Por Sebastián Vásquez e Javier Martínez
Neste domingo, 30 de outubro, o Brasil tem um jogo fundamental, a democracia é um processo onde ninguém pode ficar de fora, e neste contexto queremos mencionar as pessoas privadas de liberdade, que são constantemente esquecidas e hiperbolizadas.
Durante os debates presidenciais observamos que o tema prisão se manifestou por meio de acusações entre candidatos.
Porém, nenhuma candidatura expressou a realidade das pessoas privadas de liberdade, sua inserção sociolaboral, das famílias, sem falar do funcionamento do sistema penal em toda a sua “cadeia produtiva”: superlotação, falta de protocolos sanitários, tortura, racismo estrutural, o descumprimento das normas internacionais (Regras Mandela)[1] de dignidade e respeito aos Direitos Humanos[2] fazem parte do cotidiano.
Se voltarmos, não é muito diferente, embora seja mais sofisticado o mecanismo de exclusão, dos navios negreiros que traziam pessoas escravizadas (nas mesmas condições citadas acima) para trabalhar na construção desse Brasil que conhecemos hoje.
Navio Negreiro – Info Escola
O Chile experimentou recentemente um processo de avanço no respeito aos direitos civis, políticos e culturais ao incorporar as pessoas privadas de liberdade no plebiscito de saída do processo constitucional[1]. Como ficamos sabendo disso? ouvindo uns aos outros, conhecendo-se e quebrando alguns paradigmas impostos. Começamos a questionar e empoderar-nos com o direito que nos ajuda a garantir o respeito aos direitos humanos.
No Brasil, existe uma espécie de negação midiática e negligência institucional da prisão, apresentando-se como o lugar mais parecido com o inferno.
Os dados nos dizem que de um total de 835.643 pessoas privadas de liberdade, duas em cada três são negras[2], e uma em cada quatro ainda não recebeu uma sentença (World Prison Brief, 2021)[3].
Imagem: Banho de sol no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros expõe condições precárias (Crédito: Apu Gomes/Folhapress)
Após anos de política punitiva e persecutória, especialmente para um segmento da população, os resultados são visíveis. Embora as prisões estejam superlotadas, quase o dobro da capacidade para a qual foram projetadas (World Prison Brief, 2021), não vemos uma correlação positiva com os índices de segurança ou a percepção do crime em nossa sociedade.
Assim, o desafio é devolver à sociedade pessoas com ferramentas para assumir responsabilidades e que possam entrar no campo da vida para jogar e virar o próprio jogo.
Uma verdade que nunca devemos perder de vista é que a grande maioria das pessoas que estão na prisão hoje vão recuperar a sua liberdade. Então, o que fazemos como sociedade para esse retorno; Como vamos levá-los a jogar essa partida para virar o placar? Como construir o próximo passo entendendo a ação institucional e as forças políticas?
No país do futebol podemos trabalhar um processo de Alfabetização Educacional baseado nas ferramentas de vida que o esporte nos dá com o objetivo de tomar melhores decisões. Hoje no Brasil existem inúmeras instituições, empresas, Universidades e organizações da sociedade civil dispostas a participar e documentar um processo de Alfabetização com uma perspectiva cidadã baseada em aprendizados obtidos nos espaços esportivos.
A proisão é um espaço de caos, a periferia também, e não é por acaso que esta é a origem do talento esportivo que é exportado, do número de decisões que toma e dos contextos de incertezas, que também são características do jogo. No entanto, após grandes transações que são realizadas, não vemos que o dinheiro retorne de forma planejada aos espaços que viram tantos craques crescerem na história. É um grande desafio a ser resolvido, gerenciando o impacto social a partir da distribuição de recursos e do acesso às oportunidades. Não só é possível exportar atletas, também é possível exportar conhecimento, do Brasil, Latinoamérica para o mundo.
Através do treinamento podemos adquirir ferramentas para desenvolver contextos e cenários em que temos que decidir cada segundo de nossas vidas. O alto nível de caos permite gerar raciocínios mais rápidos e enfrentar os desafios com intensidade, gerando inúmeros aprendizados significativos, assim como as habilidades de vida propostas pela UNESCO em 1999[1].
A prisão não pode continuar a ser o tapete onde a sociedade esconde todos os seus problemas estruturais próprios do colonialismo. Como dizem os Racionais MCs, na música Diário de um Detento em 1997, “…Cadeia? Claro que o sistema não quis. Esconde o que a novela não diz…”
Há uma experiência de Alfabetização Educacional no estado do Rio Grande do Norte, no município de Angicos, denominada “Quarenta horas de Angicos”, liderada pelo Educador Popular Paulo Freire, que posteriormente se tornou um projeto piloto para integrar o Programa Nacional de Alfabetização. No entanto, o plano não pôde ser executado durante o ano de 1964, e terminou com Paulo Freire na prisão. Sim, setenta dias de prisão por alfabetizar.
A partir da experiência que tivemos em 2019, conseguimos em conjunto com outras organizações da sociedade (Fundação Marco Oneto, Servicio Nacional de Menores (SENAME), Fundação Dimas, Futsal Revolution, Gendarmería de Chile) desenhar um programa de inovação social que utilizou o esporte como ferramenta que promove a tomada de decisões, facilitando espaços de aprendizagens interdisciplinares que nos permitam compreender a função social do direito ao jogo nos recintos penitenciários, orientando-o para a inserção[2].
Os principais aprendizados são que as pessoas conseguem levantar o seu olhar, melhora nos aspectos cognitivos por meio da estimulação, manter relações com respeito e costura tecido social através do uso intencionado dos princípios e valores que o esporte como ferramenta pedagógica proporciona em todos os níveis da sociedade. Em companhia de especialistas das distintas áreas é possível criar uma relação aberta entre ensinar e aprender.
Imagem: Programa Esportivo de Desenvolvimento de Habilidades por meio do Futsal no Centro de Cumplimento Penitenciário Colina 2, 28/11/2019. Créditos foto: Anaís Tapia
A partir do Laboratório de Inovação Esportiva SportsCoLab[1], nosso compromisso é abordar o Esporte na perspectiva do Desenvolvimento e da Paz[2], em sintonia com o respeito irrestrito aos Direitos Humanos como base do entendimento social.
O esporte é tão complexo quanto irredutível, por isso pedimos que você faça parte desse movimento multidisciplinar e interligado com o propósito de construir uma cultura esportiva que transforme vidas.
O Direito Desportivo não pode ficar de fora desta partida.
Quem ganhar as eleições importa, mas independente de quem ganhe, a prisão e a periferia não podem continuar sem um plano de desenvolvimento. O convite é pensar nossa sociedade de tal forma que ninguém fique de fora.
Quando a colaboração é parte da estratégia do jogo do time, temos que levantar vista e olhar quem está precisando receber a bola.
Crédito imagem: TRE-RO
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Ex Atleta (Futebol/Futsal/Futebol Freestyle)
Diretor Cultura – Laboratório Inovação Esportiva SportsCoLab
Filosofia e Direito Esportivo para o Desenvolvimento e a Paz
Engenheiro Civil Industrial
CEO – Laboratório Inovação Esportiva SportsCoLab
Presidente Fundação Projeto Reinserção (Chile)
[1] Laboratorio de Innovación en Deporte SportsCoLab: Conecta, Colabora, Construye
[2] Esporte para o Desenvolvimento e a Paz. Informativo da ONU no Brasil, 2016.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000244329
[1] Avanzar en las habilidades básicas del siglo XXI
https://www.unesco.org/es/articles/avanzar-en-las-habilidades-basicas-del-siglo-xxi
[2] Futsal Revolution en Radio Z: «Somos un espacio de reinserción social»
[1] Voto de personas privadas de libertad en el Plebiscito Constitucional
https://servel.cl/voto-de-personas-privadas-de-libertad-en-el-plebiscito-constitucional/
[2] Anuário Brasileiro de Segurança Pública
https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-interativo.pdf
[3] World Prison Brief data
https://www.prisonstudies.org/country/brazil
[1] Reglas Mínimas de las Naciones Unidas para el Tratamiento de los Reclusos
https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/Nelson_Mandela_Rules-S-ebook.pdf
[2] Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948.
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos