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Ela não foi respeitada como torcedora, e a Justiça ficou do lado dela

Leis, regras, regulamentos, acordos têm diferentes conceitos e alcances jurídicos, mas todos têm uma mesma vocação: estabelecer segurança para determinado fenômeno. Ou seja, por meio da habitualidade e da observação sistemática, eles descrevem um fenômeno, passando a estabelecer relação de causa e efeito.

No mundo do futebol, infelizmente o que se viu no Maracanã no domingo 17 de fevereiro, na decisão da Taça Guanabara, entre Fluminense e Vasco, não foi algo isolado da nossa realidade. Tanto é verdade que o legislador já ingressou nessa seara algumas vezes. E, quando se trata da relação do torcedor com o evento, criou inclusive lei própria, a Lei 10.671/2003, conhecida como Estatuto de Defesa do Torcedor.

Mais do que trazer uma seção para falar de uma decisão histórica, as linhas de hoje vão tentar clarear algo fundamental no esporte: direitos que o torcedor tem como consumidor de evento esportivo.

Sim, consumidor. A legislação não deixa dúvidas com relação a isso. Primeiro, a Lei 9.615, a Lei Pelé, no art. 42, § 3, equipara torcedor pagante de espetáculo esportivo a consumidor, nos termos do art. 2 da Lei 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor. Mas a legislação vai além.

O EDT, de 2003, no art. 2, amplia o raio de incidência das garantias já existentes, englobando, além daquele que vai para a arena esportiva, os indivíduos que apoiem, apreciem ou se associem a qualquer entidade de prática esportiva. E, para deixar tudo ainda mais claro, no artigo seguinte, o 3, determina que as entidades organizadoras da competição, bem como as entidades de prática desportiva detentoras do mando do jogo, se equiparam ao fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, torcedor é consumidor. E tem a lei como segurança jurídica que determina responsabilidade civil objetiva às entidades esportivas organizadoras de eventos.

E foi com o amparo da lei que uma torcedora foi à luta. Ela comprou ingresso para assistir ao clássico Botafogo e Flamengo em 2008. Como foram vendidos mais ingressos do que a capacidade do estádio, ela acabou do lado de fora. E envolvida numa grande confusão. Seu direito como torcedora/consumidora foi violado.

O transtorno virou objeto de ação judicial movida contra o Flamengo, detentor do mando de campo, e a empresa que vendeu o ingresso. Clube e empresa foram solidariamente condenados a pagar indenização à torcedora por danos materiais e morais.

Na sentença, a desembargadora Denise Simões salientou que era “incontroverso que houve fechamento dos portões quando ainda restavam inúmeros torcedores com ingressos legítimos do lado de fora, implicando em flagrante defeito de serviço”. Continuou, usando a lei: “Nesse contexto, de acordo com as normas do CDC e do Estatuto do Torcedor, as rés são solidariamente responsáveis”. Disse que também era “devido reparação por danos morais, na medida em que a superlotação foi ensejada por fato próprio do serviço”.

Ou seja, a torcedora venceu. Ela usou a lei que garantia reparação a serviço mal prestado. Relação de causa e efeito. Um direito dela. E de todo torcedor. Quem esteve envolvido com o clássico vergonhoso do dia 16 de fevereiro de 2019 e se sentiu prejudicado como consumidor tem esse exemplo de como a lei também o protege.

O que aconteceu no clássico entre Fluminense e Vasco é uma amostra de como o amadorismo ainda se faz presente no futebol brasileiro – e de como o torcedor/consumidor ainda é deixado de lado, apesar da legislação protegê-lo. Comprar ingresso, ir ao estádio e ser impedido de entrar, ver-se envolvido em confusões violentas, ter a entrada liberada com um terço do evento transcorrido, é, além de uma sacanagem gigante, um desrespeito à lei. A jurisprudência e a história estão aí para comprovar exatamente isso.

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Mais sobre: 16/06/2016 – 26ª câmara cível do consumidor, TJRJ.

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