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Esporte eletrônico é esporte na França, mas no Brasil não?

Uma semana após a Nova Ministra do Esporte, Ana Moser, dizer que entende que “o esporte eletrônico é uma indústria de entretenimento, não é esporte” e comparar a atividade de um jogador profissional ao de cantores como Ivete Sangalo: “também treina para dar show e ela não é atleta da música”, a França anunciou a criação de visto especial para atletas de esports.

O anúncio do visto que facilitará a contratação de atletas por equipes francesas foi feito pela Ministra dos Esportes da França, Amélie Oudéa-Castéra, que também anunciou medidas para apoio à prática amadora do esporte eletrônico, remoção de obstáculos ao esporte e a realização de grandes eventos.

A França tem se destacado desde 2016 por entender a diferenciação entre a indústria dos games e dos esportes eletrônicos e dar, a cada uma, o apoio – não necessariamente financeiro – essencial para o desenvolvimento dessas atividades econômicas.

A diferença entre a abordagem deste mercado entre o Brasil e a França passa apenas por uma questão conceitual do que é esporte? 

É o que será analisado neste eSports Legal.

CONCEITO DE ESPORTE – O MENOR DOS PROBLEMAS

Na última semana li inúmeros textos de opinião tentando explicar que esport é/não é esporte, mas é visível que quase todos eles tinham algo em comum: a pessoa já tinha um pré-conceito sobre o assunto e apenas procuraram os argumentos que melhor lhe cabiam.

Anteriormente, nesta mesma seção, tentei em diversos textos convencer o leitor de que esport é esporte, mas a partir de certo momento percebi que esse conceito é carregado de tamanha paixão e tanta subjetividade, que meu foco dos meus argumentos passou a ser sobre a aplicação da legislação esportiva, sendo ou não esporte.

Isso porque, após ler o trabalho de Blaise Pascal, percebi que o seu conceito de Justiça cabe perfeitamente ao que é esporte: nada, com base apenas na razão, é esporte por si.

Ainda parafraseando Pascal, esporte pode ser aquilo que o legislador impõe pela sua autoridade; aquilo que é cômodo para o soberano; ou determinado pelo costume. 

O Comitê Olímpico Internacional, por exemplo, está no processo de incluir modalidades de esports no Movimento Olímpico por claro interesse econômico, para atrair a parcela mais jovem da população. Quando isso acontecer, a natureza dessas modalidades não vai ser alterada. Vai ser exatamente a mesma modalidade! Mas de um dia para o outro passará a ser esporte olímpico, pois é cômodo ao COI.

O conceito de esporte também é mutável pelo tempo: hoje em dia é inconcebível para a esmagadora maioria da população considerar esporte uma modalidade cujo objetivo é levar o oponente até a morte. Mas, em Roma, Gladiadores já foram ovacionados.

É impossível definir o que é esporte. Para chegar a uma resposta infalível, a pergunta não pode ser “o que é esporte?”, é necessário algo a mais, é necessário perguntar “o que é esporte para ‘pessoa X’?”.

Claramente para Ana Moser – pessoa física – os eSports não são esporte e até aí não há problema algum, é seu direito à subjetividade. Mas erra ao externalizar e impor este entendimento como ministra do esporte, pois passa a ser potencialmente o entendimento do Estado Brasileiro.

PRECISA SER ESPORTE?

Os efeitos de uma pessoa física dizer que esporte eletrônico não é esporte se limitam a uma discussão de bar, porém quando o Estado diz que o esporte eletrônico não é esporte, os efeitos são muito maiores.

O Estado Brasileiro edita leis especiais para que sejam aplicadas em atividades em que a lei geral não se encaixa. Dessa forma, ao dizer que esporte eletrônico é x ou y, a Ministra está também influenciando em qual conjunto legislativo será aplicado ao esporte eletrônico.

O mercado esportivo-eletrônico se comporta de forma muito similar ao mercado esportivo do futebol, por exemplo. Guardadas poucas exceções – que toda modalidade tem – as relações jurídicas no contexto do esport e do futebol são praticamente idênticas. 

Destaca-se que, no judiciário, já se constrói jurisprudência há quase uma década que entende que os contratos são realmente esportivos, um exemplo de decisão: 

O co-requerido foi contratado como “cyber-atleta”, sendo que, conforme narradona inicial, a principal modalidade de jogos da equipe Autora é a denominada “League of legends”,organizada pela Riot, a qual organiza e gerencia os campeonatos.

A situação em muito se assemelha aos contratos de jogadores de futebol, contratados para disputar campeonatos por determinadas equipes.

Note-se, inclusive, que, no caso em questão, a contratação do corréu como “reforço” da equipe foi anunciada com destaque pela requerente, conforme narrado na própria inicial.

E, em tais situações, é pacífico o entendimento de que se trata de relação jurídica oriunda de relação de trabalho, cuja competência é da Justiça do Trabalho.

Por essa razão, atualmente, a aplicação da legislação esportiva é vital para a própria existência do esporte eletrônico. Desde o contrato especial de trabalho desportivo celebrado entre o jogador profissional e a entidade de prática desportiva até o direito de transmissão livre dos “radinhos”.

Para existir segurança jurídica e uma regulamentação que faça sentido de fato não é necessário que esporte eletrônico seja considerado esporte, é possível criar uma lei específica para a modalidade, inclusive seria melhor, vez que é público e notório que a Lei Pelé, atual Lei Geral do Esporte, é demasiadamente futebolizada.

POLÍTICAS PÚBLICAS NO ESPORTE ELETRÔNICO – RESOLUÇÃO DO PARLAMENTO EUROPEU

O interesse do Estado no esporte eletrônico não deve se limitar à movimentação econômica que a atividade indubitavelmente trás com grandes competições. É importante observar que o esporte eletrônico não se manifesta apenas no rendimento ou de forma profissional.

É possível encontrar as manifestações de participação e educacionais do esporte eletrônico.

Durante a pandemia de Covid-19, que demandou o distanciamento físico, os esports foram importante peça para a manutenção do convívio social, tendo a modalidade Free Fire cumprido esse papel especialmente em periferias, devido a sua acessibilidade, já que o jogo competitivo pode ser jogado em praticamente qualquer smartphone.

Contudo, é possível observar que algumas pessoas não conseguem usufruir desses espaços sociais. A população preta, feminina e das pessoas com deficiência possuem dificuldade de acesso e também são alvos de reiterados assédios nesses ambiente, por isso urge atuação estatal, especialmente diante da indiferença da maior parte das empresas que exploram esse negócio.

Na esfera educacional é notável o trabalho de ONGs como ‘Afrogames’’ e ‘Yo Gamers do Bem’ em garantir para milhares de crianças e jovens a inclusão social e digital através de games e esportes eletrônicos.

Em 10 de novembro de 2022, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução reconhecendo estes e muitos outros interesses públicos nas indústrias dos Games e dos Esportes eletrônicos, além de seu potencial.

Nas próximas semanas, aqui na seção eSports Legal do Lei em Campo, dissecaremos a ‘Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de novembro de 2022, sobre o desporto eletrónico e os videojogos’.

Crédito imagem: Getty Images

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