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Em 2005 caso de manipulação de resultados mudou Campeonato Brasileiro e a lei

O futebol está sob suspeita. A denúncia da operação “Penalidade Máxima” de que jogos da série A do Brasileiro do ano passado estão sendo investigados por suspeita de manipulação de resultados deflagrou uma série de debates e nos fez lembrar de 2005, o caso que ficou conhecido como “Máfia do Apito”.

A manipulação de resultados é grave porque atinge princípios caros ao esporte, como o da integridade esportiva e do fair play. Atletas podem até ser banidos do futebol. Um situação que provoca debates necessários e pode implicar até em mudanças na Lei. Afinal, receber um cartão amarelo seria uma forma de “manipular resultado”, na acepção do que traz a Lei?

A questão nos faz voltar ao caso do Brasileiro de 2005, um caso que mudou a legislação brasileira.

A Máfia do Apito

O triste episódio conhecido como a “máfia do apito”- que manipulou resultados do Campeonato Brasileiro de 2005 – teve mais uma decisão importante mais de 20 anos depois. Em outubro de 2021, a justiça entendeu que o crime praticado não preenchia os requisitos para gerar o dever de pagar indenização por danos morais.

Com isso, a decisão que condenava a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Federação Paulista de Futebol (FPF) a pagar uma indenização milionária a torcedores em função do crime praticado foi derrubada.

O caso foi analisado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O entendimento do relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, de que não basta a mera infringência à lei ou ao contrato para a caracterização do dano moral coletivo acabou prevalecendo. Para o ministro “é essencial que o ato atinja alto grau de reprovabilidade e transborde os lindes do individualismo, afetando, por sua gravidade e repercussão, o círculo patrimonial de valores sociais.”

Ou seja, para a maioria formada, valores sociais não foram afetados pela manipulação de resultados no Brasileiro.

“Em regra, as adversidades sofridas por expectadores de determinada modalidade esportiva não costumam interferir intensamente em seu bem estar. Podem causar dissabores e contratempos, sentimentos de caráter efêmero que tendem a desaparecer em curto espaço de tempo”, destacou o relator.

Agora, importante destacar o voto da ministra Nancy Andrighi, que entendeu que o caso deveria ser analisado de acordo com a relevância frente ao sentimento de aviltamento e perda de valores essenciais coletivos.

É sabido que a doutrina enquadra o esporte – e o futebol – como fenômeno cultural de elevado interesse social, revelando-se símbolo de identidade nacional brasileira. Também importante destacar que o Estatuto de defesa do Torcedor e o Código de Defesa do Consumidor têm suas bases fincadas na boa-fé objetiva: a confiança de que seus atores atuarão com honestidade e retidão.

A ministra destacou que “o arbitramento das partidas com parcialidade com vista ao recebimento de vantagens indevidas quebra a legítima expectativa dos torcedores e dos cidadãos em geral de que resultado da competição reflita o mérito dos times em campo, com inerente aspecto aleatório. Vejo plenamente caraterizado dano moral coletivo”,

A verdade é que o episódio de 2005 trouxe uma mancha na história do futebol brasileiro e obrigou o legislador a entender melhor o fenômeno da manipulação de resultados e a alterar a lei, tentando dar mais proteção ao esporte e aos torcedores.

O Brasileiro que o crime mudou

Foi o maior golpe descoberto contra a credibilidade já sofrido pelo futebol brasileiro. Árbitros receberam dinheiro para manipular resultados do Brasileirão de 2005, ajudando criminosos a lucrarem em apostas milionárias. A figura central do escândalo, o árbitro Edílson Pereira de Carvalho, um dos principais do país e que utilizava escudo da Fifa na época.

O esquema, revelado pelo jornalista André Rizek e publicado pela revista Veja, provocou um tsunami no futebol brasileiro.

No dia seguinte, Edílson foi preso, junto com o empresário Nagib Fayad, o “Gibão”, apontado como mentor da Máfia do Apito.

De acordo com as investigações, os 11 jogos apitados por Edilson no campeonato foram manipulados e, por decisão da Justiça Desportiva, acabaram sendo anulados e disputados novamente.

O escândalo alterou a classificação do torneio, que teve o Corinthians como campeão, três pontos à frente do Internacional – se os placares originais tivessem sido mantidos, os gaúchos teriam vencido o Brasileiro com um ponto a mais do que os paulistas.

Edílson foi banido do futebol, e se tornou réu em ação penal, assim como Fayad e outros quatro participantes da máfia.

O processo criminal não foi adiante! Isso porque o Tribunal de Justiça de São Paulo avaliou que não foi cometido crime. Era preciso mudar a legislação para proteger o esporte.

Por isso, as fraudes esportivas foram tipificadas cinco anos depois do esquema denunciado, em 2010, com a inclusão de um artigo no Estatuto do Torcedor.

Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: (Redação dada pela Lei nº 13.155, de 2015)

Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

O EDT se tornou mais uma ferramenta no combate a crimes praticados dentro do esporte. O Estado ajudando o movimento esportivo a proteger o fair play e a incerteza do resultado.

Mas, além do poder público, o esporte também precisa se proteger.

Importância da autorregulação do esporte

A pandemia atrasou um processo inevitável, o do fortalecimento da autorregulação do futebol brasileiro.

O Fair Play Financeiro da CBF irá sair do papel. E iniciativas como “Rating Integra”, proveniente do Pacto pelo Esporte, já mostraram como compromissos com Integridade atraem marcas dispostas a apoiar o desporto.

As entidades esportivas precisam entender que seus regulamentos não podem mais ser omissos em questões caras ao esporte. No caso da manipulação, essa autorregulação precisa proibir que jogadores, treinadores e árbitros sejam apostadores. Além disso, o trabalho de monitoramento, com o auxilio da ciência e tecnologia se tornam vitais para combater essas quadrilhas cada vez mais sofisticadas.

Claro que o Estado precisa atuar também no combate a corrupção e manipulação de resultados. É dever do poder público combater o crime. E ainda dá para avançar.

Uma lei que tipifique corrupção privada no esporte como crime já seria um avanço gigantesco (PL da Nova Lei Geral do Esporte perto de sanção).

Mas, em função da necessária autonomia que tem, o esporte também precisa investir nessa autorregulação.

Assim como o futebol, o vôlei, o basquete, o tênis precisam se proteger da manipulação de resultados, garantindo algo que é a essência de todo e qualquer esporte: uma disputa limpa, e igual.

A “máfia do apito’ é um triste episódio do esporte, mas não pode nunca ser esquecido. Ele serve para ser discutido, nos tribunais, pelos legisladores e pelo movimento esportivo. E serve de exemplo para o que estamos vendo agora na operação “Penalidade Máxima”.

Crédito imagem: Djalma Vassao / Gazeta Press

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