Waldir Marques
Director of Regulatory Affairs LatAm, WA.Technology
Ex-Diretor-Presidente – CEO da CAIXA Loterias S.A.
Ex-Subsecretário de Regulação de Loterias, Prêmios e Sorteios do Ministério da Fazenda
Rafael Marchetti Marcondes
Advogado e Professor Doutor em Direito pela PUC/SP
MBA em Aposta Esportiva pela Universidade de Ohio/EUA
MBA em gestão esportiva pelo ISDE de Barcelona/ES
Chief Legal Officer no Rei do Pitaco, Advogado
A Lei 14.790/23 regulamentou três modalidades de jogos distintas: (i) as apostas esportivas, (ii) os jogos online de quota fixa, e (iii) os fantasy sports. Ponto comum é que, a despeito da natureza jurídica de cada uma dessas modalidades de jogos, o prêmio pago ao vencedor está sujeito à tributação pelo Imposto sobre a Renda e, após a edição da lei, sob um regramento comum.
Até o advento da Lei 14.790/23, a tributação das premiações apresentava variações quanto à mecânica de apuração e alíquotas aplicáveis, a depender da atividade que a gerou. Se o resultado fosse determinado pela sorte, como nas modalidades lotéricas (e.g. apostas esportivas e jogos online) o caminho era um; se o resultado decorresse da habilidade do praticante (e.g. fantasy sport), a sistemática de tributação era outra.
Essa diferenciação com relação ao modo de se tributar prêmios de acordo com a natureza da atividade vinha de longa data. A Receita Federal se posicionou e orientou a forma de recolhimento inicialmente por meio do Parecer Normativo CST 173/74, e, posteriormente, com a Solução de Divergência COSIT 9/12.
Referidos normativos sempre trabalharam com a distinção dos jogos cujo resultado era determinado pela sorte (loterias) dos jogos de habilidade e competições (futebol, vôlei, competições artísticas) que seguem sendo aplicáveis no tocante à tributação dos prêmios, exceto para o fantasy sport.
Isso porque, muito embora o artigo 49, parágrafo único e inciso I, da Lei 14.790/23, tenha reconhecido expressamente que o fantasy sport é um “esporte eletrônico” cujo resultado depende “eminentemente de conhecimento, análise estatística, estratégia e habilidades dos jogadores“, atestando que o seu resultado decorre de desempenho pessoal, o artigo 31 da Lei 14.790/23, por sua vez, em se tratando da tributação dos prêmios concedidos, optou por impor tratamento isonômico ao fantasy e as loterias de quota fixa.
O §4º do artigo 31 da Lei 14.790/23, estabeleceu que exclusivamente no tocante à tributação dos prêmios, deve-se aplicar a mesma regra prevista para as loterias de quota fixa, ao fantasy sport:
“Art. 31. Os prêmios líquidos obtidos em apostas na loteria de apostas de quota fixa serão tributados pelo Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) à alíquota de 15% (quinze por cento).
§ 1º (VETADO).
§ 2º (VETADO).
§ 3º (VETADO).
§ 4º O disposto neste artigo aplicar-se-á ao fantasy sport.”
Com a edição da Lei 14.790/23, como apontamos em artigo já publicado, as apostas de quota fixa passaram a ter os prêmios pagos: (i) sujeitos à retenção na fonte (art. 14 da Lei 4.506/64), (ii) por meio de apuração mensal, (iii) sobre o prêmio líquido, (iv) a uma alíquota de 15% (art. 31 da Lei 14.790/23), (v) incidente sobre o valor que exceder a primeira faixa (de isenção) da tabela progressiva (art. 56 da Lei 11.941/09), hoje fixada em R$ 2.112,98.
Devido à equiparação feita ao fantasy com as apostas esportivas especificamente quanto à tributação dos prêmios, deve-se aplicar mecânica de apuração e alíquota semelhantes. A equiparação, diga-se de passagem, foi proposta pelo Senado Federal e aprovada pelo Congresso Nacional a fim de se evitar uma distorção tributária e até mesmo um desequilíbrio concorrencial, entre dois mercados que apesar de distintos, trabalham com públicos semelhantes, os aficionados pelo esporte.
Fica clara essa motivação do legislador na justificativa da Emenda nº 141, apresentada em Plenário pelo Senador Jorge Kajuru (PSB-GO):
“A diminuição da alíquota do Imposto de Renda aos apostadores, proposta pelo relatório da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no Projeto de Lei nº 3.626, de 2023, tem o potencial de gerar distorção entre o mercado de apostas esportivas e do Fantasy Sports. Ao estabelecer que os ganhos das apostas serão tributados em até 15% do IR e o Fantasy Sport, como um jogo de habilidade, segue tendo seus prêmios tributados pelo IR a uma alíquota de 27,5%, será dispensado um tratamento anti-isonômico às duas atividades.
Essa medida deve gerar uma fuga de jogadores de Fantasy Sport para as apostas de quota fixa, prejudicando drasticamente um setor em detrimento de outro. Ademais, a tributação de prêmios das apostas e dos Fantasy Sports, da forma que está posta, dispensa um tratamento preferencial a uma atividade de sabidamente gera impacto à saúde, das pessoas, quando deveria buscar, ao menos, dispensar um tratamento equânime a um esporte eletrônico, que incentiva a integração e socialização das pessoas de forma positiva.
Visando diminuir essa discrepância entre as duas modalidades, sugere-se a inclusão de novo parágrafo ao art. 31 do Projeto de Lei nº 3.626, de 2023, para equiparar o tratamento tributário das premiações do Fantasy Sport ao que está garantido aos ganhos advindos das apostas esportivas. Essa previsão não gerará impacto negativo para nenhum dos dois setores, pelo contrário, garantirá que o Fantasy Sport continue se desenvolvendo mesmo com todas as suas peculiaridades como setor.”
Considerando que a Lei 14.790/23, dispôs em seu artigo 31, caput, que “os prêmios líquidos obtidos em apostas na loteria de apostas de quota fixa serão tributados pelo Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) à alíquota de 15% (quinze por cento)“. E, o mesmo artigo, em seu §4º, previu que o disposto no caput também se aplica ao fantasy sport, do dispositivo legal, quatro direcionamentos são extraídos:
O termo “prêmio líquido”, base de cálculo do IRRF incidente sobre os valores pagos os jogadores vencedores, pressupõe que o imposto deve incidir mensalmente sobre um determinado saldo, ou seja, o resultado aritmético apurado a partir da comparação entre o valor apostado, prêmios recebidos e uma grandeza negativa, que no caso, corresponde às perdas e os custos incorridos nas entradas das ligas.
Desse modo, tem-se para os efeitos do disposto no artigo 31, a apuração mensal do IRRF deve considerar prêmio líquido no fantasy, isto é, o resultado positivo auferido na plataforma a cada mês, resultante da dedução dos prêmios ganhos, dos custos incorridos com a inscrição nas ligas, tenha o jogador de fantasy saído vitorioso ou não nelas.
Por fim, com a nova sistemática de tributação dos prêmios pagos no fantasy sport pela Lei 14.790/23, tem-se que: (i) o imposto deve ser retido em definitivo na fonte (IRRF), (ii) sendo calculado por meio de apuração mensal, (iii) sobre o prêmio líquido, assim entendido o valor do prêmio, descontados os custos dos jogadores com as inscrições nas ligas, saia-se ele vitorioso ou não nelas, (iv) com a observância da faixa de isenção da tabela do IRPF, (v) àalíquota única de 15% sobre o prêmio líquido que exceder os R$ 2.112,98.
Todavia, o texto da Lei 14.790/23, impõe a verificação da isenção do imposto sobre a renda para “prêmio líquido” obtido. Embora seja uma transcrição literal do que consta na lei, entendemos que há espaço para uma norma infralegal definir o conceito de “prêmio líquido” para evitar a fragmentação de apostas no mesmo evento para escapar da tributação, desde que observados os limites do artigo 110 do Código Tributário Nacional, que não autoriza a alteração de definição, conteúdo e alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado.
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