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Ex-zagueiro é o primeiro a ser diagnosticado com doença degenerativa cerebral na MLS. Entidades cobram mudanças nas regras

Os problemas neurológicos causados em atletas e ex-atletas por conta de choques repetidos na cabeça está gerando cada vez mais preocupação. Nesta terça-feira (28), pesquisadores americanos diagnosticaram, pela primeira vez, a Encefalopatia Traumática Crônica (ETC) em um jogador da MLS (Major League Soccer). A doença generativa das células cerebrais atingiu o ex-zagueiro Scott Vermillion, que atuou pelas seleções de base dos Estados Unidos, e está gerando debate no país sobre a necessidade de encontrar maneiras de prevenção.

“Essa é uma questão que já deveria ter sido sanada pelos responsáveis pelo futebol em nível internacional ou, pelo menos, deveria ser amplamente investigada. Ainda que o uso da cabeça não seja frequente ao longo das partidas, se somados aos impactos ocorridos nos treinamentos, as microlesões causadas ao longo de uma carreira de 20 anos, quando somadas, possuem um efeito agregado significativo. Este certamente não é o único caso de ETC, mas foi o único investigado e diagnosticado. Por mais que as bolas de futebol sejam leves, viajando a velocidades médias de 15m/s no campo de jogo, provoca um impacto na cabeça que não pode ser desprezado, ainda que individualmente não seja suficiente para provocar maiores danos. Além disso temos as pressões provocadas pelos choques com outros adversários nas disputas de bola”, afirma Vinicius Loureiro, advogado especializado em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

“Há um corpo de evidências científicas que associam o risco de ETC não somente as concussões cerebrais, mas também aos impactos na cabeça que não geram sintomas. Sabe-se também que existem fatores genéticos associados tanto ao risco como a severidade da ETC. Então, há alguns indivíduos que parecem ter um risco maior do que outros. Mas o risco existe para todos os atletas com histórico de exposição à impactos repetidos na cabeça ao longo da carreira e é nesse ponto que podemos fazer a diferença. O que se discute no âmbito científico é que para minimizar o risco de ETC, é necessário minimizar a exposição aos impactos na cabeça e não apenas garantir um atendimento e tratamento adequados para os casos de concussão cerebral”, conta Hermano Pinheiro, fisioterapeuta PhD.

O diagnóstico foi feito pelo Centro de ETC da Universidade de Boston. Vermillion, que morreu de overdose de drogas em dezembro de 2020, aos 44 anos, tinha ETC. A doença degenerativa foi encontrada em mais de 100 ex-jogadores da NFL (futebol americano), bem como em jogadores de futebol semi-profissionais e universitários. O ex-zagueiro é o primeiro da MLS.

“O Sr. Vermillion nos mostrou que os jogadores de futebol estão em risco de ETC. Precisamos fazer todos os esforços para identificar jogadores que estão sofrendo e fornecer cuidados compassivos e suporte médico apropriado”, disse a médica Ann McKee, diretora do Centro de ETC da Universidade de Boston.

A Encefalopatia Traumática Crônica é uma degeneração progressiva de células cerebrais causada por diversas lesões na cabeça. Os sintomas iniciais da ETC são: perturbação do humor (depressão, irritabilidade e/ou desesperança); anomalias comportamentais (impulsividade e agressão); perda de memória e/ou demência; anormalidades motoras (parkinson e/ou disartria).

Vermillion começou a jogar futebol aos cinco anos de idade e continuou por 22 anos. Ele disputou quatro temporadas da MLS, com passagens pelo DC United, Colorado Rapids e Kansas City Wizards. Além disso, também atuou pelos Estados Unidos no Campeonato Mundial Sub-17 de 1993 e no Sub-20 de 1996.

Após uma grave lesão no tornozelo, Vermillion se aposentou dos gramados em 2001. Sua família disse que ele não aceitou bem a aposentadoria, desenvolvendo um quadro de depressão e problemas com controle de impulsos. No decorrer dos anos, Vermillion sofreu ainda com a perda de memória.

Todos esses problemas foram associados à ETC, que tem sido ligado a concussões ou golpes subconcussivos em atletas e outras profissões que sofrem traumatismo craniano repetidamente.

“Esta doença destrói famílias, e não apenas as famílias do futebol.  Esperamos que este seja um alerta para a comunidade do futebol para apoiar ex-jogadores e obter a ajuda de que precisam, para que algo de bom possa vir dessa tragédia”, disse o pai do ex-zagueiro, Dave Vermillion.

Após o diagnóstico, a MLS Players Association, sindicato de jogadores que atuam na liga norte-americana, pediu que à MLS rompa com os órgãos governamentais internacionais do esporte e adote uma regra que expanda as substituições de jogadores com concussões.

“Não devemos ficar sentados esperando que eles façam a coisa certa. A MLS deve adotar unilateralmente uma regra de substituição total de concussão imediatamente. As regras atuais de substituição não dão aos profissionais médicos tempo suficiente para diagnosticar adequadamente possíveis concussões sem colocar uma equipe em desvantagem competitiva substancial”, disse o sindicato.

Já a Concussion Legacy Foundation, uma organização que dá suporte para atletas e ex-atletas afetados por concussões e ETC, pediu regras que limitem o ‘tackle’ no futebol americano e a cabeçada no futebol para crianças com mais de 14 anos. O cofundador da entidade, Chris Nowinski, ressaltou que a demência já foi associada a cabeçadas repetitivas de jogadores profissionais de futebol na Grã-Bretanha.

“É hora de a comunidade global do futebol ter uma conversa real sobre cabecear, especialmente no jogo juvenil. Precisamos investigar urgentemente até onde essa crise se estende ao futebol amador e implementar imediatamente reformas para evitar a CTE na próxima geração”, disse.

Para Vinicius Loureiro, a forma mais eficiente para eliminar o problema seria proibir o uso da cabeça na partida, da mesma forma como é proibido o uso das mãos.

“Essa proibição é relevante, especialmente para os atletas com menos de 25 anos, que ainda não tem seu sistema nervoso plenamente desenvolvido e consolidado. Isso, no entanto, dependeria de uma alteração de regras que os responsáveis pelo futebol não parecem dispostos a fazer, a menos que os atletas e ex-atletas passem a investigar e exigir reparação por suas lesões, como ocorreu na NFL”, diz o advogado.

Por conta dos inúmeros choques de cabeça, a NFL sofreu com uma avalanche de processos. Tudo teve início depois que o médico Bennet Omalu fez uma pesquisa profunda e concluiu que a doença degenerativa em vários ex-atletas de futebol americano havia sido causada pelos golpes que eles haviam recebido na cabeça durante suas carreiras.

Omalu passou a compartilhar seus dados com a NFL, que negou qualquer tipo de relação e os pedidos do médico por mais segurança aos atletas. No entanto, outros estudos reforçaram a tese da relação da concussão com a doença. Diante disso e entendendo ser vítimas de negligência da Liga, os atletas recorreram à Justiça.

Baseada na ciência, a Justiça também entendeu que a NFL era responsável pela saúde dos atletas. A poderosa liga norte-americana chegou a pagar cerca de US$ 1 bilhão em processos e, então, finalmente decidiu criar novas regras de segurança, inclusive com o “Protocolo de Concussão”.

Fernando Monfardini, consultor de Compliance e advogado, afirma que esse é um tema que precisa ser tratado com bastante cuidado.

“Acredito que regras precisam ser criadas, mas antes é preciso um aprofundado estudo científico multidisciplinar, para evitar que as normas sejam ineficazes ou que impossibilitem a prática. A substituição, por exemplo, é importante, mas acontece quando o atleta já sofreu o trauma. Impedir cabeçada até um certo limite de idade é uma prevenção, mas pode afetar o desenvolvimento de fundamentos que hoje são importantes. Talvez a inovação pode auxiliar o futebol com equipamentos de proteção”, analisa.

No futebol, o protocolo de concussão foi aprovado pela International Football Association Board (IFAB), órgão regulador das regras do futebol, em dezembro de 2020. De acordo com a FIFA, a medida pretende “priorizar o bem-estar dos jogadores” ao evitar duas concussões seguidas dos atletas e reduzir a pressão sobre a comissão técnica no momento da avaliação em campo.

Apesar da aprovação, a medida ainda é pouca adotada nos principais campeonatos de futebol ao redor do mundo. Das grandes ligas da Europa, apenas a Premier League (Inglaterra) e a Liga NOS (Portugal) resolveram implementar o protocolo nas últimas temporadas.

Crédito imagem: Getty Images

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