mundo todo, merecendo uma proteção que envolva acordos internacionais (CYRILLO, 2019, p. 102[2]).

Uma vez entendidos e classificados como acidentes de trabalho, como seria possível evitá-los, como proteger os acidentados e suas famílias? Essas questões estão esbarrando no sistema previdenciário, que por sua vez não oferece benefícios satisfatórios, ou que tenham poder de substituição de renda igual ou próxima ao que o atleta realmente recebia.

Ainda é longo o caminho para o estabelecimento de uma política de aposentadoria ao menos razoável para os atletas do desporto de combate, porém, é imperativo que comecemos esse debate no momento em que os eventos de luta alcançam maior público, aparecendo esses esportes como novos meios de vida para o cidadão.

Crédito imagem: UFC

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[1] PETACCI, Diego. Acidentes de Trabalho no Esporte Profissional. 1ª. ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 173

[2] CYRILLO, Bruno. As novas profissões e o desamparo previdenciário. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Autografia, 2019. p. 102

 

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