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É lícita a constituição de sociedade unipessoal para a prestação de serviços intelectuais

Na última sexta-feira (11), o STF declarou ser constitucional a previsão na Lei n. 11.196/2005 (conhecida como Lei do BEM), que prevê uma tributação diferenciada para prestação de serviços intelectuais, artísticos, culturais mediante a constituição de pessoa jurídica unipessoal[1].

O art. 129 da lei em comento determina que, “para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais”, entre eles os de natureza científica, artística ou cultural, “se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas”.

Nada obstante a previsão legal vigente há 15 anos, a Receita Federal insistia na tese de que os valores recebidos pelas empresas abertas por profissionais (não apenas atletas, mas também treinadores e até artistas) eram rendimentos salariais disfarçados e que não poderiam ser tributados com a alíquota de 15%, mas sim a de 27,5%.

Com efeito, nada impede que atletas possam constituir empresas para exploração de sua imagem para receber estes valores, tendo em vista que se trata de um trabalho artístico, intelectual e cultural, dentro da previsão legal. Além disso, a celebração de um contrato de licença de uso de imagem firmado com o próprio clube que emprega o atleta, por si só, não pode ser considerado como fraudulento.

Portanto, o fato de o empregado possuir uma empresa para receber valores referentes a contratos de natureza civil, não pode ser considerado fraude.

De acordo com a Receita Federal, desde o ano de 2003, pelo menos 405 atletas (e também artistas) foram autuados em razão da acusação de criação de empresas “fictícias” para o recebimento de serviços prestados e direitos de imagem. Os valores envolvidos chegam a aproximadamente 1 bilhão de reais se forem incluídos juros e atualização monetária.

Um dos casos de maior repercussão é o do jogador Neymar. De acordo com o Ministério Público Federal, as empresas NR Sport & Marketing, N&N Consultoria Esportiva e N&N Administração de Bens, teriam sido criadas com a única finalidade do jogador ser remunerado pelo Santos Futebol Clube e para viabilizar a transferência para a Espanha, com a única finalidade de pagar menos tributos.

De acordo com informações disponibilizadas na imprensa, a empresa foi constituída para viabilizar o recebimento do valor devido a título de licença de uso de imagem e que era pago pelo clube santista.

Com efeito, a constituição de uma pessoa jurídica com essa finalidade, por si só, não pode ser considerada fraude. O direito de imagem tem natureza civil está previsto na Constituição Federal. Em que pese se tratar de um direito da personalidade, o direito de imagem possui uma característica que o difere dos demais: a possibilidade de exploração econômica mediante a celebração de um contrato de licença de uso ou cessão.

No caso do atleta Neymar é indene de dúvidas que se trata de um atleta de notoriedade internacional, com imagem passível de exploração para fins mercantis. Logo, além do salário devido pelo clube empregador em razão da relação empregatícia estabelecida, é possível a coexistência de um contrato, à parte, de natureza civil e que pode ser celebrado com a empresa criada pelo atleta.

Em razão dos elevados valores envolvidos, foi criada uma Divisão de Acompanhamento dos Maiores Contribuintes, com a finalidade de fiscalizar “empresas de fachada” (também denominadas de “empresas de papel”), que, segundo a Receita Federal são estruturas sem atividade, muitas das vezes abertas apenas para pagar menos tributo.

De fato, a incidência do tributo para a pessoa física é de 27,5%, enquanto que a pessoa jurídica paga a metade desse percentual. Todavia, a simples existência de uma pessoa jurídica não quer dizer que haja fraude, tendo em vista que esta não se presume, devendo ser robustamente demonstrada e comprovada. Se restar comprovado que a constituição da pessoa jurídica tiver o intuito exclusivo de camuflar o pagamento de salário, aí sim restará caracterizado o ato ilícito. Do contrário, não.

Quando a Receita Federal detecta a ocorrência de fraude é aplicada multa em valor dobrado, que aumenta de 75% para 150%, incidente sobre o tributo devido, o que acarreta autuações milionárias.

Contudo, deve ser ressaltada a existência de precedentes favoráveis aos atletas perante o Conselho Administrativo e Recursos Fiscais (CARF), tendo em vista que a Lei n.º 11.196/2005, autoriza a constituição de pessoa jurídica, de caráter personalíssimo, para o recebimento de remuneração por prestação de serviços intelectuais.

Não há dúvidas de que o recebimento de valores devidos a título de licença do uso de imagem está inserido na previsão constante da lei acima mencionada, também conhecida como Lei do BEM. O mesmo se pode dizer em relação a valores recebidos por propagandas e eventos.

A 1ª Câmara da 2ª Turma Ordinária da 2ª Seção do CARF entende que a edição da Lei n.º 12.441/2011, reforçou a possibilidade de abertura de pessoa jurídica para receber valor proveniente de licença de uso de imagem (Direito de Imagem), tendo em vista que a lei de 2011 criou a empresa individual de responsabilidade limitada.

De acordo a turma julgadora acima destacada, se é possível transferir direitos autorias para empresa individual, com muito mais razão é permitido transmiti-los para uma sociedade simples, empresária, comercial ou civil de profissão regulamentada.

Outra decisão que merece destaque foi a que envolveu o Esporte Clube Vitória. Os conselheiros da 4ª Câmara da 3ª Turma Ordinária da 2ª Seção, afastaram a autuação do clube pelo não recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre pagamentos feitos a equipe técnica entre os anos de 2008 e 2009, sob o fundamento no qual, os serviços prestados eram de natureza intelectual, com expressa previsão de permissão de prestação desses serviços por intermédio de pessoa jurídica.

Data vênia, dos entendimentos contrários, mas se o objeto da pessoa jurídica for lícito, o contribuinte tem a liberdade de conduzir os seus negócios, mesmo se isso importar em redução no pagamento de tributos, tendo em vista que a Constituição Federal assegura o princípio da liberdade de organização econômica.

……….

[1] A decisão foi proferida nos autos da ADC 66, proposta pela Confederação Nacional da Comunicação – CNCOM, na qual é relatora a Ministra Carmen Lúcia. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5794122. Acesso realizado em 15.12.2020.

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