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Ética desportiva enquanto obrigação especial do contrato de trabalho desportivo: um breve direito comparado Brasil-Portugal

O art. 74, III, da Lei n. 14.597/23 (Lei Geral do Esporte-LGE), assim como o art. 35, III, da Lei n. 9.615/98 (Lei Pelé) normatizam a ética desportiva como um dos deveres (obrigações) especiais no exercício do trabalho esportivo pelos atletas empregados. O trabalho dos jogadores, em partidas oficiais ou treinos, deve se pautar pelo cumprimento das regras da respectiva modalidade e das normas que regem a disciplina e ética esportivas.

Consoante aborda doutrina portuguesa de referência e que já se tornou tradicional no Direito do Trabalho Desportivo, diante de norma lusitana semelhante na antiga Lei n. 28/1998 e reproduzida na atual Lei n. 54/2017, “o legislador ao prever tal disposição laboralizou a ética desportiva”. Em se tratando de Brasil, prefere-se constatar que o legislador qualificou juridicamente (juridificou ou normatizou) a ética esportiva como uma das principais obrigações laborais e legais, previstas expressamente nos comandos supradescritos.

Todavia, em nível brasileiro, o grande problema é que não há “uma normatividade de mão dupla” da ética esportiva, enquanto obrigação legal especial do contrato de trabalho desportivo.

Aos jogadores cabe o cumprimento das regras, parâmetros de disciplina e ética esportivas, inclusive sujeitos a sanções disciplinares em seu contrato especial de trabalho desportivo a ser impostas pelo próprio clube empregador.

Por outro lado, inexiste qualquer grafia legal explícita na LGE e Lei Pelé que regulamente as condutas dos clubes empregadores de acordo com as regras da respectiva modalidade, disciplina e ética desportivas, embora se possa extrair, a contrário senso, dos mesmos excertos legais retrocitados, uma bilateralidade, um sinalagma contratual trabalhista que imponha aos empregadores desportivos as mesma obrigações (deveres).

Não obstante, pode-se admitir implicitamente do art. 84, II, IV, a obrigação (dever) especial das entidades empregadoras desportivas se pautarem pelas regras da modalidade esportiva, da disciplina e ética desportivas.

Indiscutivelmente, para efeitos de conduta estritamente desportiva, perante o sistema federativo inteiro (nacional e internacional), nas relações com federações, outros clubes, ligas, instituições deversas que realizam a atividade econômica do desporto, uma organização de prática esportiva professional naturalmente cumpre as regras, disciplina e ética esportivas.

No entanto, já pode restar duvidoso que na seara trabalhista um jogador empregado possa suscitar falta grave do clube empregador por descumprimento de uma regra desportiva específica, como faltar deliberadamente com toda a equipe, alinhar com número reduzido de jogadores em uma partida da competição para provocar a famosa perda por WO, ou ainda, orientação dos atletas subordinados que percam a partida, levando-se em consideração interesses escusos, como já decorreu em suspeitas de manipulação de resultados.

Note-se que são todos exemplos que prejudicam a carreira do atleta empregado, e, a menos que este também esteja corrompido pela manipulação orquestrada, deveria-se com todo o respaldo da Lei, sem provocação de dúvida, poder ajuizar ação de rescisão indireta (despedida indireta ou justa causa do empregador) na Justiça Especializada do Trabalho.

Sendo assim, a solução de justa medida, perpassaria pela normatividade de observância das regras da modalidade, da disciplina e ética esportivas também pelo clube empregador no rol do art. 84 da LGE, que até acrescentou algumas obrigações especiais a mais em relação ao art. 34 da Lei Pelé, mas o legislador foi omisso sobre este tema de ética do desporto enquanto matéria obrigacional laboral da organização de prática desportiva.

Ao contrário do Brasil, o art. 11.o, f), da Lei n. 54/2017 (regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação), reforçado pelo art. 12.o, f), do Contrato Coletivo de Trabalho dos Jogadores Profissionais e art. 12.o, f), do Contrato Coletivo de Trabalho dos Treinadores de Futebol, todos de Portugal, preveem a qualificação jurídica da disciplina e ética desportivas como deveres (obrigações) especiais das entidades empregadoras desportivas (clubes e sociedades desportivas).

Os contratos coletivos de trabalho dos jogadores e treinadores de futebol de Portugal pecam quanto às consequências do incumprimento dos deveres (obrigações) da disciplina e ética desportivas pelas entidades empregadoras desportivas (clubes e sociedades desportivas).

Isso porque os referidos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho não prescrevem explicitamente no elenco de justa causa de rescisão por iniciativa do jogador (art. 43.o) e justa causa para resolução por iniciativa do treinador (art. 40.o) o incumprimento das regras de disciplina e ética desportivas.

Entretanto, em Portugal parece claro que o descumprimento da disciplina e ética desportivas ensejam a rescisão contratual trabalhista desportiva por justa causa das entidades empregadoras do desporto em favor de jogadores e treinadores, tudo à luz do art. 23.o, n. 1, c), d), n. 3, da Lei n. 54/2017.

A despeito de o trabalho dos treinadores não ser objeto da Lei n. 54/2017, a única norma paradigma mais próxima de regulamentar a realidade laboral deles é esta, devendo-se aplicá-la diretamente conexa com o Código do Trabalho luso.

A legislação trabalhista desportiva do Brasil na dimensão de regras, disciplina e ética desportivas da modalidade, enquanto obrigação especial do contrato de trabalho esportivo, mesmo após o advento da LGE vive numa falha injustificável, devendo-se encaminhar para as referências da Lei portuguesa n. 54/2017 (regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação).

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