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É possível ser reconhecido vínculo empregatício de um atleta não-profissional?

Por Paulo Henrique S. Pinheiro e Rodrigo S. Menezes

As relações de trabalho no esporte estão sendo cada vez mais debatidas no meio acadêmico e também no Judiciário Trabalhista, especialmente as que envolvem os atletas profissionais de futebol.

Neste artigo, o enfoque cingirá especificamente sobre o contrato do atleta não- profissional e se seria possível o reconhecimento do vínculo empregatício quando presentes  os requisitos do art. 3º da CLT3.

Inicialmente, é necessário esclarecer que “desporto profissional” ou “modalidade profissional” são expressões discutíveis, pois “profissional” não é o desporto ou a modalidade, mas sim o atleta, a prática.

O futebol, por exemplo, se praticado por atletas profissionais, será considerado “desporto profissional” ou “modalidade profissional”, mediante a obrigatória assinatura do contrato especial de trabalho desportivo (CETD) de cada jogador com a entidade de prática desportiva, pela própria imposição do art. 94, caput da Lei nº 9.615/98.

Em contrapartida, considerando que o futebol também pode ser praticado de modo não-profissional, como, por exemplo, participação do clube em torneios de categoria de base, como sub-15, categoria esta que não admite a participação de atletas profissionais, eis que o limite etário mínimo para assinatura de contrato de emprego é com 16 (dezesseis) anos.

Portanto, para se conceituar o profissionalismo no esporte e se discutir seu alcance, importante é a prática, a natureza (profissional ou não-profissional) do atleta, não o desporto ou a modalidade em disputa em si.

O art. 3º da Lei Pelé (9.615/98) define as formas de manifestação desportiva reconhecidas no Brasil, a saber: o desporto educacional, de participação, de rendimento e o de formação.

O desporto de rendimento é praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.

O jurista SANTOS, 2019, p. 244 traz que “o conceito de desporto de Alto Rendimento está relacionado com um elevado cariz de seleção, rigor e exigência que apenas um grupo restrito de atletas consegue alcançar”.

Segundo o §1º do mesmo artigo, o desporto de rendimento pode ser organizado e praticado de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva, ou organizado e praticado de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio.

Assim, a lei estabelece que o desporto de rendimento pode ser organizado e praticado de modo profissional, somente quando houver o pagamento de remuneração pactuada em contrato formal de trabalho celebrado entre o atleta e a entidade de prática desportiva.

A Constituição Federal, em seu art. 217, também trata o desporto de forma profissional e não-profissional: “É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais como direito de cada um, observados (…) III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e não profissional.”

No entanto, considerando que a finalidade do desporto de rendimento é a mesma, independente de realizar-se de modo profissional ou não-profissional, qual seja, a obtenção de resultados, torna-se evidente que estes somente serão alcançados com base na especialização dos atletas, circunstância que demanda treinamento intenso, regular e regime de dedicação específica à respectiva modalidade esportiva.

Nesta toada, a própria legislação desportiva, assim como a Constituição Federal, traz a existência do desporto de rendimento na modalidade não-profissional, inexistindo qualquer contrato de trabalho, autorizando, inclusive, o fornecimento de materiais e patrocínios.

Ou seja, mesmo que exista qualquer combinação de pagamento de ajuda de custo ao atleta não-profissional, da mesma forma o fornecimento de moradia e alimentação, não há o desvirtuamento do contrato.

A seção I e II do Regulamento de Registro e Transferências da Confederação Brasileira de Futebol (RNRTAF/CBF) também trata dos atletas não-profissionais, trazendo em seu art. 1º que: “É considerado não profissional o atleta de futebol que o pratica sem receber ou auferir remuneração, ou sem tirar proveito material em montante superior aos gastos efetuados com sua atividade futebolística, com exceção de eventual valor recebido a título de bolsa de aprendizagem avençada em um contrato de formação desportiva, sendo facultado, ainda, receber incentivos materiais e patrocínios.”

O art. 3º, do mesmo regulamento, faculta ainda, a pactuação de contração de formação desportiva para receber auxílio-financeiro, sob a forma de bolsa de aprendizagem, sem que seja gerado vínculo empregatício com clube, além de ser reembolsado por gastos de viagem, hospedagem, material esportivo e outros custos indispensáveis à sua atividade futebolística.

Ocorre que alguns atletas acabam buscando a guarida da justiça do trabalho visando o reconhecimento do vínculo empregatício com seus clubes, não apenas do futebol, mas também de outras modalidades esportivas, como o futsal, vôlei e outras modalidades. O próprio futebol feminino é um exemplo, no qual é autorizada a pactuação de contratos não- profissionais para a disputa das competições adultas no país.

Dito isso, pela norma geral trabalhista (CLT), para que se configure o vínculo empregatício, há a necessidade do preenchimento de alguns requisitos, conforme estabelecido pelo art. 3º, quais sejam, serviço prestado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade.

No caso de um atleta não-profissional, à primeira vista, teríamos o preenchimento de tais requisitos, seja de qual modalidade for, pois a atividade será exercida por pessoa física, além de que o atleta não poderá ser substituído por outra pessoa, devendo cumprir horário de treinamentos, viagens e jogos, além de ser obrigatória a utilização de uniformes e cumprir as determinações dos treinadores, bem como receber uma determinada remuneração, mesmo sob a rubrica de “ajuda de custo”.

Sobre o requisito da subordinação jurídica, em tese, haveria a sua caracterização, diante da necessidade de obtenção de resultados, os quais somente serão alcançados com base na especialização dos atletas, com treinamento intenso, regular e regime de dedicação específica à respectiva modalidade esportiva.

Em caso de ausência do atleta em treinamentos ou partidas, por exemplo, poderá ocorrer alguma punição, tendo em vista que haverá prejuízo ao desempenho individual, assim como para toda a equipe.

Ocorre que, pela especificidade da lex sportiva, todas essas situações também não afastariam a liberdade da prática desportiva, que é uma das principais diferenças entre o desporto de rendimento profissional e o desporto de rendimento não-profissional. Isto é, para que o atleta seja considerado como profissional e, por consequência, empregado, é obrigatória a pactuação de contrato especial de trabalho desportivo entre o atleta e o clube, com a estipulação de remuneração, o que não se confunde com a ajuda de custo, além dos respectivos valores de cláusulas compensatória e indenizatória para rescisão antecipada, com o devido registro na entidade de administração do desporto equivalente.

O entendimento jurisprudencial sobre a questão vem caminhando no sentido do não reconhecimento do vínculo de emprego do atleta não-profissional, ainda que seja alojado e alimentado pelo clube, ou que receba alguma ajuda de custo, que permite, inclusive, sem recair na profissionalização, a concessão desses incentivos.

Recentemente, houve a prolação de sentença em uma reclamação trabalhista proposta junto ao TRT da 18ª Região, por uma atleta de futebol feminino do Atlético Clube Goianiense, onde ela alegava que mesmo tendo assinado um contrato não-profissional, preenchia todos os requisitos elencados pelo Art. 3ª da CLT.

A demanda foi julgada totalmente improcedente5, entendendo que havia liberdade de pratica desportiva, não havendo entre as partes, por exemplo, a possibilidade de impor punição disciplinar, já que a consequência da ausência de pontualidade ou assiduidade aos treinamentos era tão somente a obrigação de um maior condicionamento físico, o qual, ao fim, beneficiaria a própria reclamante, propiciando-lhe maior rendimento desportivo.

Destacou ainda, que não sobressaiu do conjunto fático probatório que a reclamante arcaria com possíveis ônus financeiros em caso de rompimento do vínculo desportivo, o que denota a “liberdade de prática” a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 3º da Lei 9.615/98, e que a possibilidade de desvinculação unilateral e imotivada ou a transferência para outro clube sem ônus financeiro por parte do atleta é uma das mais evidentes facetas da referida liberdade.

Obviamente, podem ocorrer situações de fraude trabalhista, onde o atleta, além de preencher todos os demais requisitos do art. 3º da CLT, receba uma remuneração paga “por fora” e tenha sido obrigado a assinar o contrato não-profissional, devendo o caso ser analisado individualmente, a luz do principio da primazia da realidade e do próprio art. 9º da CLT6.

Em conclusão, mesmo que aparentemente pareça que o atleta não-profissional preencha todos os requisitos necessários para a configuração do vínculo empregatício, cada caso deve ser analisado individualmente, sendo que, em regra, inexistindo pactuação de contrato formal de trabalho entre o atleta e o clube, com a estipulação de remuneração, não haverá o reconhecimento de vínculo entre eles.

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Paulo Henrique S. Pinheiro é advogado especialista em Direito do Trabalho e Mestrando em Direito Desportivo pela PUC/SP.

Rodrigo S. Menezes é advogado especialista em Direito do Trabalho e Direito Desportivo.

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