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E entra em campo a Sociedade Anônima de Futebol…

Por Daniel Báril e Yan Viegas

Reconhecido como o esporte mais popular do mundo, o futebol possui alto potencial lucrativo. Com o passar dos anos, a visão de futebol como mera atividade de lazer e recreação foi sendo substituída pela compreensão do futebol como atividade econômica, estabelecendo-se como um segmento de grande força comercial e empresarial.

Internacionalmente, a indústria do futebol movimenta, por ano, mais de 4 (quatro) bilhões de dólares apenas com taxas de transferências de jogadores, sem contar as outras fontes de receita, como os direitos de transmissão, premiações, bilheteria, programas de sócios torcedores, patrocínios, royalties, venda de produtos licenciados e outros. A indústria futebolística brasileira, incluindo toda a sua cadeia produtiva, correspondia à 0,72% (zero vírgula setenta e dois por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no ano de 2018, movimentando mais de 50 (cinquenta) bilhões de reais. No ano de 2021, as negociações envolvendo clubes e jogadores brasileiros em transferências para o exterior movimentaram R$ 2,2 bilhões.

No entanto, apesar da relevância dos números expostos, fora dos campos os clubes de futebol brasileiros parecem ainda sofrer, de alguma forma, com o complexo de vira-lata. A má gestão de recursos e a antiga percepção do esporte como algo não profissional traz à tona um fato infeliz: os maiores clubes do Brasil apresentam déficits preocupantes, com endividamentos que ultrapassam significativamente suas receitas. Embora o endividamento no futebol não seja um problema exclusivo do cenário brasileiro, a experiência europeia tem demonstrado que um modelo de gestão empresarial e profissional de um clube de futebol tem sido fundamental em prol da obtenção de melhores resultados.

A Lei n.º 14.193 (também conhecida como Lei da Sociedade Anônima de Futebol – “Lei da SAF”), sancionada em agosto de 2021, surgiu com o objetivo devolver esse protagonismo de outrora ao futebol brasileiro. E os resultados já parecem palpáveis: passado um ano de sua vigência, já foram constituídas mais de 25 SAFs no Brasil, dentre as quais 5 (cinco) delas participarão do Brasileirão de 2023 (Cruzeiro, Vasco, Botafogo, Bahia e Cuiabá), além de inúmeros outros clubes que estão em etapa de estudo dos benefícios dessa transformação empresarial. Com efeito, empresas especializadas em gestão desportiva apontam em seus relatórios que a transformação dos clubes em SAF, assim como os vultosos investimentos recebidos por estes clubes somente neste primeiro ano de vigência, já movimentaram mais de R$ 1,5 bilhão de reais.

Em linhas gerais, a SAF oferece a possibilidade de se obter gestões mais profissionais aos clubes brasileiros, com mais transparência e uma governança corporativa pautada por práticas internacionalmente aceitas, visto que as Leis “Zico” e “Pelé”, criadas na década de 90, não foram suficientes para estimular a ruptura do antigo modelo associativo. A Lei da SAF, portanto, pode ser um “gol de placa” rumo à mercantilização e profissionalização deste segmento.

A Sociedade Anônima de Futebol (“SAF”) foi pensada e idealizada exatamente com o intuito de espelhar regras e práticas empresariais de gestão, transparência e governança que tiveram êxito no cenário internacional, atraindo investimentos aos clubes brasileiros. Diferentemente dos regramentos anteriores, a Lei da SAF traz disposições próprias que harmonizam a atividade esportiva do futebol com a mercantil. Os clubes poderão explorar o seu potencial econômico e de desenvolvimento social com regras estritas de governança, financiamento e tributação por meio de um modelo empresarial que permita o alcance do lucro e ainda ofereça uma gestão transparente e profissional.

Atenta às necessidades dos clubes, a Lei da SAF prevê a sucessão obrigatória das obrigações do clube originário de futebol pela SAF, especialmente naquelas relações contratuais com seus atletas e nos torneios que o clube originário estivesse participando no intuito de evitar qualquer prejuízo de ordem desportiva durante a transformação do clube para o modelo de SAF.

Também há imposição da Lei de parâmetros de transparência e governança, tal como a existência obrigatória de conselho de administração e de conselho fiscal, realização de auditorias externas por empresas independentes e prestação de contas com publicação de demonstrações financeiras. Espera-se, assim, que esse profissionalismo imposto pela Lei substitua aquelas gestões amadoras dos clubes, atingindo diretamente a raiz do problema.

Ademais, a sucessão de passivos, renegociação de dívidas e recuperação da sociedade empresária são aspectos igualmente elogiados pelo mercado e de maior destaque na Lei. Dentre as vantagens, o clube que optar pela transformação em SAF não deverá responder por todas as dívidas do clube predecessor e somente responderá por dívidas em situações bem específicas e ainda de forma limitada.

A equiparação dos clubes de futebol, seja como associação civil, seja como SAF, como legitimados a fazerem uso dos instrumentos de recuperação judicial ou extrajudicial, conforme Lei n.º 11.101/05 (Lei de Recuperação e Falências), é algo muito salutar. A utilização destes institutos passa a ser um importante instrumento de soerguimento àqueles clubes com agudos problemas financeiros e que possuem solvabilidade preocupante. A flexibilização para cobrança e pagamento de dívidas, a possibilidade de negociação junto à universalidade de credores e a concessão de fôlego para pagamento dos credores em virtude do stay period são algumas das enormes vantagens para restruturação dos clubes. Independentemente de optar ou não pelo modelo da SAF, a associação civil que desenvolva atividade futebolística e se inscreva no registro público de empresas será considerada empresária para todos os efeitos, fazendo jus à tal instituto.

Com a taxatividade da Lei da SAF, espera-se que cada vez menos clubes sofram com a insegurança jurídica de terem seus pedidos de recuperação judicial ou extrajudicial indeferidos apenas por não se enquadrarem nas sociedades autorizadas a se beneficiarem da Lei nº 11.101/05, tal como recentemente ocorrido com o clube Figueirense. Da mesma forma, outro ponto resolvido pela Lei da SAF é de que os contratos bilaterais e os de atletas profissionais não se resolvem em razão do pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, discussão também já existente na jurisprudência. Afinal, caso admitida cláusula extintiva para tais situações, a recuperação do clube de futebol poderia se tornar insustentável diante da extinção dos contratos de seus jogadores, tão essenciais para a continuidade das atividades do clube.

Igualmente, não há como se passar despercebido o Regime Centralizado de Execuções (RCE), que consiste em mecanismo especialmente criado pela Lei da SAF para pagamento de dívidas, com algumas vantagens em relação à Lei nº 11.101/05, e os instrumentos criados pela Lei da SAF para capitalização dos clubes, sendo esta última uma vantagem exclusiva concedida àqueles clubes que aderirem ao modelo de SAF.

Em resumo, percebe-se cada vez mais o estudo do modelo de SAF pelos clubes brasileiros como parte de uma estratégia para reestruturação dentro e fora de campo. Enquanto alguns clubes já colhem os benefícios diretos da adesão à nova estrutura, como no caso do Cruzeiro, Bahia, Vasco, Cuiabá, Paraná e Botafogo; outros clubes como Chapecoense, Corinthians, Coritiba, Fluminense, Joinville, Portuguesa, Náutico, Santa Cruz e Santos recentemente se beneficiaram “indiretamente” da Lei da SAF ao terem seus pedidos de recuperação judicial ou aplicação de regime centralizado de execuções aprovados na justiça com base na nova legislação. Na maioria destes casos, uma coisa é certa: a implementação da SAF é estudada como uma das principais medidas para reestruturação destes clubes, seja para captação de investimentos, seja para manutenção das suas atividades e pagamento dos passivos. Interessante notar, inclusive, que a seriedade empreendida fora de campo por estes clubes também tem gerado, na maioria dos casos, resultados dentro das quatro linhas.

Porém, se por alguns considerada como uma revolução (ou evolução) no futebol brasileiro, ainda pairam dúvidas se as vantagens e benefícios trazidos pela Lei serão suficientes para modificar, a longo prazo, a cultura e modelos de gestão enraizados nos times brasileiros.

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Daniel Báril é sócio coordenador da área de insolvência e reestruturação de empresas do escritório Silveiro Advogados, autor e organizador de livros, como “Recuperação Judicial de Empresas: Temas Atuais”.

Yan Viegas Silva é sócio da área de Direito Societário do escritório Silveiro Advogados e especialista em Direito dos Negócios pela UFRGS.

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