Quando, há 20 anos, Lionel Messi viu Carles Rexach assinar um guardanapo garantindo aos pais daquele garoto de 13 anos que ele seria jogador do Barcelona, na Espanha, ele não imaginaria que para deixar o clube catalão precisaria apenas demonstrar sua vontade de ir embora. No papel assinado em um restaurante da cidade de Rosário, na Argentina, Rexach, ex-jogador, na ocasião diretor do Barcelona, afirmava que os catalães dariam toda a estrutura médica e técnica, além de condições de trabalho para Messi se desenvolver na Europa. Embora ao longos dos anos as assinaturas passassem a ser firmadas documentos muito mais complexos e extensos, Messi, à vontade como se estivesse em campo, mostrou com um drible que, quando um jogador quer, o contrato vale tanto quanto um simples guardanapo.
Na última segunda-feira (24), Messi enviou um “burofax”, documento burocrático que serve como prova judicial na Espanha, comunicando sua decisão de ativar a cláusula que lhe permite sair ao final de cada temporada de acordo com o contrato que assinou em 2017 e que venceria em 2021. E se recusou a renovar apesar do interesse do presidente do Barcelona, Josep Maria Bartomeu. Em termos práticos, isso pode acontecer assim que os trâmites legais na Fifa forem finalizados. O que pode demorar em média, até três semanas. Em tese, poderia estar apto para a primeira rodada do Campeonato inglês, com a camisa do Manchester City. Restaria ao Barcelona apelar à mesma Fifa, ou ao Tribunal Arbitral do Esporte, para pleitear uma indenização.
“Essencialmente depende de dois fatores: a redação da cláusula e o foro em que o eventual litígio seja apreciado. Essa cláusula ou se refere 10 de junho ou ao término da temporada. Se for ao fim da temporada, deveria favorecer ao atleta”, analisa o advogado Victor Eleutério, especialista em direito esportivo.
No documento enviado, Messi explica que não comunicou sua intenção de deixar o clube no dia de junho por causa da pandemia do novo coronavírus, que forçou a mudança das datas do fim da temporada europeia – concluída em 23 de agosto com a final da Liga dos Campeões.
O Barcelona entende que a cláusula de liberação expirou em 10 de junho e, portanto, Messi tem um contrato em vigor até 30 de junho do ano que vem, com uma cláusula de rescisão de 700 milhões de euros.
Messi usaria o artigo 17 do Regulamento de Status e Transferência da Fifa, que fala sobre as consequências de terminar um contrato sem justa causa e ressalta o custo de encerrar o vínculo unilateralmente.
O artigo 17 foi introduzido no regulamento da Fifa em 2001 depois que a Comissão Europeia ressaltou que as transferências não cumpriam as regras da União Europeia, pois prejudicaria a liberdade de circulação dos jogadores dentro da comunidade europeia em comparação a outros trabalhadores. Assim, passou a ser permitido que um jogador rescindisse o contrato em até 15 dias após a temporada acabar, contato que tenha cumprido três anos de contrato, se o atleta assinou antes dos 28 anos de idade, ou dois anos, se o atleta assinou depois de ter completado 28 anos. A rescisão dentro do “período protegido” acarreta, além das sanções financeiras, sanção esportivas ao atleta (de quatro a seis.
“Essa questão deve ser decidida no âmbito das competências de julgamento das matérias afetas aos contratos de trabalho de atletas profissionais na Espanha, porém a depender da estratégia especialmente do Barcelona, isso pode de alguma forma ser levado ao comitê de resolução de litígios da FIFA e consequentemente ao CAS”, afirmou o especialista em direito esportivo Cristiano Possídio.
Em casos em que o artigo 17 é usado, quem decide o valor a ser pago para o clube que perde o jogador é a Fifa. Na ocasião, a entidade que comanda o futebol mundial leva em consideração a lei do país em que o jogador atua, o salário e os benefícios que ele receberia durante o restante do contrato e o valor gasto pelo clube que está perdendo o jogador.
E é o caso de um jogador brasileiro que serve como baliza para estabelecer a indenização que Messi e seu novo clube deverão pagar ao Barcelona. Matuzalém trocou o Shakhtar Donetsk-UCR pelo Zaragoza-ESP, em 2007. O clube ucraniano queria 25 milhões de libras em compensação. A Fifa estipulou a multa em 5,4 milhões de libras. No CAS, o Shakhtar conseguiu que a multa fosse elevada para 9,5 milhões de libras. Esse caso mostrou que cada situação será julgada conforme as circunstâncias específicas.
Embora seja improvável, até pela idade de Messi, há a possibilidade de punição esportiva ao argentino.
“Eu acho que se for considerada a ausência de justa causa para a rescisão do contrato por Messi, pode haver sanções desportivas que incluem a restrição de jogar partidas oficiais”, justifica o advogado Cristiano Possídio.
A renda média anual de Messi ao longo de seu contrato é estimada em mais de 106 milhões de euros, incluídos aí salários, bônus por metas e ganhos publicitários através de direitos de imagem, tudo pago pelo Barcelona.
“Acredito que não será impedido até mesmo pelo livre exercício da profissão. A Fifa, muito provavelmente, precisará intervir para definir a própria situação do ITC (Certificado de Transferências Internacionais), através do Player Status Committee, que é o comitê competente para avaliar essa questão. Assim o jogador pode ter o seu registro liberado, qual seja a decisão futura que venha a implicar no resultado do litígio. Com a causa ganhando dimensão internacional, especialmente pelo envolvimento de um clube de outro país, ao que tudo indica, esse será o momento que o Barcelona vai ter mais liberdade para discutir a incidência do artigo 17 do RSTP e a possível compensação financeira que deva receber caso se confirme a violação contratual” analisa a advogada especialista em direito esportivo Fernanda Chamusca.
Assim, após vestir a camisa blaugrana em 731 jogos profissionais, com 513 vitórias, 135 empates e balançado as redes adversárias por 634 vezes, uma das 83 derrotas de Messi, o 8 x 2 na semifinal da Liga dos Campeões diante do Bayern de Munique-ALE, colocará um fim na história entre o camisa 10 e o clube espanhol.
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