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Exigências societárias para investir no mercado de apostas no Brasil

Por Bianca Beck Kunz, Leandro Antonio Pamplona e Paola Martins

O mercado de apostas em eventos esportivos e jogos on-line no Brasil tem enfrentado uma evolução significativa, especialmente após a sanção da Lei nº 14.790/23, de 29 de dezembro de 2023. Esta legislação estabelece um novo marco regulatório para a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa, alterando dispositivos de leis anteriores e introduzindo normas específicas para a operação de apostas virtuais e físicas em ventos esportivos e jogos on-line no país.

Um dos aspectos mais significativos introduzidos pela Lei nº 14.790/23 é as especificidades societárias apresentadas para que empresas sejam autorizadas a explorar atividade de apostas de quota fixa.

Tais disposições societárias encontram-se expressas no Art.7º da supracitada lei, que, resumidamente, aponta os seguintes requisitos legais:

  1. Apenas pessoas jurídicas podem obter autorização para explorar este mercado;
  2. Estas pessoas jurídicas obrigatoriamente precisam ser brasileiras, com sede e administração no território nacional;
  3. É necessário observar a matéria regulatória editada pelo Ministério da Fazenda
  4. Será fixado capital social mínimo para estas empresas;
  5. Exigência de comprovado conhecimento e experiência no mercado de pelo menos um dos integrantes do grupo de controle da empresa que desejar obter a autorização;
  6. Existirão requisitos específicos sobre administração destas empresas;
  7. Exigência de ter brasileiro como sócio detentor de, ao menos, 20% (vinte por cento) do capital social da empresa;
  8. Sócios ou acionistas destas empresas não poderão participar, direta ou indiretamente, das chamadas Sociedades Anônimas de Futebol ou organização esportiva profissional, nem atuarem como dirigentes de equipe desportiva brasileira.

Veja-se, portanto, da mera leitura do dispositivo legal, que são várias as especificidades societárias aplicadas às empresas que desejarem obter autorização para explorar atividade no mercado de apostas de quotas fixas.

No que diz respeito à exigência de que a empresa seja uma pessoa jurídica, parece-nos que tal requisito visa garantir que a exploração dessa atividade sensível se dê por empresas que demonstrem e detenham nível de estrutura organizacional bastante para os desafios de tal objeto social, o que presume o legislador que não seria possível na exploração através da pessoa física individualmente considerada.

Ao estabelecer que apenas pessoas jurídicas constituídas conforme a legislação do país, com sede e administração em território nacional, são elegíveis para explorar o mercado de apostas de quota fixa, enxerga-se a intenção do legislador de garantir um controle regulatório mais efetivo e alinhado às especificidades econômicas, sociais e culturais do Brasil.

Esta exigência reflete a intenção de assegurar que as empresas operando no setor estejam plenamente submetidas às obrigações fiscais, trabalhistas e empresariais brasileiras, além de facilitar a supervisão e a fiscalização das atividades pelas autoridades competentes.

Tal medida visa não somente promover uma maior integração econômica e social das atividades de apostas dentro do ecossistema nacional, mas também reforçar a responsabilidade das empresas para com a sociedade brasileira, assegurando que contribuam de maneira positiva tanto para a economia quanto para o desenvolvimento social do país.

No que diz respeito à exigência de um capital mínimo, uma vez mais o legislador brasileiro insiste na ideia de que o capital social pode assegurar a solidez e a viabilidade econômica das entidades envolvidas nesse mercado, demonstrando capacidade financeira necessária para cobrir os riscos associados à atividade, incluindo a capacidade de pagar prêmios, cumprir com suas obrigações fiscais e suportar eventuais adversidades sem comprometer a continuidade operacional.

Além disso, essa exigência tem por intenção promover a proteção dos consumidores, assegurando que somente operadores com uma base financeira sólida e confiável possam oferecer serviços de apostas, reduzindo o risco de fraudes e falências que possam prejudicar os apostadores.

Ao estabelecer um patamar mínimo de capital, é válida a intenção do legislador em buscar promover um ambiente de mercado mais estável, seguro e justo, fortalecendo a confiança no setor de apostas e incentivando práticas de negócios responsáveis e sustentáveis.

Todavia, a experiência anterior com fixação de capital social mínimo no país demonstra que tal exigência acaba por inviabilizar a livre iniciativa de empreendimentos, sem que, de fato, demonstra-se atingida essas intenções de garantias e segurança. Esta iniciativa de capital social mínimo é bastante criticada entre juristas da área do direito societário, e, não pode acaso, a mais difundida iniciativa de capital mínimo recente, que era a obrigatoriedade de capital social mínimo para constituição de empresas individuais de responsabilidade limitada, fora um decisivo fator para pouca utilização deste formato de empresa, até o ponto em que rapidamente foi extinta de nosso ordenamento.

Cumpre esclarecer que, por si só, a exigência de um valor a título de capital social mínimo não é garantia de que o sistema (fiscal, trabalhista, consumidor e etc…) estará incólume. O capital social de uma sociedade não se confunde com o seu patrimônio. É apenas um número inicial, que não fica depositado na Junta Comercial ou na conta corrente da sociedade. Significa dizer que o valor apontado no contrato social originário é consumido pela sociedade em seu desenvolvimento, não encontrando lastro em bens dessa.

Outro ponto polêmico da Lei diz respeito à necessidade de que tenha um brasileiro como sócio detentor de, no mínimo, 20% do capital social. A primeira reflexão é sobre a constitucionalidade dessa exigência. Assegurar uma participação nacional significativa no controle e nos benefícios gerados pela atividade de apostas, parece refletir um esforço do legislador em garantir que a exploração do mercado de apostas contribua também para o desenvolvimento econômico local.

Contudo, restringe investimentos estrangeiro no país, de forma que, para que empresas estrangeiras ingressem no mercado brasileiro de apostas, precisarão recorrer a formação de parcerias ou a composição societária que inclua sócios brasileiros com uma participação relevante.

No intuito de forçosamente incutir que uma parcela significativa dos lucros gerados pela atividade permaneça no país, contribuindo para a economia local, acaba tal disposição restringindo, potencialmente, o próprio fomento da atividade, pela limitação da forma de captação de recursos estrangeiros.

Essa obrigação também implicará na governança corporativa das empresas atuantes no setor. A participação societária mínima de brasileiros fatalmente irá influenciar em decisões estratégicas e operacionais.

Para as empresas interessadas em explorar o mercado de apostas em eventos esportivos e jogos on-line no Brasil, é crucial atentar para essa e outras exigências estabelecidas pela Lei nº 14.790. A conformidade com a legislação não apenas viabiliza a atuação no mercado, mas também contribui para a construção de um ambiente de negócios ético, transparente e socialmente responsável. É importante que as empresas se antecipem no cumprimento dessas exigências, estruturando suas operações de maneira a atender plenamente à legislação brasileira.

A imposição legal de que o sócio ou acionista controlador de empresa operadora de loteria de apostas de quota fixa não possa deter participação em Sociedades Anônimas do Futebol ou organizações esportivas profissionais, nem atuar como dirigente de equipes desportivas brasileiras, é uma medida crucial para mitigar conflitos de interesse no universo das apostas esportivas.

Tal restrição visa preservar a integridade dos eventos esportivos, garantindo que as apostas sejam conduzidas de maneira justa e imparcial, sem qualquer influência direta ou indireta que possa afetar o resultado das competições.

Essa separação entre as entidades operadoras de apostas e as organizações esportivas busca prevenir situações em que o resultado de um jogo ou competição possa ser manipulado em benefício de interesses financeiros particulares, comprometendo a credibilidade e a autenticidade do esporte.

Portanto, essa exigência é um mecanismo importante para manter a confiança dos consumidores e dos fãs de esportes, assegurando que os princípios de equidade e transparência prevaleçam no cenário esportivo nacional.

Diante das rigorosas exigências estabelecidas pela legislação para a operação de empresas no mercado de apostas de quota fixa, fica evidente que a entrada e a sustentação neste setor demandam uma estrutura societária meticulosamente planejada. A necessidade de cumprir com requisitos como a participação mínima de capital nacional, a proibição de conflitos de interesse entre operadores de loteria e organizações esportivas, e a imposição de um capital mínimo, sublinha a importância de um planejamento estratégico abrangente.

Com a exigência legal da presença de sócio brasileiro, acredita-se que um caminho a ser pensado pelos investidores estrangeiros é o das fusões ou incorporações. Na fusão duas sociedades se juntam e inauguram uma nova, enquanto na incorporação uma sociedade absorve outra. Esses arranjos societários permitem que investidores estrangeiros estejam alinhados às necessidades legais brasileiras e possam desenvolver sua atividade.

Para os empreendedores interessados neste mercado, é imperativo não apenas alinhar suas práticas às normativas legais, mas também adotar medidas proativas para mitigar riscos, garantindo assim a integridade, a viabilidade financeira e a confiança pública em suas operações. Isso implica na escolha cuidadosa de sócios, na gestão transparente e na implementação de controles internos eficazes.

Infere-se que a necessidade de estratégia bem elaborada e uma estrutura societária robusta, especialmente levando em consideração a exigência de sócio brasileiro, são fundamentais para navegar com sucesso no complexo ambiente regulatório das apostas esportivas no Brasil, maximizando oportunidades enquanto se minimizam potenciais riscos ao empreendedor.

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Por Bianca Beck Kunz

Advogada. Especialista em Direito Tributário e Societário. Com MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria. Fundadora da Beck Advogados. Conselheira de Administração Cerificada pelo IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) e Membro do IBGC e pela Gonew, escola de formação de Conselheiro de Administração para empresas de Tecnologia. Especialista em fusões e aquisições, tendo assessorado diversas operações em especial no setor de tecnologia.

Leandro Antonio Pamplona – Doutor e Mestre em Direito pela PUCRS. Advogado e Professor

Paola Martins – Sócia Beck Advogados Associados – Com sólida experiência e formação técnica na área empresarial, com foco no direito societário, graduou-se na Fundação do Ministério Público (FMP), conta com duas especializações concluídas, sendo uma em direito societário com foco em gestão de empresas pela Faculdade Brasileira de Tributação (FBT), e outra em direito civil e direito processual civil, também pela FMP. Atualmente, cursa sua terceira especialização, em gestão e marketing jurídico pela Verbo Jurídico, e desenvolve pesquisa acadêmica em seu Mestrado em Direito Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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