As regras do Fair Play Financeiro da Uefa (FPF) deverão passar por mudanças drásticas nos próximos meses. Com a Covid-19 criando uma crise “muito diferente de tudo o que já foi enfrentado”, segundo os dirigentes da entidade, a ideia é de que as novas regras passem a se concentrar principalmente nos tetos salariais dos clubes.
“O Fair Play Financeiro é uma realidade que veio para ficar. Certamente que haverá necessidade de flexibilização neste momento, tendo em vista a crise provocada pela pandemia que já é sentida pelos clubes e que deve provocar reflexos até o ano de 2024. É muito provável que aquele FPF lançado há 10 anos seja extinto para dar lugar a um novo sistema de controle financeiro possibilitando uma maior liberdade aos clubes”, afirma Mauricio Corrêa da Veiga, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
Pedro Juncal, advogado especializado em direito desportivo, não enxerga a imposição de um teto salarial como o melhor caminho.
“O futebol europeu é formado por diversos clubes, de diversos países e de diversos níveis de receita anual. Seria extremamente complicado estipular diferentes tetos para diferentes países, o que poderia dificultar clubes de menores receitas de tentarem brigar com os demais. Outro problema é como se regulamentaria a possibilidade de rebaixamento ou promoção dos clubes. Por fim, existe a possibilidade da medida ser questionada perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, devido a potencial violação a leis de competição. Acredito que o melhor caminho seria atualizar e, principalmente, aplicar as regras do FPF já existente”, avalia o especialista.
“Já existia há algum tempo um debate sobre mudanças no sistema. Me parece que a pandemia foi um componente que acelerou o processo. A questão do teto salarial é bastante questionável, e para ser aplicada deveria ser aprovada pelo Parlamento Europeu. Mas acredito que aqui haja uma pequena confusão. Quando falam em teto salarial está muito mais para limites mais rígidos de gastos que um valor específico por atleta. Não acho que seja uma boa solução pensar individualmente. Vejo como mais eficiente a possibilidade de controlar o valor total gasto com salários e limitar a quantidade de atletas que um clube pode ter. Se o objetivo é controlar gastos isso é mais eficiente”, explica o economista Cesar Grafietti.
Em uma reunião realizada nesta quinta-feira (25) entre funcionários da Uefa e da União Europeia, a diretora de pesquisa e estabilidade financeira da entidade, Andrea Traverso, disse que a solução “não é fácil” e que não deve haver uma suposição de que as novas regras seriam mais flexíveis.
“A Covid-19 gerou uma crise de receita e teve um grande impacto na liquidez dos clubes. Esta é uma crise muito diferente de tudo que tivemos de enfrentar antes. Em tal situação, obviamente os clubes estão lutando; têm dificuldade em cumprir com suas obrigações. Acho que em geral as regras devem sempre evoluir. Eles precisam se adaptar ao contexto em que os clubes operam. A regra do ponto de equilíbrio, da forma como funciona agora, parece para trás: realiza uma avaliação de uma situação no passado (olhando para lucros e perdas nas três temporadas anteriores). A pandemia representa uma mudança tão abrupta que olhar para o passado está se tornando sem propósito. Então, talvez as regras devam ter um foco mais forte no presente e no futuro e, definitivamente, devem ter um foco mais forte nos desafios dos altos níveis de salários e no mercado de transferências”, disse a dirigente.
“Por todas as declarações até o momento me parece que a Uefa pretende apertar os controles e torná-los preditivos, ou seja, lastreados mais no orçamento recorrente conhecido que nas expectativas futuras de receitas”, completa Grafietti.
Introduzido em 2010, o mecanismo de Fair Play Financeiro da Uefa tem a intenção de obrigar os clubes a gastarem dentro de suas possibilidades econômicas, evitando o acúmulo de dívidas e equilibrando o futebol, freando as equipes mais poderosas do mercado. Em caso de violação ao FFP, a instituição esportiva pode receber diferentes punições que vão de multa até exclusão de competições organizadas pela entidade europeia.
Recentemente, a Uefa considerou que o Manchester City cometeu irregularidades e violou o FFP, culminando na exclusão dos Citizens das próximas duas edições da Champions League (2021/2022 e 2022/2023). No entanto, após o clube inglês recorrer da sanção na Corte Arbitral do Esporte (CAS), a decisão foi derrubada e a equipe foi liberada para disputar a competição europeia.
No futebol brasileiro, os temas do Fair Play Financeiro e de teto salarial são alvos constantes de discussões. Basta algum clube passar anos consecutivos ganhando títulos que o assunto vem à tona. Mas, afinal, esses mecanismos poderiam ser colocados em prática por aqui?
“Sem dúvidas que seria possível no Brasil e em toda a América do Sul. O teto salarial seria uma forma de equilibrar as competições e também evitar gastos descontrolados”, opina Mauricio Corrêa da Veiga.
Já Pedro Juncal, não vê com bons olhos a implementação e faz ressalvas: “a possibilidade de se estipular um teto salarial no Brasil é questionável, especialmente se em decorrência de decisão Estatal, pois a livre iniciativa e a autonomia desportiva poderiam restar consideradas como violadas. Se caso a inciativa partisse da própria CBF, sendo aprovada pela maioria dos clubes, as chances de sucesso seriam maiores”.
Atualmente, o Fair Play Financeiro está suspenso no futebol europeu por conta da pandemia de Covid-19, isso porque com a suspensão das competições em 2020 e as partidas sem público nos estádios após o retorno, os clubes sofreram grandes perdas de arrecadação e muitos estão operando no vermelho na última temporada e na atual.
A Uefa iniciou uma consulta sobre como reformar o FPF. A tendência é de que o mecanismo seja remodelado e as novas regras passem a valer a partir de 2022.
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