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Esports: Entretenimento ou Esporte?

Por Hudson de Paiva

Introdução

A Ministra do Esporte e ex-jogadora de vôlei Ana Moser declarou na última terça-feira (10) que não pretende investir no esporte eletrônico, eis que, segundo ela, “é uma indústria de entretenimento, não é esporte. Então você se diverte jogando videogame, você se divertiu. O atleta de esports treina, mas a Ivete Sangalo também treina para dar show e ele não é atleta, ela é uma artista que trabalha com entretenimento. O jogo eletrônico não é imprevisível, ele é desenhado por uma programação digital, cibernética. É uma programação, ela é fechada, diferente do esporte”[1].

Segundo a Ministra, para não “correr o risco” de o esporte eletrônico ser considerado uma modalidade esportiva, esteve à frente da organização Atletas pelo Brasil em uma ação junto ao legislativo para alterar o projeto da nova Lei Geral do Esporte (antigo PL 1153/19) que previa, em seu art. 4º, § 2º o desporto virtual como uma “atividade que demanda exercício eminentemente intelectual e destreza, em que pessoas ou equipes disputam modalidade de jogo eletrônico com regras e prêmios definidos”.

Diante das declarações da Ministra, mostra-se imperioso o seguinte questionamento: Afinal, os Esports são entretenimento ou esporte?

Esports, entretenimento e competição

Os esports são, basicamente, competições que ocorrem dentro de um jogo eletrônico, são disputadas por jogadores profissionais, em categorias individuais ou coletivas e assistidas por uma audiência que pode ser online ou presencial.

É indiscutível que os esportes eletrônicos são uma forma de entretenimento, mesmo porque os games têm como proposta primordial divertir aqueles que jogam e/ou acompanham. Os esports, no entanto, são uma forma de diversão apenas para aqueles que assistem às partidas, pois as competições são extremamente disputadas e somente os melhores jogadores conseguem jogar nas ligas profissionais.

As ligas profissionais de esports possuem um alcance enorme e conseguem acumular números elevados de audiência[2]. No Brasil, por exemplo, pesquisas da Newzoo indicam que existem mais de 100 milhões de jogadores (que geraram uma receita de US$ 2.7 bilhões em 2022)[3], dos quais um quarto tem como passatempo assistir conteúdos relacionados aos esports.

Por outro lado, sobre ser ou não uma categoria esportiva, há uma certa discussão. Contudo, a afirmação da Ministra de que se trata de mero entretenimento está equivocada e representa um retrocesso em relação ao enquadramento dos esportes eletrônicos no país, haja vista que, no Brasil, já existem diversos fatores que, indiretamente, apontam para o reconhecimento da categoria como uma modalidade desportiva.

Exemplo disso é o reconhecimento da validade, pelo Poder judiciário, dos Contratos de Trabalho Desportivos aplicados aos jogadores profissionais de esports, reconhecendo-os como atletas, nos termos da Lei 9.615/98 (Lei Pelé). Além disso, os jogadores estrangeiros contratados por equipes brasileiras recebem o visto de atleta profissional previsto na RN 21/2017, publicada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNI).

Além disso, é importante destacar que países como Coreia do Sul, África do Sul, Rússia, Índia, Dinamarca e Ucrânia já reconhecem os esportes eletrônicos como uma categoria esportiva. Alinhado com esse entendimento, o Comitê Olímpico Internacional (COI) recentemente anunciou a Semana Olímpica de Esports, que ocorrerá em Singapura em junho desse ano, afirmando que será o “próximo grande passo no apoio ao desenvolvimento dos esportes virtuais dentro do Movimento Olímpico e no envolvimento com grandes gamers competitivos”[4].

Tais reconhecimentos decorrem do fato de os esports apresentarem várias características inerentes ao conceito de esporte, guardando grande similitude com o esporte tradicional, seja como prática relacionada às atividades físicas e corporais; como atividade de natureza competitiva; como instrumento de promoção da saúde e da cultura; ou quanto ao desporto de rendimento[5]. Conforme pontua o especialista em esports law, dr. Antônio Bratefixe:

“Podemos identificar uma prática esportiva como sendo aquela de natureza ordenada de exercícios físicos e mentais, de caráter competitivo e com regras claras sobre o seu desenvolvimento e competição.

(…)

Dessa forma, sendo o Esports dotado de uma forma organizada de competição, possuindo regras específicas, contribuindo para o desenvolvimento das atividades sociais e culturais, não há como afastá-lo das características de efetivo esporte”[6].

 Com efeito, salienta-se que os esports, conquanto praticados no ambiente de um jogo eletrônico, não possuem qualquer previsibilidade de resultado, de modo que as partidas e campeonatos têm seu resultado unicamente atrelado ao desempenho dos competidores, assim como ocorre no esporte tradicional.

Em razão disso, as organizações desportivas têm como principal objetivo o desenvolvimento desses atletas de alto desempenho, oferecendo-lhes centros de treinamento completos, que contam com equipamentos de última geração e acompanhamento de profissionais de diversas áreas, como fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas.

Percebe-se, por conseguinte, que o esporte eletrônico é, além de uma forma de entretenimento, uma modalidade desportiva, seguindo uma tendência que já vem crescendo entre os outros gêneros desportivos, em ligas bem sucedidas como La Liga, NFL, Premiere League, MLS, NBA e MLB, onde se alinham diversão e competição para gerar engajamento, o chamado Sportainment.

O que é Sportainment?

O conceito de Sportainment não é bem uma novidade, eis que diante da enorme oferta de produtos de entretenimento que surgiram nos últimos anos, o esporte e seus agentes tiveram de se reinventar, com a implementação de projetos para engajar fãs e conquistar a nova geração, pensando no futuro e buscando maximizar seu alcance.

O Sportainment é uma forma de alinhamento entre esporte e entretenimento, onde os agentes esportivos (ligas, clubes etc.) buscam se conectar com seus fãs ao lhes proporcionar uma melhor experiência em relação aos eventos esportivos, criando um fortalecimento da sua marca no mercado, na maioria das vezes alinhando tecnologia e esporte.

Dr. Marcos Motta, especialista em negócios no esporte pontua:

“Já não basta oferecer um jogo ou uma competição, o espectador atual demanda elementos complementares como sociabilidade, networking, comunidade, lazer e etc. Essas experiências orgânicas e temporárias podem conduzir a inúmeras opções de monetização por parte dos operadores. Mas se fazem necessárias inovações e adaptações às novas necessidades e preferências da demanda e das novas gerações. E é dessa visão holística e integrada da indústria que surge o Sportainment”[7].

Assim, é notável que os esports representam o Sportainment em sua forma mais clara. Aliando tecnologia, esporte e entretenimento, a modalidade consegue unir uma base de fãs que cresceu na era dos vídeos games com a nova geração, que desde a infância tem contato com a modalidade competitiva. Como consequência, as ligas, organizações, empresas endêmicas e não endêmicas aumentam seu investimento no cenário dos jogos eletrônicos, como uma forma de fixar sua brand e conquistar os fãs do esporte.

Logo, em que pese o não reconhecimento como uma modalidade desportiva pelo legislador, os esportes eletrônicos, por guardarem grande similitude com o esporte tradicional, se apresentam como um modelo de Sportaniment, alinhando disputa e diversão e engajando uma enorme base de fãs ao redor do país. Ademais, mesmo sem uma legislação específica para os esports, o Brasil já possui ligas bem estruturadas de diversas categorias, como League of Legends, Free Fire e CS:GO, que contam com grandes investimentos e apresentam diversos profissionais de ponta, especialistas nas questões envolvendo jogos eletrônicos.

Conclusão

Assim, conforme o exposto, percebemos que os esportes eletrônicos são uma forma entretenimento, mas também são esporte. À vista disso, as declarações da Ministra Ana Roster, apesar de estarem na contramão do que já vêm reconhecendo alguns órgãos brasileiros, não devem refletir em um retrocesso do cenário, porquanto, mesmo sem um reconhecimento formal – como ocorre em vários países – os esports já são uma realidade consolidada no Brasil.

Crédito imagem: Reprodução

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


Hudson de Paiva: Advogado e membro do jurídico interno da Netshoes Miners

[1] Sem autor: Ana Moser: ‘Esports é indústria de entretenimento, não é esporte’. UOL Esporte. 2023. Disponível em:<https://www.google.com/search?q=referencia+site+sem+autor&rlz=1C1VDKB_enUS1036US1036&oq=referencia+site+sem+autor&aqs=chrome..69i57.3027j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8> Acesso em: 10 de janeiro, 2023

[2] SIMIC, Ivan. Top 10 highest-viewed esports events of 2022. Esports Insider.  2022. Disponível em:https://esportsinsider.com/2022/12/highest-viewed-esports-events-2022 Acesso em: 10 de janeiro de 2023

[3] Sem autor. Key Insights into Brazilian Gamers | Newzoo Gamer Insights Report Newzoo. 2022 :https://newzoo.com/insights/trend-reports/key-insights-into-brazilian-gamers-newzoo-gamer-insights-report?utm_campaign=CI%20Countries&utm_content=222202026&utm_medium=social&utm_source=linkedin&hss_channel=lcp-1710460 Acesso em: 10 de janeiro de 2023

[4] PEREIRA, Wesley. COI anuncia Semana Olímpica de Esports em 2023. GE ESPORTS. 2022. Disponível em:

< https://ge.globo.com/esports/noticia/2022/11/16/c-coi-anuncia-semana-olimpica-de-esports-em-2023.ghtml> Acesso em: 10 de janeiro de 2023

[5] BRATEFIXE J., Antônio Carlos. Introdução ao Estudo do Esports Law: O Direito do Esporte Eletrônico. Editora Mizuno, Leme/SP, 2021.

[6] Op. cit.

[7] CRESPO, Rafael. Marcos Motta: “O esporte deve ser considerado parte do entretenimento das pessoas. Brand Publishing Brasil. 2020. Disponível em: https://brandpublishing.com.br/sportainment-esporte-deve-ser-parte-do-entretenimento-das-pessoas-diz-marcos-motta/> Acesso em 10 de janeiro de 2023

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