Um grupo de ex-jogadores de rugby anunciou oficialmente nessa quarta-feira (27) que entrará com uma ação judicial contra a Rugby Football League (RFL) – órgão regulador da liga profissional na Inglaterra – por considerar que a entidade não os protegeu dos riscos de danos cerebrais causados pela concussão. Um dos reclamantes é Bobbie Goulding, ex-jogador e treinador, que foi diagnosticado com demência precoce aos 49 anos.
Por conta de sua gravidade, a concussão passou a ser um tema bastante discutido pela comunidade esportiva e aqui no Lei em Campo. Em alguns esportes, como no próprio rugby e na NFL, a doença é tratada com bastante seriedade. Já no futebol, apesar de alguns avanços recentes, os protocolos ainda são frágeis e não atacam o problema da forma necessária.
“Entre os esportes, o rugby é conhecido por ser a modalidade que possui um protocolo de concussão cerebral mais próximo do que as evidências científicas pedem. No entanto, o avanço nas pesquisas nos últimos anos mostrou que não somente as concussões, mas também os impactos na cabeça que não causam sintomas estariam por trás do risco de encefalopatia traumática crônica e outras doenças neurodegenerativas. Então, ações para minimizar o risco de impactos não somente em jogos, mas principalmente em treinos, são fundamentais. Somente agora a World Rugby considerou limitar os impactos nos treinos, medida que a NFL já faz há algum tempo”, afirma Hermano Pinheiro, fisioterapeuta esportivo PhD pela USP.
Para Vinicius Loureiro, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, os atletas estão corretos em buscar a reparação.
“Se as entidades que dirigem o rugby falharam em proteger a integridade física dos atletas, devem ser responsabilizadas. Mesmo que tenham elaborado um protocolo, caso esse protocolo não tenha sido suficiente para evitar as lesões e seus reflexos de longo prazo, é possível que tenham sucesso na ação”, explica.
Goulding integra a lista de 10 jogadores que planejam entrar com a ação contra a liga. No entanto, o número ainda pode aumentar. Em entrevista ao ‘The Guardian’, advogados que representam esses ex-atletas dizem ter ao menos outros 50 ex-profissionais, alguns na faixa etária dos 20 anos, que estão apresentando sintomas associados a problemas neurológicos, como demência precoce, encefalopatia traumática crônica e doença do neur.
Richard Boardman, advogado que representa 175 ex-jogadores de rugby em uma outra ação, ressaltou que os jogadores não estão apenas buscando remuneração financeira, mas sim determinados a tornar a liga de rugby um esporte mais seguro para as futuras gerações de atletas.
“A grande maioria dos ex-jogadores que representamos ama o esporte e não quer vê-lo prejudicado de forma alguma. Eles só querem torná-lo mais seguro para que as gerações atuais e futuras não acabem como eles. É por isso que estamos pedido à RFL que faça uma série de mudanças imediatas e relativamente de baixo custo para salvar o esporte, como limitar o contato no treinamento e estender o retorno ao jogo (após uma concussão)”, declarou.
No futebol, a concussão passou a ser um tema bastante discutido depois que familiares de ex-jogadores campeões mundiais com a Inglaterra, em 1966, revelarem o diagnóstico de demência em decorrência da prática do esporte.
O protocolo de concussão foi aprovado pela International Football Association Board (Ifab), órgão regulador das regras do futebol, em dezembro de 2020. Segundo a Fifa, a medida pretende “priorizar o bem-estar dos jogadores” ao evitar duas concussões seguidas dos atletas e reduzir a pressão sobre a comissão técnica no momento da avaliação.
A medida ainda é pouca adotada nos principais campeonatos de futebol do mundo. Das grandes ligas da Europa, apenas a Premier League (Inglaterra) e a Liga NOS (Portugal) resolveram implementar o protocolo nesta temporada. No Mundial de Clubes da Fifa, disputado em fevereiro deste ano, ele também foi colocado em prática.
Se comparado com outros esportes, podemos dizer que o protocolo do futebol para casos de concussão é muito superficial. Ele não combate o problema de maneira efetiva. Para isso mudar, é preciso alterações nas regras. A substituição temporária, para uma melhor avaliação do atleta que sofrer choque de cabeça, foi uma decisão importante, mas ainda muito pequena.
“Algo semelhante deve acontecer com o futebol em algum momento. A partir do momento que a regra do jogo não apenas ignora os riscos de choques de cabeça como faz com que sejam parte do jogo (e consequentemente da rotina de treinos), as entidades que regulam o esporte se expõem a esse risco. Já há um grupo de atletas analisando essa possibilidade, e ela não deve demorar a se concretizar”, avalia Vinicius Loureiro.
“A pressão sobre o futebol tem aumentado nos últimos anos. Sabe-se que a abordagem da concussão cerebral ainda precisa melhorar bastante no futebol e estudos recentes mostraram que o risco de demência é maior entre ex-atletas de futebol profissional quando comparado à população geral e que os zagueiros possuem um risco maior do que as outras posições. Há também uma grande discussão na ciência sobre os efeitos deletérios do cabeceio e sobre a importância de limitar o número de cabeceios nos treinos e nos jogos. Portanto, é possível que no Futebol ocorram também ações judiciais em um futuro próximo”, finaliza Hermano Pinheiro.
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