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Entre a fé e o esporte – o uso do véu islâmico em competições

Imagine você, sendo atleta, prestes a disputar um mundial ou uma olimpíada, tendo que optar entre a fé e o esporte. Essa não foi uma escolha apresentada a um ou dois atletas. Nem um problema que apareceu em determinado esporte. Esse é um conflito permanente no mundo esportivo. O bom é que o esporte vem apresentando boas soluções.

As mulheres muçulmanas usam o hijab, um véu islâmico que cobre cabelo e pescoço. No dia a dia e também na prática esportiva. No Irã, por exemplo, o uso do véu pelas mulheres que se expõem publicamente é uma imposição do ordenamento jurídico. E isso trouxe inúmeros problemas às federações esportivas do país. No futebol, no judô, no basquete, no boxe.

O problema é que regras esportivas de várias modalidades vedavam o uso do hijab em competições, alegando que ele poderia comprometer a saúde dos atletas, aumentando o risco de lesões na cabeça e no pescoço. O cenário esportivo ajudava a afastar ainda mais as mulheres muçulmanas de competições esportivas internacionais. De novo, um conflito entre Lex Sportiva e Direitos Humanos.

Em 2011 a seleção de futebol feminino do Irã foi eliminada das eliminatórias para os jogos olímpicos de Londres 2012 porque as atletas se recusaram a tirar o hijab na partida contra a Jordânia. A decisão da FIFA repercutiu, e várias entidades muçulmanas, além de outras de direitos humanos, como também atletas, se uniram em uma campanha chamada “Let us play”.

Com o auxílio da tecnologia, os véus foram adaptados à prática esportiva, diminuindo a força dos argumentos daqueles que defendiam que ele era perigoso e ameaçava a saúde dos atletas. A FIFA cedeu e, em 2014, anunciou que permitiria o hijab em competições nacionais.

Na esteira do futebol, outros esportes acabaram cedendo. A muçulmana Bilquis Abdul-Qadir se tornou a primeira mulher a competir com o hijab no basquete universitário americano; um pouco depois, a Federação Internacional de Basquete também permitiu o uso em competições profissionais.

Essa decisão veio logo após a disputa de um jogo de basquete feminino no Irã em que as mulheres utilizaram hijab, já que foi a primeira vez na história do esporte do país em que homens puderam ir ao ginásio para assistir a um jogo disputado por mulheres.

E a cultura do esporte vem mudando depois dessas decisões. Em Londres 2012, pela primeira vez mulheres da Arábia Saudita e do Catar puderam participar dos Jogos Olímpicos. Na Rio 2016, Ibtihaj Muhammad foi a primeira atleta americana a competir com o véu. Ganhou medalha de bronze na esgrima e subiu ao pódio de hijab.

Também no Rio uma imagem de um jogo de vôlei de praia que nem valia medalha ganhou destaque em todo o mundo. Na partida entre a seleção da Alemanha e a seleção do Egito, uma foto mostrou a disputa entre a alemã em trajes de praia e a egípcia com roupas cobrindo todo o corpo. Foi a primeira vez que o Egito participou da modalidade nos Jogos Olímpicos.

No ano passado, uma boxeadora muçulmana dos Estados Unidos também conseguiu permissão para lutar em competições nacionais vestindo o hijab. Ela busca agora a permissão internacional.

Esse não é um problema apenas em competições. Na Europa ele é muito maior. A proibição de véus islâmicos que cobrem o rosto em lugares públicos na Bélgica, que vale para todo o país desde 2011, não infringe nenhuma lei. Foi essa a decisão tomada no dia 11 de julho do ano passado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, corte da Europa que segue uma convenção em comum para as questões de direitos humanos em 47 países.

A sentença segue a mesma linha de uma série de decisões judiciais (inclusive no próprio Tribunal Europeu de Direitos Humanos) e leis europeias nos últimos anos.

Mas o esporte tem tomado caminho contrário. Segundo o advogado e escritor Vinicius Calixto, no livro “Lex Spottiva e Direitos Humanos”, “a retirada da proibição do uso do hijab é inegavelmente uma ação que tem consequências práticas no caminho da inclusão no esporte e vai ao encontro dos princípios olímpicos de não discriminação e da prática do esporte como um direito humano”.

Ou seja, hoje a Lex Sportiva e os Direitos Humanos parecem caminhar na mesma direção com relação ao hijab. Ao conciliar a fé com a prática esportiva, o esporte dá um bom exemplo para a sociedade de como é possível, com diálogo, bom senso e flexibilidade, encontrar boas soluções também para importantes conflitos da nossa sociedade.

Mais sobre o caso no livro do professor Vinicius Calixto “Lex Sportiva e Direitos Humanos”.

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Imagem: Estadão

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