A volta do futebol na Alemanha, e o anúncio das retomadas na Itália, Espanha e Portugal fez crescer o movimento na França para que governo e Liga revejam a decisão do cancelamento da temporada. O presidente do Lyon, Jean-Michel Aulas, enviou uma carta solicitando uma assembleia para tratar do assunto. Mas esse caminho é possível? Sim, mas exige entendimento.
A ideia do presidente do Lyon é que, a partir da votação entre todos os clubes participantes, o campeonato possa ser retomado. “Voltaremos a escrever à LFP para apelar, com respeito, a todas as decisões das últimas semanas. Esperamos que, diante uma assembleia extraordinária e sob um ponto de vista econômico, se possa falar para seguir as diretrizes da Uefa de poder organizar o encerramento do Campeonato Francês”, escreveu Jean-Michel.
O governo francês decidiu ainda em abril que qualquer pratica esportiva está proibida até agosto. Em função disso, a Liga declarou o Paris Saint German campeão, e o Lyon sequer se classificou para a Liga Europa, já que a tabela final foi usada como critério de classificação para as competições continentais e para rebaixamento.
O movimento do Lyon tem o apoio de clubes prejudicados por essa decisão como as equipes que foram rebaixadas sem o campeonato ser concluído, e que já afirmaram que irão à Justiça contra a decisão. Mas o caminho não é fácil. Para mudar a decisão é importante, além do apoio da Liga, consenso entre clubes e autorização do governo.
Brice Beaumont, advogado esportivo na França, lembra que a a Federação Francesa tem o poder de anular a decisão da Liga: “nessa semana, ela usou esse poder para anular o voto dos 40 clubes de serie A e B de a favor de um campeonato de serie B com 22 clubes, sem rebaixamento”. Depois dessa anulação, ela teria que reunir os clubes em uma grande assembleia extraordinária para aprovar ou não o retorno. E, se aprovado, seria fundamental, adaptar os regulamentos dos campeonatos, “tendo a aceitação da federação e do governo”, lembra Brice.
Pedro Mendonça, advogado especializado em direito esportivo, também acredita ser possível uma reviravolta. “Em se tratando de um caso excepcional como esse, é possível que não haja normas específicas sobre o tema; nesse caso, deve-se recorrer a normas mais gerais e, em última análise, ao Direito francês. Mas creio que, se houver unanimidade entre os clubes que integram a liga, aumentam consideravelmente as chances de validade e legitimidade da decisão”, me disse ele.
Claro que qualquer decisão implica em risco, ainda mais nesse momento excepcional, em que tudo acontece como jamais se imaginou. Tanto que o cancelamento do campeonato já provocou a revolta dos prejudicados, que estão articulando recursos e irão à Justiça.
Uma decisão pela volta também traz esse risco. Primeiro que as ações contra a decisão pelo cancelamento “caducariam”, perderiam seu objeto, uma vez que o campeonato voltaria e não teria mais sentido a discussão.
Agora, a retomada daria espaço para os clubes beneficiados pelo cancelamento procurarem a Justiça. “Não tanto o PSG que tem 12 pontos a mais que o segundo colocado. O principal problema do PSG seria a gestão da motivação dos jogadores, já que poucos querem voltar a campo para jogar uma competição com um campeão já declarado. A maioria pensa nas competições europeias e no rebaixamento. Seria mais provável que clubes como Rennes, Reims e talvez Nice, que se aproveitaram bastante da paralisação do campeonato, possam ter elementos para questionar a volta na Justiça. “
É importante destacar que a decisão pelo cancelamento já foi homologada, já que a homologação foi automática.
E isso reforça caminhos jurídicos para os prejudicados pelo retorno. Mas Pedro Mendonça destaca algo importante que “depende dos estatutos, regulamentos e demais normas da Liga; é possível, por exemplo, que elas prevejam sanções em caso de recurso ao Judiciário, o que certamente inibiria ações dessa natureza.”
Ou seja, caminhos existem para uma reviravolta. Para isso é fundamental a vontade da federação, entendimento dos clubes e autorização do governo. E, mesmo com tudo isso, discussões na Justiça serão quase inevitáveis.
E isso deve acontecer, seja qual for a decisão do futebol francês, ou de qualquer outro lugar no planeta.
A situação é inimaginável, e quando isso acontece, o que menos se tem é segurança jurídica.
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