No último dia 12 de setembro de 2020, jornais de todo o mundo noticiaram a morte do atleta Navid Afkari, um lutador iraniano que recebeu duas sentenças de morte em seu país.
Ainda que a condenação do atleta a uma pena capital, sem a realização de um processo justo, tenha sido questionada por diversos organismos internacionais, dentre os quais se destaca o Comitê Olímpico Internacional, a execução acabou ocorrendo, para espanto de todos os envolidos nessa luta em prol da defesa dos Direitos Humanos.
Fato é que o lutador de 27 anos e seus irmãos, Vahid e Habib Afkari, paticiparam de protestos na República Islâmica do Irã, em agosto do ano de 2018 e foram considerados culpados por “travar uma guerra contra Deus” e “formar um grupo contra o sistema político”. Enquanto seus irmãos foram condenados a receber chibatadas, além de 54 e 27 anos de prisão, respectivamente, Navid Afkari recebeu a sentença de morte, pela acusação de ter assassinado um policial.
De acordo com relatos de organizações defensoras dos Direitos Humanos, todos os três fizeram confissões forçadas sob tortura, após a ocorrência de protestos contra a liderança iraniana em várias cidades do país, quando centenas de manifestantes se reuniram em Teerã, Shiraz, Karaj e Qom para protestar contra o aumento do custo de vida, contra o governo e contra a corrupção que assola o país.
Quanto ao assassinato do qual apenas Navid foi acusado e condenado, houve apenas um testemunho de uma única pessoa que não demonstrou ter exata certeza daquilo que viu.
Que consequências sofrerá o Irã, após a morte do atleta, caso seja comprovado o desrespeito aos Direitos Humanos?
O Comitê Olímpico Internacional se pronunciou após a confirmação da execução do lutador e, em nota, se declarou em choque com a execução, embora tenha afirmado que respeita a soberania do Irã.
Fato é que a Carta Olímpica https://www.olympic.org/documents/olympic-charter, ao listar os Princípios Fundamentais do Olimpismo, nos informa que o objetivo desse movimento é colocar o esporte a serviço do desenvolvimento harmonioso da humanidade, com vistas a promover uma sociedade pacífica e preocupada com a preservação da dignidade humana.
E que essa ação organizada, universal e permanente, realizada sob a autoridade do Comitê Olímpico Internacional, chamada Movimento Olímpico, atinge seu auge com a união dos atletas de todos os países quando da realização desse grande festival esportivo que ocorre a cada 4 anos e que chamamos de Jogos Olímpicos. Não sem razão, seu maior símbolo está representado por cinco anéis entrelaçados significando a união entre os povos, todos incluídos sob o mesmo espírito da amizade, da solidariedade e da prática do jogo limpo.
Portanto, a regra é a inclusão de um país no programa dos Jogos. Isso porque é de se imaginar que, para uma organização cuja aspiração é justamente organizar algo dessa magnitude, sob a máxima da dimensão universal que tem o esporte, um dos maiores riscos, a ser permanentemente evitado, é o de que o caráter inclusivo dos Jogos venha a ser constestado.
Porém, a mesma Carta Olímpica que congrega os povos a se unirem em torno desse objetivo comum, estabelece que a participação de qualquer país ou competidor está sujeita à aceitação pelo Comitê Olímpico Internacional, que pode, a seu critério e a qualquer momento, recusar qualquer entrada, sem indicação de fundamentos. Assim, chegamos à conclusão de que essa matriz de riscos leva em consideração ainda que, para além do desejo de que todos os países participem dos Jogos, outros princípios merecem ser considerados para tal inclusão, dentre os quais se destaca o da dignidade da pessoa humana.
Assim, além das sanções financeiras, como a suspensão ou cancelamento de qualquer forma de apoio financeiro por parte do Comitê Olímpico Internacional, o Irã poderá vir a sofrer uma pena de suspensão ou de exclusão do programa dos Jogos Olímpicos, assim como qualquer outro país que venha a violar as regras da Carta Olímpica, do Código Mundial Antidopagem ou de quaisquer outros regulamentos a serem observados por todos os participantes do Movimento Olímpico.
Na medida em que o potencial humanista do Olimpismo reside no fato de que permite o desenvolviemnto através do esporte que é em si um lugar para a realização humana, razoável que as medidas punitivas possuam ainda um efeito educativo e potencializador de mudanças no país penalizado. Ainda que a autonomia dos entes do Movimento Olímpico mereça ser respeitada, tal salvaguarda se refere à autonomia para organização do esporte, cujo norte deve ser a Carta Olímpica e os princípios que a fundamentam, dentre os quais os Direitos Humanos se impõem.
Por tal razão é que já nos Jogos da Antuérpia, em 1920, a Alemanha, Áustria, Bulgária, Turquia, Hungria, Romênia e Polônia foram excluídos dos Jogos Olímpicos, pois considerados culpados pela I Guerra Mundial, ocorrida no período entre 1914 e 1918. Do mesmo modo, foi penalizado o Afeganistão, excluído dos Jogos de Sidney 2000, tendo em vista a proibição imposta às mulheres daquele país quanto à prática esportiva, como imposto pelo Talibã, que assumiu o país em 1996.
O apartheid que excluía cidadãos negros sul-africanos também deixou a África do Sul fora dos Jogos Olímpicos pelo período de 1964 até 1992, quando finalmente o país voltou a fazer parte do programa dos Jogos de Barcelona 92, também serve de parâmetro para a situação atual do Irã.
Além dos acima citados outros acontecimentos históricos apontam a preferência do Comitê Olímpico Internacional pelos Direitos Humanos superando até mesmo o seu compromisso com a inclusão dos povos, o que, a despeito do que venha a acontecer com o Irã, nos leva a defender o correto entendimento dos valores universais do Olimpismo pelo seu potencial para abrir caminhos que vão muito além da melhoria da gestão dos esportes olímpicos, incentivando, inclusive, o real exercício da democracia e da cidadania que dela nasce.
Assim, apesar de todas as controvérsias que envolvem o Movimento Olímpico, suas sanções e as mudanças delas advindas podem e devem ser utilizadas como instrumentos para melhorias regulatórias do setor com reflexos civilizatórios pelos quais vale a pena lutar, como seguiremos debatendo nos próximos ensaios.