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E a liberdade de expressão?

Os estaduais começaram e com eles começam as polêmicas. A mais recente envolve as manifestações de torcedores contra as equipes adversárias. Flamengo e Fluminense foram os primeiros no debate, mas na última semana foi a torcida do São Paulo que virou notícia. Após manifestações que o árbitro considerou homofóbicas, o jogo ficou paralisado por 3 minutos até que as manifestações parassem.

Aí surge a questão: quem pode ou não pode limitar as manifestações dos indivíduos e até onde isso fere as liberdades individuais?

No espaço público essa discussão é bastante sensível e relevante. Ao mesmo tempo em que a liberdade de expressão é garantida pela Constituição, há uma série de normas infraconstitucionais que a limitam. Em uma primeira análise, parece não restar dúvidas: a expressão do pensamento é livre, não podendo ser limitada em qualquer dimensão. No entanto, ao vivermos em uma sociedade dinâmica e complexa, é bastante razoável compreender que o que o texto constitucional buscou preservar foi a liberdade de manifestação com relação ao conteúdo, podendo haver limitação de forma ou divulgação, como observamos na classificação indicativa.

Por essa análise, o Estado não poderia limitar ou punir qualquer tipo de manifestação de pensamento, por mais que possa parecer inaceitável a alguns indivíduos. Até porque, aquilo que para alguns é inaceitável, para outros é uma realidade, e quando a limitação passa por caráter subjetivo, se torna arbitrária e, dessa forma, não podemos mais falar em liberdade de expressão.

Mais que isso, aquilo que não é manifestado não é debatido. Criar barreiras para impedir manifestações racistas ou homofóbicas não acabam com o racismo ou a homofobia, mas fazem com que essas questões não sejam debatidas abertamente. Isso incentiva as pessoas que defendem isso se articulem sem que se tenha ideia da existência desses grupos e, muitas vezes, trazem resultados ainda mais dramáticos. Mais do que um direito, a liberdade de expressão é importante para que o debate ocorra às claras e que possamos efetivamente evoluir enquanto sociedade.

Mas esse raciocínio se aplica apenas ao Estado. Quando falamos de eventos privados, os organizadores podem limitar as manifestações, sejam elas políticas, religiosas ou de qualquer outra natureza. Entidades privadas tem a liberalidade de criar seus próprios códigos de conduta, prevendo punições para atitudes que não estejam alinhadas àquilo que essas entidades pregam.

O CBJD, ainda que não seja editado pelas próprias federações ou confederações, é aceito por elas. O fato dessas entidades deixarem de editar seus próprios códigos, como fez a CBRu recentemente, e adotarem o código geral proposto pelo Conselho Nacional do Esporte, além de garantir a autonomia das entidades, também deixa claro que elas interiorizaram aqueles valores, ou que o código refletia os valores já existentes.

E o CBJD é claro com relação às manifestações proibidas em seu artigo 243-G. São puníveis atos discriminatórios relacionados ao preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Não há, no entanto, vedação expressa de manifestação em razão de orientação sexual, e é aí que o debate deve iniciar.

O artigo 243-G prevê pena de suspensão, multa e até perda de pontos. Ou seja, São Paulo, Flamengo e Fluminense poderiam ser punidos com a perda de 3 pontos em razão das manifestações. Para isso, seria preciso interpretar a norma de maneira extensiva, ou seja, entender que ainda que não esteja expressamente prevista, a manifestação é análoga àquelas que são vedadas. Permitir as análises extensivas das normas punitivas, no entanto, pode gerar uma série de outros problemas, por mais correta que pareça uma punição. Flexibilizar o texto legal para punir alguém abre espaço para que toda e qualquer análise a partir daquele momento seja flexibilizada, e que as pessoas e clubes sejam punidos por atitudes que não estão expressamente previstas no código, gerando grande insegurança.

No caso do futebol, no entanto, existe uma norma específica, o Código Disciplinar da FIFA, que prevê punições aos clubes por cantos homofóbicos de suas torcidas. Essas punições poderiam ser aplicadas no âmbito administrativo da entidade internacional, mas não podem ser aplicadas pelos tribunais desportivos brasileiros, que são limitados à aplicação dos códigos aprovados e ratificados pelo CNE. Ou seja, ainda que as equipes sejam absolvidas pelo STJD, ainda poderão ser punidas administrativamente pela entidade internacional.

O cenário é nebuloso, a discussão é complexa, mas precisará ser enfrentada pelos auditores já nesse começo de ano. Vejamos qual será o resultado.

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