Há exatas duas semanas a NBA anunciava o retorno da temporada 2019-2020, que deve ocorrer em Orlando. De lá pra cá muita coisa aconteceu e nos últimos dias surgiu a hipótese não apenas de que a temporada não termine, mas que a próxima temporada também estaria em risco e até que a própria NBA pode deixar de existir. Calma, vamos explicar com um pouco mais de detalhe tudo o que está acontecendo e os reflexos que cada decisão pode ter a partir de agora.
Para contextualizar, no dia 25 de maio deste ano o americano George Floyd foi morto por um policial, e o vídeo circulou mundialmente. A brutalidade da morte deu origem a uma série de protestos nos Estados Unidos e no mundo, muitos deles organizados pelo Black Lives Matter (em português, Vidas Negras Importam). A NBA é uma liga que tem mais de 80% de seus atletas declarados como “não brancos”, entre eles negros, latinos e pardos.
Na última semana, alguns desses atletas passaram a liderar um movimento de contraposição à ideia de retorno da temporada da NBA, sendo o mais veemente nas manifestações o armador do Brooklyn Nets, Kyrie Irving. Segundo o jogador, a volta da liga poderia tirar o foco de uma discussão que é extremamente relevante nesse momento e fragilizar as manifestações do BLM, além de expor os atletas ao risco de contágio pela Covid-19.
Desde então, muitas reuniões ocorreram e o número de atletas que apoiam o não retorno às partidas cresceu. Estrelas como Dwight Howard, Carmelo Anthony e Chris Paul se juntaram a Irving e mais algumas dezenas de jogadores para rediscutir o retorno da temporada, ainda que com motivações diferentes.
Para tentar dissipar tal movimento, o comissário da liga divulgou ontem quais seriam os protocolos e procedimentos para a retomada, e deixou claro que nenhum atleta seria obrigado a atuar, mas que que não atuasse teria um desconto em seu salário anual, perdendo 1/92 do salário a cada partida que não jogasse.
Entre algumas limitações razoáveis, protocolos de segurança, escalonamento de atividades e até critérios para convidados nas instalações onde as delegações ficarão acomodadas, há também alguns pontos curiosos. Um deles é o fato de a liga proibir que os atletas joguem partidas de ping pong em duplas, como forma de manter o distanciamento social. Há outras restrições de natureza similar, e a intenção de acalmar os ânimos pode ter efeito contrário.
E caso a Associação Nacional de Jogadores Profissionais de Basquete (NBPA) se oponha definitivamente ao retorno da competição isso pode desencadear uma série de eventos.
O primeiro deles é que a NBA poderá rescindir o acordo coletivo firmado com a NBPA, e os clubes poderão rescindir os contratos com os atletas. Caso isso ocorra, a próxima temporada certamente será afetada, já que é mais que provável a ocorrência de um lockout para que novos termos sejam negociados. É por meio desse acordo coletivo que as relações de trabalho na NBA são reguladas, desde os salários mínimos e máximos até a carga de treinamento e deslocamento dos times.
E caso esse acordo seja rompido os atletas têm muito a perder. A começar pela incerteza de recebimento de salários já na próxima temporada, uma vez que o lockout poderia durar por um longo período, considerando as circunstâncias extremas e o impacto na receita. Além disso, nada garante que os atletas consigam condições tão vantajosas como as atuais, o que pode representar uma grande perda, especialmente para aqueles atletas que não possuem grandes contratos. Por fim, caso a discussão chegue a um impasse definitivo e seja levada ao judiciário americano, com base nas leis antitruste (algo que já aconteceu com a NFL), a análise desta vez pode ser diferente.
Como a NBA não é uma liga composta exclusivamente por times dos Estados Unidos, existe a possibilidade de que o judiciário americano a considere uma liga internacional. Caso isso ocorra, é extremamente improvável que o resultado seja favorável aos atletas, já que seriam consideradas como mercado de trabalho potencial para esses atletas todas as ligas de basquete ao redor do mundo. Isso poderia atingir de maneira muito intensa os interesses dos atletas.
Respondendo a essa possibilidade, Irving levantou a hipótese de que os atletas podem organizar a própria liga, implodindo a NBA. Ainda que esta liga tome tempo para ser organizada em termos de financiamento e logística, ela pode se tornar viável na medida em que toda a próxima temporada está em risco caso o acordo coletivo entre atletas e a liga seja rescindido.
Esse cenário de catástrofe é pouco provável, mas dadas as circunstâncias atuais, não é impossível que nunca mais tenhamos um jogo da NBA. Ao menos não como ela é hoje.