Todo debate é importante – e salutar. Ainda mais quando falamos de algo ainda pouco debatido no movimento esportivo: legislação e modernização da gestão no esporte.
Agora, qualquer movimento precisa ser tratado com cuidado. E debatido com especialistas, e com o movimento esportivo. É preciso respeitar o ordenamento jurídico, com seus princípios constitucionais e também de direito esportivo.
Existe um debate para criar uma lei que facilite a vida de clubes que decidirem se tornar empresa no futebol. O que foi colocado em pauta nessa ideia abraçada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia traz, – entre outros pontos questionáveis já abordados aqui –, uma questão que assusta especialistas: atletas que ganham mais de R$ 10 mil não precisarão ter a carteira de trabalho assinada.
Ou seja, um clube poderá ter jogadores com regimes distintos de contratação.
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Isso é viável? Não seria inconstitucional esse tipo de contrato? Isso não implicaria risco de uma avalanche de processos trabalhistas contra os clubes?
O Thiago Braga conversou com especialistas e traz as respostas.
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Nesta terça-feira (17), em Brasília, haverá mais uma reunião entre clubes e o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ). Na pauta estará a discussão de pontos do projeto que pretende facilitar a transformação de clubes de futebol em empresas. Quase dois anos depois da reforma trabalhista, o projeto pode trazer uma mudança significativa na relação entre atletas e os clubes.
Se aprovado, o atleta que receber mais de R$ 10 mil mensais não precisará mais de registro na carteira do trabalho. Bastará ter um contrato entre as partes de acordo com o Código Civil.
“É um absurdo essa proposta. O Direito do Trabalho tem princípios que tornam isso nulo. A própria Constituição da República impede que seja válida essa proposta. Não são apenas atletas, mas membros das comissões técnicas também. Teríamos num clube médicos que atendem associados admitidos pela CLT e outros que são de membros de comissões técnicas autônomos. Se aprovado, muitos atletas e esses outros empregados vão propor reclamações trabalhistas com grande chances de êxito”, dispara o advogado trabalhista Domingos Zainaghi.
O medo dos clubes é de que, após a entrada em vigor do projeto, uma enxurrada de ações sejam propostas por causa de a medida ser considerada inconstitucional. Para Zainaghi, a Carta Magna brasileira já prevê a inconstitucionalidade desse artigo do PL.
“O caput do artigo 7 da Constituição afirma que, além dos direitos ali previstos, só podem ser criados outros que melhorem a condição social do trabalhador. Por isso, entendo que sim [é inconstitucional], inclusive fere o princípio da dignidade humana e valorização social do trabalho”, defendeu Zainaghi.
Coautor do projeto, o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) argumenta que a questão ainda não está totalmente definida.
“Isso é um caso que ainda estamos estudando, mas a tendência é deixar livre negociação. Não se trata de fim de direitos trabalhistas, mas de se discutirem alternativas para se permitir a liberdade de pactuação de regras contratuais em transações que em alguns casos envolvem dezenas de milhões de reais”, argumentou o parlamentar.
Na semana passada, os presidentes de Vasco, Fluminense, São Paulo, Palmeiras, Bahia, Internacional, Chapecoense, Vila Nova, Luverdense e Brusque estiveram reunidos na sede da CBF para debater o projeto. Mas as dúvidas em relação às questões trabalhistas permaneceram. Até porque é preciso definir se R$ 10 mil mensais tornam o atleta hipersuficiente em relação ao clube.
“A regra é que a natureza de um contrato civil é diversa da trabalhista. Nos contratos cíveis, as partes estão em igualdade de condições na negociação. Já os contratos de trabalho presumem a fragilidade do trabalhador. Ao meu ver, o fato da previsão de assistência de advogado neste momento não altera essa condição de fragilidade do empregado”, esclarece a advogada Luciane Adam, especialista em direito trabalhista.
Outro questionamento versa sobre ter mais um dispositivo que reja as condições dos trabalhadores no país e como isso implicaria na relação entre jogadores e clubes.
“Historicamente a duplicidade de regimes não funcionou no Brasil – por exemplo, estatutários e celetistas no serviço público de um modo geral. Creio que não é saudável manter regimes jurídicos distintos para trabalhadores fazendo o mesmo e no mesmo local, lado a lado. Portanto, acho que é necessário amadurecer e discutir muito a ideia e o projeto”, pontua o juiz do Trabalho titular da 13ª Vara do Trabalho do TRT do Rio de Janeiro, Ricardo Miguel.