No último mês de março mais um caso de choque de cabeça entre atletas trouxe à tona a discussão sobre as cabeçadas no futebol. Dois atletas do Vitória tiveram um choque de cabeças intenso, que fez com que os dois fossem atendidos pela equipe médica presente na partida. Um dos atletas, Palominha, foi encaminhado diretamente ao hospital, enquanto o outro, Geovani, voltou a campo normalmente até ser substituído no segundo tempo e ser encaminhado para o hospital por apresentar sintomas de concussão.
Isso evidencia que é urgente o fortalecimento do protocolo do futebol com relação às concussões. A vida do atleta Geovani estava em risco, e um novo choque de cabeça na mesma partida poderia ter consequências gravíssimas. A síndrome do segundo impacto, apesar de rara, frequentemente tem resultado fatal.
Nesse caso, a ausência de um protocolo demonstra um evidente descuido em face de um risco conhecido e grave.
No entanto, não é esse o único risco que o uso da cabeça para jogar futebol pode trazer. Há ainda um segundo problema, ainda pouco explorado. A encefalopatia traumática crônica, ou a demência do pugilista, já foi identificada em alguns ex-jogadores de futebol, como o caso do capitão do primeiro título mundial do Brasil, Bellini.
Poucos casos foram diagnosticados no futebol, porque poucos estudos foram realizados. No entanto, há indícios de que ex-atletas de futebol possuem desempenho neuropsicológico inferior à média, e isso pode ser reflexo dos pequenos, porém constantes, danos aos quais os cérebros de muitos jogadores de futebol são expostos[1].
Cada cabeçada que um jogador de futebol dá em uma bola (e aqui não estamos falando dos fortes choques de cabeça) pode provocar micro lesões em seu cérebro. E pouco se sabe sobre o resultado dessas lesões no longo prazo, especialmente no caso dos atletas mais jovens, de até 25 anos.
Um jogador de futebol é exposto a centenas, talvez milhares de choques como esse todos os meses, incluindo treinamentos e jogos. E os choques, diferentemente do que indica o senso comum, são cada dia mais fortes. Por mais que as bolas estejam mais leves do que na década de 1950, elas estão também mais velozes e mais aerodinâmicas, o que faz com que a perda de energia durante o voo seja menor. Desta forma, a energia transferida do pé do atleta que chutou a bola chega em grande parte à cabeça do atleta que está cabeceando.
Isso faz com que os indícios de sequelas identificados em atletas mais velhos sejam potencializados. E ainda que não exista prova, a simples existência de risco relevante torna compulsória a atuação das entidades de administração da modalidade para eliminar esse risco. Com base no princípio da precaução, ainda que o dano seja nesse momento não possua comprovação científica, os indícios já são robustos o suficiente para apontar sua existência.
E ao não tomar medidas no sentido de minimizar esse risco, excluindo o uso da cabeça das regras do futebol, as entidades de administração do futebol (da FIFA às Federações Estaduais) se expõem a elevado risco jurídico.
Nunca é demais lembrar que a NFL, liga norte-americana de futebol americano, foi condenada a pagar aos ex-jogadores mais de 1 bilhão de dólares (aproximadamente 5,5 bilhões de reais na cotação atual) como indenização pelos danos cerebrais aos quais foram expostos durante suas carreiras. Na modalidade, estima-se que mais de 25% dos atletas tenham danos cerebrais permanentes em razão dos choques de cabeça.
No futebol, ainda que essa proporção seja muito menor, em razão do número de praticantes é possível projetar um número muito maior de pessoas afetadas e, desta forma, é possível imaginar que as indenizações sejam ainda mais significativas.
Já passou da hora de repensar o jogo. Para quem toma as decisões, é preciso ter cuidado pra mais tarde não sofrer.
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[1] Nitrini, R. (2017). FUTEBOL (FUTEBOL DE ASSOCIAÇÃO) E ENCEFALOPATIA TRAUMÁTICA CRÔNICA: UMA BREVE REVISÃO E RECOMENDAÇÃO. Dementia & Neuropsychologia, 11(3), 218-220.