Search
Close this search box.

Esports é Desporto e implica em gasto de energia

  1. Introdução

Independentemente da origem e evolução dos Esports, um fato não pode ser negado: trata-se de um fenômeno que tem experimentado um crescimento significativo nas últimas décadas e tornaram-se uma forma de entretenimento e competição cada vez mais popular em todo o mundo. Com a evolução tecnológica, o desporto eletrônico adquiriu uma dimensão competitiva que envolve jogadores amadores e profissionais, além dos adeptos apaixonados que participam e vibram com essas competições.

Na última semana o professor Carlos Neto deu uma entrevista ao conceituado jornal desportivo de Portugal “A Bola”, na qual afirmou que esta prática não pode ser considerada como desporto e fundamenta o seu raciocínio com menção a ética e valores do desporto para concluir que “para se fazer desporto tem que ser ativo”[1].

O professor Manuel Sérgio é categórico em afirmar que os Esports não podem ser caracterizados como prática desportiva, pois, de acordo com o professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, um desporto não poderia ser “apenas um jogo”, na medida em que, para além da competição tem que ter igualmente movimentação, sendo esta considerada como a deslocação física no sentido cartesiano. Desta forma, o desporto tem que ter por base uma educação física integral e mais completa[2].

Com todas as homenagens que os professores merecem em razão de comprovado notório saber jurídico e vasta bibliografia, particularmente entendo que estão demonstrados, de sobejo, a motricidade fina e o stress físico nos jogadores de Esports, que a partir de agora passarei a denomina-los de atleta e explicarei a razão.

  1. No que consiste os Esports?

Muito me agrada a forma direta, objetiva e sem rodeios na qual o ilustre advogado Luis Paulo Relógio trata do tema em seu artigo intitulado: “E-SPORTS. Jogo ou Desporto”, na qual o doutrinador português inicia, de imediato, “por assumir o entendimento de que a correta classificação desta atividade é a de um verdadeiro desporto.[3]

O magistrado trabalhista e Mestre em Direito Ricardo Georges Affonso Miguel lembra que considerar uma atividade como desporto viabiliza o incentivo financeiro público e privado, fornece elementos para regulamentações e aplicação de legislações específicas voltadas à seara desportiva, além de permitir o enquadramento como desporto olímpico e propicia, no caso do direito, uma interdisciplinaridade com outros ramos jurídicos.[4]

De acordo com o referido autor defende tratar-se de modalidade de prática desportiva, na medida em que reúne todos os requisitos de atividade física, sendo que esta não se confunde com o exercício físico. Com efeito, para o desempenho desta prática há competição, interpessoalidade, há regra e não há uma finalidade meramente artística. Outrossim, segundo o magistrado, desporto e entretenimento não são excludentes, pois aquele é uma espécie do gênero entretenimento.

Do mesmo modo, desporto é espécie do gênero jogo. Não há desporto sem jogo, mas há jogo sem desporto.

Com efeito, as gerações futuras não interpretarão o desporto da mesma forma que as gerações anteriores, pois vivemos em uma sociedade em constante evolução e novas modalidades desportivas surgem de uma forma muito mais célere do que acontecia em outros tempos mais longínquos.

Neste sentido, o desenvolvimento tecnológico trouxe novos horizontes ao mundo do desporto, com novas competições que são criadas por gerações mais novas, com nova dinâmica e formato.

No final do século XX, enquanto se faziam previsões alarmistas em relação ao Bug do Milênio, um novo ecossistema com características próprias começou a atrair uma popularidade que nestas duas décadas cresceu assustadoramente.

O desporto tem muitos pontos de contato com a vida humana, o que torna difícil se chegar a uma definição precisa, ou delimitar os limites da atividade esportiva. Idrott, na Suécia, Spiel, na Alemanha, Athletics nos EUA, são palavras que admitem definições precisas, mas a palavra sport tem um uso muito mais amplo do que essas. No francês original, designava qualquer coisa que, sendo um divertimento, fizesse esquecer o lado triste ou sério da vida. Como substantivo, pode referir-se a um homem ou a uma mulher, a um jogo, a um passatempo, a uma caçada, a um combate[5].

Uma das polêmicas envolvendo o Esports é o reconhecimento desta prática como modalidade desportiva. Há quem diga que o Esports não pode ser considerado um desporto porque não tem o esforço físico.

 Antes de se fazer qualquer análise ou estabelecer critérios é importante quer se faça uma contextualização histórica em relação a outras práticas que foram, posteriormente, reconhecidas como esporte. À título de exemplo, há muitas décadas havia a discussão se o xadrez poderia ser reconhecido como esporte. Havia uma crítica muito grande no sentido de que não movimento físico suficiente, por isso, não era possível justificar o xadrez como uma prática desportiva.

Da mesma forma, as críticas relacionadas ao Esports são mitos que podem ser derrubados quando se conhece a modalidade. A prática envolve mente, destreza, competição, além de obediência ao regulamento, que é o principal ponto para que um mero jogo seja reconhecido como prática desportiva.

João Lyra Filho, o pai do direito desportivo no Brasil, já considerava a prática do xadrez dentro da modalidade dos esportes da mente. Até hoje a doutrina é utilizada e a atualidade dos ensinamentos impressiona, podendo ser utilizada, pelo menos em parte, ao movimento do Esports.

A Carta Internacional da Educação Física e do Desporto, adotada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas, em Paris, no ano de 1978, estabelece no corpo de seu artigo 1º, ponto 1.1, que a educação física e o desporto são indispensáveis para o pleno desenvolvimento da personalidade do ser humano, bem como “O direito de desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais através da educação física e do desporto, deverá garantir-se dentro do padrão de sistema educativo como nos demais aspectos da vida social”.[6]

Conceito amplo e abrangente de desporto está estampado na Carta Europeia do Desporto para Todos e na Carta Internacional da Educação Física e do Desporto da Unesco, estando nessa realidade compreendidos as diversas atividades físicas que exijam esforço.

O desporto eletrônico abrange práticas formais e não formais, sendo que quando praticado de modo profissional, observará as regras nacionais e internacionais aceitas pelas entidades de administração do desporto.

Assim como consta na Lei Geral do Desporto do Brasil (Lei n.º 9.615/1998), o desporto eletrônico tem como base os princípios fundamentais que regem o desporto, sendo objetivos do esporte eletrônico: 1) a promoção da cidadania, valorizando a boa convivência humana; 2) propiciar o desenvolvimento dos valores educacionais do esporte baseado no fair play, na cooperação, na participação e no desenvolvimento integral do indivíduo; 3) desenvolver a cultura por intermédio da prática desportiva, aproximando participantes de diversos povos; 4) combater o ódio, a discriminação e o preconceito em razão de etnia, raça, cor, nacionalidade, gênero ou religião; e 5) contribuir para o desenvolvimento intelectual, físico e motor de seus praticantes.

Por fim, o desporto eletrônico deveria ser coordenado, gerido e normatizado por ligas e entidades nacionais e regionais de administração do desporto, sendo que tais entes poderão ser organizados em federação e confederação.

  1. Conclusão

Com efeito, a disputa de Esports apresenta todos os elementos essenciais para a caracterização desta modalidade como prática desportiva, afastando-se do conceito meramente lúdico do jogo. Importante frisar que o desporto está em constante mutação e evolução e atualmente passamos por uma nova fase do desporto.

O sistema federativo desportivo passa a ser reconhecido e a autonomia das entidades de administração do desporto, assegurada no art. 217 da Constituição Federal é reafirmada quando a lei assegura a observância das regras nacionais e internacionais estabelecidas por estas entidades.

No Brasil, O Projeto de Lei 205/2023 define os “esports” ou “eSports” como modalidade desportiva para todos os efeitos legais. O texto considera “esports” ou “eSports” competições realizadas por meio de jogos eletrônicos entre atletas profissionais ou amadores, reunidos de maneira presencial ou online. O projeto de lei é de autoria do Deputado Julio Cesar Ribeiro (Republicanos-DF) e está em tramitação na Câmara dos Deputados.

Em artigo doutrinário, Gil Martins Alves afirma que o vocábulo desporto é polissêmico e que por isso cria grandes dificuldades no momento da sua concretização e traz a lição de Slusher, que equipara desporto a religião, afirmando que ambos desafiam uma definição e que não são capturados por terminologia estática, pois estão além da essência. Desta forma, o autor defende que num debate estritamente jurídico, o propósito da lei não será o de definir “desporto”, mas sim o de o enquadrar normativamente numa função de filtragem[7].

De fato, este será o caminho e o desafio. O reconhecimento desta prática como desporto trará mais segurança para todos os envolvidos. Todavia, não se trata de uma condição essencial, pois não há como apagar a sua existência. O desafio será organizar esta prática desportiva de forma federativa, dentro do seu sistema piramidal, para que possa ter condições de ingressar de forma definitiva dentro do Movimento Olímpico.

Com efeito, o desporto sofre influências da internet, do incremento da tecnologia dos jogos eletrônicos e da sociedade que está conectada em um espetáculo da globalização. Logo, ele se transforma naturalmente com o surgimento de uma nova modalidade de prática desportiva e por esta razão o direito não pode ignorar essas transformações sociais e desportivas e com elas deve manter relação direta.[8]

Para a melhor compreensão desta prática é necessário se despir de pré-conceitos e encarar uma nova realidade que se apresenta.

Crédito imagem: getty images

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


 

  1. Referências Bibliográficas

ALVES, Gil Martins. Um Admirável Mundo Novo: estudo sobre o universo dos Esports, a necessidade de implementação de estruturas desportivas e a importância do direito nesse processo. In Revista de Direito do Desporto. #13 Janeiro-Abril de 2023. AAFDL Editora.

ARTIGAS, Alex Barbarà. Sin Leyes no hay Competición. 1ª edição, Espanha : UNO editorial, 2018. ISBN: 978-84-17487-28-7.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. Ed. Perspectiva: São Paulo, 2014.

Mc INTOSH, P.C. O Desporto na Sociedade. O Desporto na Sociedade. Prelo Editora : Lisboa 1967.

MESTRE, Alexandre Miguel. O Desporto na Constituição Europeia. O fim do “Dilema de Hamlet” : Almedina, 2004

________________________. O Desporto na Lei – Guia Prático. Vida Económica: Lisboa, 2014

MIGUEL, Ricardo Georges Affonso. O Enquadramento Jurídico do Esporte Eletrônico. 1ª Edição – Editora Quartier Latin, São Paulo : 2019. ISBN: 85-7674-959-9.

______________________________. O Reconhecimento dos eSports como Desporto Olímpico e seus Efeitos Desportivo-Trabalhistas no cenário Luso-Brasileiro. 1ª edição : Editora Processo, Rio de Janeiro, 2022.

RELÓGIO, Luis Paulo. E-SPORTS Jogo ou Desporto? In MESTRE, Alexandre Miguel (Coord.). Compêndio de Direito do Desporto. 1ª Edição – Editora Gestlegal : Coimbra, 2021. ISBN: 978-989-8951-59-5.

VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. A Tourada em Portugal e a Vaquejada no Brasil. Aspectos Jurídicos. 1ª Edição. Editora Nobilitar : Brasília, 2021. ISBN: 978-65-88575-01-7.

[1] Disponível em: https://www.tiktok.com/@abola/video/7355096902079106336. Acesso realizado em 8.04.2024

[2] Entrevista publicada no jornal Tal & Qual, nº 90 – II, Série de 22 a 28 de fevereiro de 2023. p. 18.

[3] Cf. Luis Paulo Relógio (2021), p. 1.077.

[4] Cf. Ricardo Georges Affonso Miguel (2019), p. 8.

[5] Cf. P.C. McIntosh (1967), p. 22.

[6] Cf. Alexandre Miguel Mestre (2004), p. 30.

[7] Cf. Gil Alves Martins (2023), pp. 46-53.

[8] Cf. Ricardo Georges Affonso Miguel (2022), p. 16.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.