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eSports e a nova Lei Geral do Esporte

Quando o Projeto da Nova Lei Geral do Esporte retornou ao Senado Federal, em 30 de março de 2023, a Câmara dos Deputados havia consolidado o seguinte texto:

Art. 1º (…)

§ 1º Entende-se por esporte toda forma de atividade predominantemente física que, de modo informal ou organizado, tenha por objetivo a prática de atividades recreativas, a promoção da saúde, o alto rendimento esportivo ou o entretenimento.

§ 2º Esta Lei deve ser aplicada em consonância com os atos internacionais aos quais o País tenha aderido e não substitui as normas internas e transnacionais das organizações esportivas.

§ 3º Sem prejuízo de outras normas de teor similar, esta Lei é interpretada à luz da Carta Olímpica e da Carta Internacional da Educação Física, da Atividade Física e do Esporte adotada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

[…]

Art. 4º A prática esportiva é dividida em 3 (três) níveis distintos, mas integrados, e sem relação de hierarquia entre si, que compreendem:

I – a formação esportiva;

II – a excelência esportiva;

III – o esporte para toda a vida.

§ 1º Os incisos I, II e III do caput deste artigo aplicam-se ao desporto virtual.

§ 2º Entende-se por desporto virtual a atividade que demanda exercício eminentemente intelectual e destreza, em que pessoas ou equipes disputam modalidade de jogo eletrônico com regras e prêmios predefinidos.

Entretanto, a Senadora Leila Barros, Relatora do Projeto, apresentou as seguintes razões para expressamente retirar os parágrafos 1º e 2º do artigo 4º, os quais falavam do “desporto virtual” da nova Lei Geral do Esporte:

Inclui-se, no art. 4º, o conceito de “desporto virtual”. Entendemos que esse tema, por sua relevância e modernidade, deva ser tratado em legislação própria, em processo que permita a ampla discussão das Casas legislativas e a participação da sociedade e dos diversos agentes nele interessados. Aliás, já tramitam, tanto na Câmara quanto no Senado, projetos que têm por objetivo regulamentar a prática dos esportes eletrônicos.

Foi, então, suprimida pelo Senado a inserção da definição de desporto virtual proposta pela Câmara.

Não bastasse, ao promulgar a lei, o Presidente da República vetou os parágrafos 2º e 3º do artigo 1º, ambos acima transcritos.

Desse modo, pela literalidade da Lei nº 14.597/23, a nova Lei Geral do Esporte, entende-se como esporte apenas a atividade predominantemente física. Ou seja, o Senado e o Presidente da República excluíram da tutela da lei, isto é, do que ela se propõe a considerar como esporte, não apenas o esporte eletrônico e o xadrez, mas algumas modalidades olímpicas, como o tiro esportivo e o adestramento de cavalos.

Felizmente, é possível teorizar a partir do pensamento de Hans Kelsen, pelo qual se pode concluir que a Lei e o Direito não agem no plano do ser, mas no plano do dever ser.

Em outras palavras, cabe ao legislador e ao Direito dar o tratamento ou enquadramento jurídico a algo que existe (dever ser). A lei apenas cria aquilo que não existe (ser).

Nessa construção, a Lei Geral do Esporte não pode dizer o que é esporte, mas apenas o que deve ser tratado, tutelado, como esporte, para fins, por exemplo, de políticas públicas, de abordagem Ministerial, de acesso a recursos incentivados e de enquadramento jurídico.

Claro, é assustador realizar que a nova Lei Geral do Esporte, com os vetos que lhe foram atribuídos, exclui os eSports e modalidades olímpicas da definição de esporte e, consequentemente, de toda a tutela decorrente do artigo 217 da Constituição Federal.

Doutro lado, nada impede que o intérprete, o operador do Direito, no Executivo ou no Judiciário, diante do caso concreto, tenha de se valer da nova Lei Geral do Esporte por analogia, a fim de suprir lacunas existentes no ordenamento jurídico pátrio.

Trata-se, precipuamente, de aplicação da Lei de Introdução às Normas e dos princípios gerais de direito, afinal, o intérprete, seja ele Juiz ou Servidor da Administração Pública, precisa aplicar o Direito mais adequado ao caso concreto. Em matéria desportiva, seja ao esporte eletrônico, ao xadrez, ao adestramento de cavalos e ao tiro esportivo, mesmo em tese excluídos da tutela jurídica proposta, não existe nenhuma norma mais específica, recente e adequada a solucionar questões práticas senão a nova Lei Geral do Esporte.

É dizer, mesmo com as últimas alterações propostas pelo Senado e diante dos inúmeros vetos presidenciais, ainda é possível vislumbrar a aplicação da Lei Geral do Esporte a uma questão trabalhista de um atleta de eSports, seja ela judicial (competência e aplicação do direito), seja particular (contrato especial de trabalho esportivo), seja administrativa (obtenção de visto de trabalho com base em resoluções específicas a atletas), pois sua tutela se mostra análoga e muito mais adequada à realidade fática que permeia a prática do esporte eletrônico, ao menos enquanto não emerge qualquer legislação específica a reger a matéria.

Os demais princípios constitucionais vigentes, como a Livre Iniciativa e a Livre Concorrência também permanecem intactos e perfeitamente aplicáveis às modalidades esportivas marginalizadas pela nova Lei, de modo que a criação de ligas, a realização de campeonatos e o ambiente desportivo-regulatório existente dentro dos eSports restam preservados.

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