Esta seção não é um espaço para explicar o Direito Esportivo, nem fazer teses a respeito. As linhas por aqui andam mais pelo caminho do jornalismo. Afinal, pesquiso e escrevo sobre o que os outros fizeram, usando direito e esporte como catalisadores de transformações. O nome da seção é autoexplicativo, Juri-História. A ideia sempre foi contar e explicar movimentos que transformaram leis, regras do esporte. E é aí que existe espaço para uma ousadia: falar de uma atleta que provocou uma revolução esportiva, sem sequer entrar num tribunal.
Olha para as ruas, a corrida está na moda. Jovens, idosos. Homens, mulheres. Esporte, exercício, saúde, liberdade. As provas, obviamente, representam tudo isso. Hoje em dia.
A participação feminina cresce cada vez mais, e poucas dessas mulheres que tomam as ruas sabem que esse exercício só passou a ser permitido graças a um gesto corajoso, ousado e proibido de uma atleta há mais de 50 anos. Foi a combinação desses adjetivos com o substantivo em uma única mulher que provocou uma transformação histórica na mais democrática e popular das provas do atletismo: a maratona.
O nome dela é Katherine Switzer. Ela nasceu em 1947, em Amberg, na Alemanha. Foi para os Estados Unidos e nunca se encantou com o charme das animadoras de torcida. Queria ser atleta. Entrou num time de hóquei. Para estar em forma, corria pelas ruas. Impressionou e decidiu continuar correndo.
A paixão pelo esporte era tanta que se formou em jornalismo e investiu na área do jornalismo esportivo. Nunca parou de treinar. Como não havia equipe para mulheres, corria entre os homens mesmo. Como desafiava grandes distâncias, quis participar da uma maratona. A tradicional Maratona de Boston, com mais de 70 anos, foi a escolhida. Mas havia um problema. A competição só permitia a inscrição de homens. Em uma época em que as pessoas acreditavam que as mulheres não eram capazes de correr mais do que um quilômetro, Katherine decidiu provar que estavam todos errados e, por consequência não planejada, mudar os rumos do esporte.
Num ano, ela correu sem se inscrever. Mas no ano seguinte, 1967, aos 20 anos, decidiu entrar na fila e fazer a inscrição. Ela percebeu que não havia na ficha especificação de sexo. Mesmo assim, decidiu se precaver e colocou apenas as iniciais do nome: K.V. Switzer. Inscrição aceita e número 261 recebido.
A organização não se deu conta de que havia uma “intrusa”. Como estava frio e chovia, ninguém enxergou uma mulher representada por trás daquele número 261.
Ela largou, tendo a companhia do técnico Arnie e do namorado Tom. Tudo ia bem, até o ônibus da imprensa passar por eles. Junto com fotógrafos, câmeras e jornalistas, estava o encarregado da corrida, Jock Sempl.
Ao ver uma mulher entre homens na corrida que organizava, Jock pulou do ônibus enfurecido e correu até ela. Ao alcançá-la, gritou: “Saia da minha corrida agora mesmo. E me dê esse número”. Katherine ficou apavorada, mas seguiu correndo. O namorado, Tom, a ajudou. Praticante de futebol americano, deu uma ombrada no diretor da prova, e ele saiu da corrida. O flagrante do momento virou retrato e é histórico.
Katherine completou os 42.195 metros da prova, mas foi eliminada. Porém, a coragem da atleta foi recompensada. A repercussão foi mundial, e atletas e movimentos feministas começaram a discutir a restrição às mulheres nas corridas, todos falando em preconceito.
Em 1972, cinco anos depois da corrida em que Switzer quase foi expulsa à força, a organização da prova permitiu a inscrição de mulheres. Em 1984, as mulheres disputaram a primeira maratona nos Jogos Olímpicos, em Los Angeles, EUA.
Em uma entrevista para o The Nation, ela disse: “Quando vou para a Maratona de Boston agora, fico com os ombros molhados: muitas mulheres choram de alegria nos meus ombros, porque correr mudou a vida delas. Elas sentem que podem fazer qualquer coisa”.
Katherine ainda foi campeã da Maratona de Nova York, em 1974, e vice-campeã da Maratona de Boston, em 1975. Mas pode apostar, a principal conquista de Katherine Switzer foi numa prova da qual ela quase foi tirada à força, precisou correr assustada e terminou eliminada. No esporte, um vencedor nem sempre precisa terminar em primeiro lugar.
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Foto: CNN.com