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E agora, em matéria trabalhista: Lei Geral do Esporte ou Lei Geral sobre Desporto (Lei Pelé)?

A coluna de hoje aborda um tema extremamente polêmico, explanado nos comentários deste colunista no fenomenal Projeto Trabalho em Debate, coordenado pelos ilustres juristas Rodolfo Pamplona Filho e Danilo Gaspar – composto ainda por uma gama de sapientes juristas de norte a sul, leste a oeste de todo o Brasil.

As atividades deste programa de questionamentos e comentários juslaborais decorrem na rede social Instagram, recomenda-se ao nobre leitor seguir todos os perfis dos integrantes e do próprio projeto.

Acerca do questionamento supramencionado, a Lei Geral do Esporte (Lei n. 14.597/23) inicia o vigor com a sua publicação no dia 15 de junho de 2023, mas o seu art. 217 não revoga expressamente a Lei Pelé-Lei Geral Sobre Desporto (Lei n. 9.615/98).

Ora, é cediço que tanto a Lei Pelé quanto a Lei Geral do Esporte normatizam, no Brasil, o trabalho desportivo, algo que criticamos há anos, uma vez que o temas laborais desportivos são muito complexos para restarem “espremidos” em Leis que deveriam tracejar apenas diretrizes gerais e não específicas de cada ramo relacionado ao desporto. Este é um reiterado erro inaceitável daqueles que fazem legislação trabalhista desportiva ou desportiva brasileiras.

Recorde-se, abrindo parêntesis, a doutrina francesa nas palavras de Frank Latty (tradução nossa), “o Direito Desportivo nasce mais fortemente de raízes do Direito do Trabalho com outras ramificações do Direito”.

Segundo o descrito acima, resulta que ambas as Leis dispõem de normas sobrepostas em matéria trabalhista desportiva sobre os mesmos conteúdos. “Inacreditável Futebol Clube”!, somente no Brasil se identifica este tipo de “mens aberratio legis”.

Por se tratar de matéria trabalhista desportiva, tem-se um problema agudo nessa normatização concomitante e sobre os mesmos temas, afinal de contas, qual das duas devem ser aplicadas na relação diária entre atletas trabalhadores e clubes empregadores?

Consoante se manifestou em vídeo para o referenciado Projeto Trabalho em Debate, ao analisar idênticas matérias laborais desportivas, regulamentadas por duas Leis diferentes ao mesmo tempo, o operador do Direito deve utilizar o conhecido princípio da aplicação da norma mais favorável, no caso em pauta, em favor do trabalhador desportivo, suportado na teoria do conglobamento mitigado (orgânico ou por instituto).

Tal princípio da norma mais favorável na sua vertente da teoria do conglobamento mitigado denota que, diante de normas diferentes que regulam um mesmo tema trabalhista desportivo, devem-se aplicar em favor do jogador trabalhador aquelas que sejam mais favoráveis sobre os mesmos institutos (direitos), previstos em Leis diferentes.

Entretanto, é bom que se frise, a respeito da aplicação deste princípio com as suas teorias, sabe-se que nem o Colendo Tribunal Superior do Trabalho adota uma jurisprudência consolidada, sendo variante de acordo com uma decisão x, y, z…

Portanto no cotidiano pragmático, tal desarranjo proveniente da publicação da Lei Geral do Esporte pode gerar problemas e conflitos desconcertantes, a menos que haja retratação legislativa com a edição de nova Lei que abrrogue a Lei Pelé. Para não restar somente teoria neste texto, passa-se a alguns exemplos intrigantes em seguida.

A Lei Pelé nunca realizou distinção na adoção do Contrato Especial de Trabalho Desportivo para qualquer modalidade, apenas normatizou restrição através da facultatividade para as federações de cada atividade desportiva declarar ou não a aderência a este tipo contratual que gera o vínculo empregatício desportivo. Algo que, algumas vezes ficava mais fácil para o operador do Direito corrigir tal distorção. Resultado, em algumas modalidade desportivas como no vôlei, basquete e futsal, o magistrado poderia condenar o clube ao reconhecimento de vínculo empregatício, ainda que nos moldes subsidiários da CLT.

Ao contrário, a nova Lei Geral do Esporte prevê o famoso “cara crachá”, permite a facultatividade aberta de os clubes realizarem contratos de prestação de serviço para todas as modalidades desportivas, exceto o futebol, mesmo que todas as características sejam de vínculo empregatício. Há especialistas que já defendem ser possível a contratação civil de jogadores, até mesmo no futebol, considerando-se os nebulosos dispositivos da Lei em foco.

Nestes termos, perante este imbróglio legal, aplicando-se o princípio da norma mais favorável, sustentado pela corrente do conglobamento mitigado, deve-se aplicar a Lei Pelé por possibilitar com mais firmeza o reconhecimento do liame empregatício ao atleta.

No que tange às luvas e bichos, a nova Lei Geral do Esporte é expressa no sentido de serem parcelas não salariais. Embora este autor considere esta normatização inconstitucional no ponto das luvas, a interpretação filológica (literal) deve prevalecer, já que na Lei Pelé há apenas o artigo 31 que menciona composição remuneratória para fins de rescisão indireta.

Todavia, ressalve-se, tal norma nova, pelo menos no que diz respeito às luvas, deve ser considerada completamente inconstitucional, tema que abordar-se-á em outro articulado.

A nova Lei Geral do Esporte procura acomodar um problema antigo, a questão do adicional noturno para os atletas empregados. Da mesma forma que na CLT, prescreve-se que cada hora é dotada de 52 min e 30 seg e sobre o valor de cada hora noturna deve incidir 20% a mais, no mínimo, mas considera-se horário noturno aquele a partir das 23h:59min da noite de um dia até as 06h:59min da matina do dia seguinte.

Neste ponto, indubitavelmente, pode surgir doutrina que entenda haver um retrocesso social, já que decisões mais recentes da Justiça do Trabalho brasileira vinham aplicando a CLT para os jogadores empregados, e, neste diploma, o horário noturno inicia as 22:00h de um dia e vai até as 05:00h do dia seguinte, ou seja, mais benéfico do que a regulação atual da Lei Geral do Esporte.

No entanto, especificamente sobre o adicional noturno, entende-se não existir uma inconstitucionalidade, já que a própria CF/88 não descreve seus pormenores, apenas se reserva a garantir que o seu valor seja maior do que o diurno, mas delega à Lei as tarefas de minúcia. Como a Lei Geral do Esporte é especial, então, o adicional noturno agora se encontra devidamente regulamentado de acordo com a realidade social específica do trabalho desportivo.

Também não se entende inconvencional, já que os tratados internacionais aos quais o Brasil ratificou garantem uma vedação geral ao retrocesso social, e, neste aspecto, uma melhor adequação à realidade social do trabalho dos atletas, como se evidencia nessas normas sobre o adicional noturno, pode até trazer mais benefícios e segurança na prática da relação empregatícia desportiva.

Por fim, em última análise acerca das horas suplementares, a nova Lei Geral do Esporte descreve “não serão devidos acréscimos remuneratórios em razão de períodos de concentração, de viagens, de pré-temporada”, totalmente o inverso da Lei Pelé que dispõe, “o dever de existir adicional remuneratório conforme o contrato” para essas atividades.

Sintetizando, como essas atividades apontadas são obrigações que no total podem somar acima das 44h semanais e 220h mensais, o operador do Direito pode se sentir à vontade para conceder os valores das horas extraordinárias ao atleta empregado, por aplicação da norma mais favorável da Lei Pelé, caso o clube empregador não avence o acréscimo remuneratório em contrato por tais tarefas expostas no parágrafo anterior.

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