Por Ligia Saad e Luiz Otávio de Almeida Lima e Silva
Em 3 de abril de 2019, foi promulgada, na cidade de Santos, a Lei Municipal 3.531, de autoria do vereador Rui de Rosis, que dispõe sobre a obrigatoriedade de premiação igual entre gêneros nos eventos e competições esportivas. O texto se refere tanto às premiações em dinheiro quanto às simbólicas e se aplica a provas ou competições equivalentes.
O bom senso nos leva a crer que se trata de uma medida justíssima – para não dizer óbvia –, e ainda há quem se questione como, em pleno século XXI, seja necessário que o município tenha de intervir na observância de uma prática que deveria ser natural. Por outro lado, de acordo com o artigo 217 da Constituição Federal, entidades e associações privadas têm autonomia para organizar as competições esportivas.
Sendo assim, ao regular o tema das premiações, a nova lei do município santista pode ser considerada inconstitucional? Na nossa avaliação, uma interpretação possível é que, em situações nas quais o ente público atue como copartícipe na organização dos eventos esportivos, caberá a ele regulá-los, respeitando-se as regras das instituições privadas.
Os mais críticos poderiam entender que a imposição para igualar as premiações entre homens e mulheres poderia gerar enfraquecimento do esporte feminino, uma vez que tais competições, atualmente, não geram para os investidores e patrocinadores o mesmo retorno financeiro que as competições masculinas. Felizmente, crenças e comportamentos sociais tendem a ser revisitados e a evoluir com o passar dos anos.
O mundo globalizado e as redes sociais disseminam com incrível velocidade novas referências, desde as mais superficiais até as mais estruturantes. O que antes era aceito como brincadeira hoje não é mais tolerado. Assim ocorre com a prática esportiva feminina – muitas empresas entenderam que o sucesso dos seus negócios está conectado não apenas com a excelência de seus produtos, mas também com seu posicionamento de marca perante seus consumidores e toda a população.
A forma como uma empresa se relaciona com as comunidades nas quais está inserida e a maneira como se posiciona diante de temas caros à sociedade podem representar sua ascensão ou seu fracasso. O Guaraná Antártica é o novo patrocinador da seleção brasileira de futebol feminino e aproveitou esse fato para divulgar campanhas publicitárias incentivando outras empresas a fazê-lo, deixando clara a estratégia de que quer ser reconhecido pelo consumidor como uma marca protagonista na valorização e no incentivo da diversidade e da equidade de gênero no esporte. Certamente, busca com isso ampliar seu mercado consumidor, pois entendeu que existe uma demanda social por novas referências.
O Boticário anunciou que vai liberar todos os seus funcionários nos horários dos jogos da seleção durante a Copa do Mundo de Futebol Feminino. Com a mensagem, a empresa também comunica que equidade de gênero é um valor importante a ser praticado, já que o que é regra para um evento esportivo masculino deve ser praticado igualmente para sua versão feminina.
O que a promulgação da lei santista e esses posicionamentos de empresas como Guaraná Antártica e O Boticário têm em comum? Ambos, poder público e iniciativa privada, têm se mostrado atentos ao responder demandas por novos modelos mentais que sejam capazes de influenciar uma mudança efetiva nas dinâmicas sociais. Valores como tolerância, diversidade e equidade são não apenas desejáveis – estão se tornando fundamentais para a sobrevivência das empresas e para a manutenção da popularidade de governos, em todas as esferas de poder.
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Ligia Saad é mestre em gestão e políticas públicas pela FGV-SP.
Luiz Otávio de Almeida Lima e Silva é advogado e sócio fundador do escritório Bresciani & Almeida Sociedade de Advogados.