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Entenda o que deve acontecer no caso Fred contra Atlético-MG

A derrota do Atlético-MG no caso de Fred atingiu também a CBF e toda a ideia de autonomia jurídica que o movimento esportivo busca ter.

A Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF foi criada em 2015 para dar celeridade e trazer mais conhecido às demandas jurídicas que envolvem o esporte. Dentre as atribuições previstas no Estatuto, também está a competência para julgar questões contratuais entre clube e atleta.

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É o caso de Fred e sua saída do Atlético Mineiro.

Os clubes tinham acordado em levar a questão da multa pela saída para o CNRD. Mas o jogador não aceitou a decisão do pagamento de multa. Então, ele entrou na Justiça do Trabalho alegando que a Câmara não tem competência para julgar um caso que envolve uma relação de trabalho.

A questão agora é de competência. E passa a ser importante esclarecer algo: a autonomia das entidades esportivas prevista no artigo 217 da Constituição Federal diz respeito a organização e funcionamento. O debate passa a ser se essa autonomia permite às entidades também decidir sobre questões contratuais de trabalho ou se, como os direitos trabalhistas são indisponíveis, a competência é exclusiva da Justiça do Trabalho.

A discussão promete ser boa. Até porque o Estatuto da CBF e da Fifa determinam punição desportiva forte – como rebaixamento – a clubes que não respeitam decisões do esporte e recorrem ao Poder Judiciário.

E toda essa discussão poderia ser evitada se o PL 68/2017, que cria a nova Lei Geral do Esporte, já tivesse sido discutido e aprovado. Entre outras questões importantes, ele prevê a arbitragem para matérias trabalhistas dentro do movimento esportivo brasileiro.

Entenda tudo o que está em jogo e o que pode acontecer com Thiago Braga, que conversou com especialistas sobre o assunto.

 


 

Paul McCartney e John Lennon escreveram 300 músicas juntos. Segundo Paul, não houve uma canção sequer que não tenha sido começada e finalizada no mesmo dia. Para o Beatle, o fato de o processo ser feito em dupla ajudava na hora de resolver a tradicional falta de criatividade que costuma atingir escritores em geral. Com bom senso, a dupla mais famosa da música mundial terminava a letra de forma conjunta. Consenso é o que está faltando para Atlético-MG e Fred. O clube tenta receber do atacante R$ 10 milhões por ele ter trocado o Galo pelo rival Cruzeiro.

Na última segunda-feira (8), a Justiça do Trabalho decidiu parar a arbitragem entre as partes na Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF. A defesa de Fred alega que a CNRD não tem competência legal para julgar o caso. Enquanto não sai uma decisão definitiva, o pagamento da multa está suspenso.

“O que a gente tem aí é uma negociação que, ao meu ver, não traz, estabelece, uma relação de hierarquia ou de vantagem e desvantagem entre empregado e empregador. Então, nesse contexto, eu entendo que as partes poderiam, sim, combinar e negociar livremente o foro competente, ainda que não fosse na Justiça do Trabalho, que fosse a CNRD. E ambas as partes aceitaram. E ambas as partes foram até a CNRD. E como o Fred não teve sucesso, ele resolveu ‘rasgar’ a combinação que eles fizeram na eleição do foro competente e vai à Justiça do Trabalho para anular a decisão que lhe foi desfavorável”, analisa o advogado Gustavo Lopes Souza, especialista em direito esportivo.

No acordo de rescisão entre Fred e Atlético-MG, ficou decidido que, se ele quisesse atuar pelo Cruzeiro, deveria pagar R$ 10 milhões. O atacante exigiu que o clube celeste assumisse o débito para fechar com o Cruzeiro.

A questão agora, avaliam os especialistas ouvidos pelo Lei em Campo, é processual. O juiz do Trabalho substituto Adriano Marcos Soriano Lopes, da 13ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, quer entender se a CNRD tem ou não competência para julgar o caso. Essa é a alegação dos advogados de Fred, que também não concordam com a multa porque ela não estaria presente no contrato especial de trabalho, aparecendo apenas na hora do distrato.

“A CNRD, no regimento, traz, entre suas atribuições legais, [a possibilidade de] julgar demandas trabalhistas desde que ambas as partes concordem com o rito, que é o que acontece com o caso Fred. Por outro lado, a legislação brasileira só permite decisões fora do Judiciário, pela lei de arbitragem, de questões, elementos, matérias disponíveis, sobre as quais as partes podem dispor. Questões patrimoniais, basicamente. Por uma interpretação constitucional, a relação de trabalho e os direitos trabalhistas são inegociáveis, não são disponíveis. Então, por essa linha, a CNRD careceria, sim, de competência para poder julgar demandas trabalhistas”, esclarece Gustavo Lopes Souza.

O contrato de rescisão entre Fred e Galo previa que a dívida passaria a valer um dia útil depois do registro do atacante no Boletim Informativo Diário (BID) da CBF, o que aconteceu em 16 de janeiro de 2018.

“Considerando a iminência do transcurso do prazo recursal no processo arbitral (que vence na presente data), concedo a tutela provisória cautelar antecedente, para determinar liminarmente a suspensão do andamento do Processo Arbitral”, disse o magistrado em sua decisão.

Em geral, a Justiça do Trabalho não vê com bons olhos que demandas trabalhistas sejam julgadas por cortes arbitrais.

“A Justiça do Trabalho tem muito preconceito com arbitragem. A arbitragem é vista na Justiça do Trabalho como algo em que essa discrepância entre empregador e empregado fica ainda maior do que ela já é na realidade. Então existe certo ranço dos juízes do trabalho com qualquer tipo de arbitragem que envolva questão trabalhista. Mesmo que fosse uma questão como essa, de contrato de trabalho de atleta profissional”, avalia o advogado especialista em direito constitucional Daniel Falcão.

Não dá para saber ao certo qual será a decisão que a Justiça vai tomar no caso. “Existe interpretação para os dois lados. Tanto que a Justiça do Trabalho tem a competência única e exclusiva para toda e qualquer demanda trabalhista. E há também a interpretação no sentido da negociabilidade de questões laborais. A nova realidade da negociabilidade surge bastante forte com a reforma trabalhista”, diz o advogado Gustavo Lopes Souza.

Para decidir quem tem razão, antes é preciso estipular qual era o nível da relação entre Fred e Atlético-MG.

“Quando o Fred decide sair do Atlético-MG, em comum acordo, o Atlético-MG, querendo ficar ‘livre’ do alto salário dele, ele querendo ir para o mundo árabe ganhar mais dinheiro, o Atlético-MG diz que abriria mão da multa que o Fred teria de pagar desde que ele não fosse para o rival. Se fosse para o rival, não abriria mão da multa. O Fred não era o hipossuficiente na relação. Ele não era o mais fraco na relação. A relação era equilibrada. De um lado está o Atlético-MG como empregador, e do outro o empregado, com um baita salário, com independência financeira por tudo que já ganhou na vida, e almejado por muitos clubes. Ele tinha um mercado todo”, analisa Gustavo Lopes Souza.

Sem receber os R$ 10 milhões, o Galo entrou com cobrança na CNRD. O órgão condenou Fred a pagar a multa no dia 11 de dezembro de 2018. O Cruzeiro é responsável solidário pela quitação do valor.

Mas o caso poderia estar resolvido sem todo esse imbróglio se a Lei Geral do Esporte já tivesse sido aprovada.

“As controvérsias decorrentes das disposições constantes deste capítulo, inclusive as advindas da relação de emprego, poderão ser resolvidas de forma definitiva através de métodos alternativos de resolução de conflitos, incluindo arbitragem ou mediação. A adoção da arbitragem e da mediação constará de cláusula compromissória presente na respectiva avença, inclusive no contrato especial de trabalho esportivo, ou em disposição presente em convenção ou acordo coletivo”, prevê o artigo 99 do PLS 68/2017, que tramita no Congresso e tem relatoria do professor Wladimyr Camargos, colunista do Lei em Campo.

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