Final de temporada de futebol é (quase sempre) a mesma história: a luta na parte de cima e de baixo da tabela. As agremiações na parte de baixo lutam pelo não rebaixamento. As da parte de cima, pela promoção à divisão mais alta dentro do cenário nacional ou até mesmo a tão lucrativa participação em competições continentais.
A importância econômica da participação em competições continentais é enorme. Quantias pagas pela transmissão dos jogos, direitos de imagem, potenciais premiações para as equipes mais bem sucedidas, maior lucro com bilheterias de jogos, vitrine para atletas promissores (e suas potenciais vendas multimilionárias) e todo lucro auferido com marketing bem planejado da equipe. Em tempos de Covid-19, a importância é dobrada. Pode significar salvar uma equipe da falência.
Na Europa, várias ligas terminaram antes do esperado. Determinações de autoridades de saúde pública significaram a impraticalidade de continuar com torneios nacionais em países como França, Holanda e Bélgica. Para as federações nacionais desses países, como fica a decisão do ranking das equipes para efeito de classificação para disputar os torneios continentais da UEFA (a Champions League e a Liga Europa) na temporada 2020/2021? Com o intuito de orientar as federações nacionais, a UEFA emitiu um guia para auxiliar a determinação de tal ranking.
Em apenas três páginas, o documento intitulado Guidelines on eligibility principles for 2020/2021 UEFA Club Competitions – Covid 19 visa proporcionar auxílio na difícil decisão a ser tomada a respeito de quem fica dentro ou fora da próxima temporada continental. Como era de ser esperar, a UEFA mantém que a decisão final da elegibilidade para participar em suas competições fica a cargo dos organismos competentes a nível nacional, ou seja, as federações ou associações nacionais de cada país. Porém, a UEFA reserva o direito de recusar ou reavaliar a admissão de qualquer clube proposta por uma federação ou associação nacional de uma competição prematuramente encerrada em especial quando:
i. As competições nacionais não foram prematuramente encerradas com base nos motivos mencionados nas diretrizes da UEFA ou fundamentada em outros motivos legítimos de saúde pública;
ii. Os clubes tenham sido selecionados de acordo com um procedimento não objetivo, não transparente e discriminatório, de modo que os clubes selecionados não pudessem ser considerados qualificados por mérito esportivo; e
iii. Exista a percepção pública de injustiça na qualificação de determinado clube.
Tão ampla a retenção ou reserva dos direitos da UEFA de reavaliar os critérios de elegibilidade utilizados pelas associações nacionais de países cujas temporadas foram precocemente encerradas quanto os vários cenários possíveis de injustiça a clubes. Vejam o caso do Olympique Lyonnais que impetrou ação contra a determinação da sua classificação final no Conseil d’Etat, o mais alto tribunal administrativo da França, que determinou, no entanto, que “não havia dúvida séria sobre a legalidade” da decisão tomada pela Ligue de Football Professionnel (LFP) de cancelar a temporada no dia 30 de abril de 2020. E, portanto, rejeitou a reivindicação do clube francês que terminou a temporada em 7º lugar com 40 pontos em 28 partidas (28 pontos a menos e uma partida a mais do que o campeão PSG).
E o caso do FC Utrecht? O clube holandês anunciou que iniciaria processo judicial contra o cancelamento da final da copa nacional e o término da liga. A reclamação é contra a decisão de “congelar” o ranking atual, deixando-o em 6º lugar, três pontos atrás de Willem II, mas com uma partida disputada a menos e uma melhor diferença de gols. Se tivesse terminado em 5º lugar (ou vencido a copa nacional), teria direito a participar na próxima competição da Liga Europa. A Associação Real de Futebol da Holanda (KNVB), no entanto, afirma que sua decisão foi tomada em conformidade com “as diretrizes da UEFA”.
O Comitê Executivo da UEFA estipulou prazo para as federações nacionais inscreverem suas equipes nas competições até (i) 3 de agosto de 2020 para a Champions League e Liga Europa; e (ii) 10 de agosto de 2020 para a Champions League Feminina. Com prazos tão curtos assim, quais medidas podem ser adotadas por clubes que se sentem lesados pelo encerramento precoce da temporada?
Entendemos que tais clubes têm as seguintes opções:
1. Reclamação/recurso direto à associação nacional. O embasamento da reclamação seria o da qualificação de equipes por falta de mérito esportivo, contrário às diretrizes estabelecidas pela UEFA. Dependendo da estrutura organizacional de cada liga ou país, isso pode significar recurso ao judiciário. O risco de uma decisão não sair antes do início da próxima temporada é enorme;
2. Recurso junto à UEFA. O embasamento seria o mesmo que o item anterior. Caberia neste caso, ao Secretário-Geral da UEFA ou ao Órgão de Controle, Ética e Disciplina da UEFA considerar a questão. Por essa abordagem, os clubes lesionados poderiam talvez desencadear uma aceleração dos procedimentos na UEFA. Essa aceleração dos procedimentos internos pode ser crucial tanto pelo iminente prazo de inscrição das competições quanto para procederem à última “instância” (como veremos abaixo).
3. O clube ainda poderá recorrer da decisão da UEFA perante o Tribunal de Arbitragem do Esporte (TAS). Cada vez mais famoso, caberia a esse tribunal arbitral a difícil tarefa de decidir a disputa. Lembramos que a jurisdição do TAS apenas existe uma vez que os procedimentos e recursos internos da UEFA forem exauridos. Por isso, a necessidade de rapidez interna dos procedimentos da UEFA.
Assim, todo o processo de objeção às determinações de ranking para a elegibilidade de clubes participantes dos torneios da UEFA para a próxima temporada é claramente bastante oneroso. Para equipes com posição financeira delicada, a incerteza de decisão antes do início da próxima temporada, torna-se difícil manter a esperança de reforma das decisões adversas das associações nacionais nesta ocasião.