Um grupo de atletas iranianos enviou uma carta à FIFA, entidade máxima do futebol, com um pedido de exclusão do Irã da Copa do Mundo de 2022, no Catar. O documento, assinado pelo renomado advogado Juan Dios Crespo, pede a suspensão da seleção alegando que a Federação Iraniana de Futebol fortalece a opressão e a exclusão das mulheres do esporte. Apesar da causa ser válida, dificilmente o país será excluído da competição, uma vez que estamos há menos de um mês para seu início.
“Sem dúvida, o Irã viola o Estatuto da Fifa. Mas não é uma exclusividade, o Catar – país sede – também. O movimento não deve retirar o país da Copa, mas provoca irritações que farão com que a Fifa reflita e avance na proteção de direitos humanos”, diz Andrei Kampff, advogado especializado em direitos humanos e colunista do Lei em Campo.
“A brutalidade e a beligerância do Irã em relação a seu próprio povo chegou a um ponto de inflexão, exigindo uma desassociação inequívoca e firme do mundo do futebol e do esporte. A abstinência histórica da Fifa em relação aos conflitos políticos tem sido muitas vezes tolerada apenas quando essas situações não se encontram na esfera do futebol (confira na íntegra ao fim da matéria)”, diz um trecho da carta, obtida pelo ‘ge’.
Segundo o movimento, a federação local está seguindo e impondo diretrizes governamentais, o que contrasta com a premissa de ser uma organização independente e livre de qualquer influência. O ex-jogador Ali Daei, tido como um dos maiores ídolos do futebol iraniano, apoia a causa e passou a sofrer represálias das autoridades pelo seu posicionamento. Ele teve seu passaporte confiscado recentemente.
A carta endereçada à FIFA ainda diz que se a entidade entender que o governo não está influindo na decisão de mulheres serem proibidas de frequentarem os estádios, a Federação Iraniana é a responsável por não respeitar os direitos humanos.
“A situação das mulheres no Irã é profundamente desagradável no quadro político e socioeconômico mais amplo. Tragicamente, os mesmos males e injustiças são perpetuados dentro da esfera do futebol, significando efetivamente que o futebol, que deveria ser um lugar seguro para todos, não é um espaço seguro para as mulheres ou mesmo para os homens”, diz o documento.
“As mulheres têm sido constantemente negadas a ter acesso a estádios em todo o país e sistematicamente excluídas do ecossistema do futebol no Irã, o que contrasta fortemente com os valores e estatutos da Fifa”, acrescenta.
Por fim, a carta cita os casos de alguns jogadores com passagens pela seleção iraniana como Hossein Mahini, Aref Gholami, e figurantes importantes da história do futebol do país como Ali Karimi e Ali Daei — segundo maior artilheiro do futebol de seleções de todos os tempos — foram vítimas de prisões, assédios ou ameaças do governo.
Essa não é a primeira vez que o Irã é alvo de um pedido de exclusão da Copa do Mundo do Catar por conta do tratamento das mulheres no país. Em setembro, o grupo ativista de direitos humanos Open Stadiums também entrou com um pedido semelhante à Fifa e ao presidente Gianni Infantino.
Atualmente, o Irã vive um momento de muita tensão, com uma onda de protestos no país. No mês passado, Mahsa Amini, de 22 anos, morreu após ser presa pela polícia da moral, por ser acusada de descumprir o rígido código de vestimenta feminino da República Islâmica, que exige cobrir o cabelo com véu e usar roupas discretas. As autoridades do governo, no entanto, afirmam que a jovem morreu de doença cerebral, e não por espancamento.
A morte de Mahsa provocou protestos nas ruas, que já duram um mês, e uma onda de violência por parte do governo para reprimir as manifestações. Ao todo, vinte e três crianças já morreram por tiros ou espancadas em repressões a protestos no Irã, segundo agência da ONU.
Leia a íntegra da carta
Um grupo de personalidades do futebol e esportes iranianos anuncia que, com a orientação e colaboração do escritório de advocacia Ruiz-Huerta & Crespo (de Valência, Espanha), um pedido formal foi enviado ao Conselho da FIFA e seu Presidente, Gianni Infantino, para suspender a Associação Iraniana de Futebol, Federação Islâmica de Futebol da República do Irã, com efeito imediato e, portanto, proibi-los efetivamente de participar da próxima Copa do Mundo, a partir de 20 de novembro de 2022.
A brutalidade e a beligerância do Irã em relação a seu próprio povo chegou a um ponto de inflexão, exigindo uma desassociação inequívoca e firme do mundo do futebol e do esporte. A abstinência histórica da FIFA em relação aos conflitos políticos tem sido muitas vezes tolerada apenas quando essas situações não se encontram na esfera do futebol. A situação das mulheres no Irã é profundamente desagradável no quadro político e socioeconômico mais amplo. Tragicamente, os mesmos males e injustiças são perpetuados dentro da esfera do futebol, significando efetivamente que o futebol, que deveria ser um lugar seguro para todos, não é um espaço seguro para as mulheres ou mesmo para os homens. As mulheres têm sido constantemente negadas a ter acesso a estádios em todo o país e sistematicamente excluídas do ecossistema do futebol no Irã, o que contrasta fortemente com os valores e estatutos da FIFA.
Se as mulheres não podem entrar nos estádios em todo o país, a Federação Iraniana de Futebol está simplesmente seguindo e impondo diretrizes governamentais; elas não podem ser vistas como uma organização INDEPENDENTE e livre de qualquer forma ou tipo de influência. Isto é uma violação do (Artigo 19) dos estatutos da FIFA. Esta disposição foi, no passado, a premissa para a suspensão de associações de futebol como a FA do Kuwait, a FA da Índia e até mesmo a Federação Iraniana no passado. A situação no Irã não é diferente do governo de um país que exige que a Associação de Futebol imponha uma proibição de estádios a pessoas de uma determinada raça ou etnia. Não é diferente de um governo que exige que uma associação membro mude a regra de impedimento em todas as ligas do país. Nesses outros casos, a FIFA provavelmente se moveria rapidamente para suspender tais associações membros, especialmente na segunda situação hipotética relativa às “Leis do jogo”. A Federação Iraniana de Futebol claramente carece de autonomia para aplicar os Estatutos da FIFA pela carta, seus Regulamentos e, o mais importante, seus valores caros.
Se, entretanto, a FIFA pensa que a Associação Iraniana de Futebol não está sob a influência de seu governo, e está agindo unicamente como uma organização independente, então proibir todas as mulheres de entrar nos estádios e participar da Copa do Mundo viola os Artigos 3 e 4 dos Estatutos da FIFA (a FIFA respeitará e protegerá os direitos humanos reconhecidos internacionalmente). Pelo artigo 16 dos mesmos Estatutos, o Conselho da FIFA está estatutariamente habilitado a tomar medidas drásticas e imediatas contra eles. O Conselho da FIFA pode e deve suspender imediatamente o Irã.
A FIFA deve escolher um lado. A neutralidade da FIFA não é uma opção, dado que a FA iraniana não tem sido neutra, mas tem sido mobilizada para fortalecer a opressão e a exclusão sistemática das mulheres no ecossistema esportivo. Além das mulheres, o governo iraniano também abafou as vozes de vários atletas no país e impediu seus direitos de falar diante do mal em exibição. Jogadores da equipe nacional como Hossein Mahini, Aref Gholami e ex-jogadores proeminentes como Ali Karimi e Ali Daei, foram alvo de prisão, assédio ou ameaças do governo. Chegou a hora de a FIFA agir; basta.
Crédito imagem: Getty Images
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