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Entre o futebol de rua e a final em jogo único

Há quem diga que a final da Copa Libertadores disputada em campo neutro e jogo único é celebrada pelo negócio do futebol e lamentada pelos torcedores de arquibancada. Pra quem pensa assim, é um pecado que os encantadores times de Jorge Jesus e Marcelo Gallardo não decidam o título mais importante do continente nos míticos gramados do Maracanã e do Monumental de Núñez.

Na final única, com 12.500 ingressos disponíveis pra cada time, Flamengo e River deixam suas casas com média de público de 50.000 torcedores por jogo pra dividirem metade dessa capacidade. Perguntamos: no caminho sem volta da modernização (ou, monetização) do futebol, estarão contados os dias do foguetório, do batuque e do buzinaço? Longe da base que nos alimenta, vamos nos reconhecer e nos empolgar sem eles?

Na contramão do inevitável, e do outro lado do oceano – em uma zona pobre de Dakar – a liga organizada entre os bairros empolga mais do que o campeonato nacional da Federação Senegalesa de Futebol.

Durante a estação das chuvas e o recesso da FSF, três mil e quinhentas equipes, com não menos de quinhentos mil filiados se organizam na maior festa popular da região. Quanto maior a urbanização da cidade, mais forte se tornou a associação de pessoas que organizam, desde a década de 60, a liga que teve como primeiro prêmio um troféu, um lote de café, leite e laranjas.

Além da má trajetória internacional, por lá, o futebol institucional não dá ibope por um sem número de motivos. Arbitragem duvidosa, partidas anuladas, equipes boicotadas. Ao organizar a própria festa, a juventude senegalesa se apropria do território urbano, e forja uma identidade coletiva de rua e bairro. Gente que, pelo compromisso voluntário de muitas pequenas mãos, naquele momento se apropria também das próprias condições de vida.

Ali, na periferia que pelo resto do ano é conhecida por ser dormitório de quem trabalha em outros cantos, durante os jogos quem dormia se desperta, e as ruas são controladas por aqueles que vivem nela.

Nos jornais regionais, notícias sobre as tensões das partidas, o entusiasmo da multidão, e o colorido uniforme dos espectadores devolvem ao futebol sua vocação original. Coincidência ou não, dentro de campo também se aposta mais no jogo coletivo, menos no individual. Ganham pelo destaque do conjunto.

Há um tempo, li que um estudo apurou por que mudamos nossa forma de jogar. Falava do futebol brasileiro. Entre um sem número de motivos, disse que com o avanço imobiliário, ficaram escassos os campos, as peladas, as ruas. Eram importantes as ruas. Eram elas que ensinavam o sujeito a cooperar, e ao mesmo tempo resolver o jogo com um movimento imprevisto no momento crucial. Ensinavam também que, no asfalto quente, só sendo muito valente pra cair. Por isso, era grande o esforço pra ficar de pé.

Hoje, a gente procura um pouco disso ou daquilo lá no estádio. Em gente nascida e criada na grama. Além do jogo, e gente procura também a festa. De preferência, feita por todo mundo. Agora que estão levando ela pra longe, será que vamos mudar também?

Referências

CORREIA, Mickael. Una Historia Popular Del Fútbol.

El País: Flamengo x River, o pecado do jogo único entre dois times fabulosos.

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