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Existe corrupção no esporte?

Para caracterização dos crimes de corrupção passiva¹ e ativa² no ordenamento jurídico vigente brasileiro, impõe-se a violação da ordem da administração pública, mediante participação, conforme o caso, de funcionário público ou pessoa equiparada³. Atualmente, não há previsão específica para corrupção entre organizações privadas, mas somente a Lei Anticorrupção, que apesar de alcançar pessoas jurídicas de direito privado, ainda demandam o envolvimento com empresas públicas para caracterização do ilícito penal.

A atipicidade de atos de corrupção no âmbito privado causa ausência de resposta criminal e cível, impedindo a atuação direta da Justiça, ainda que se constate vantagem ilícita obtida por meio fraudulento e prejuízos de terceiros.

Além disso, por via indireta obstaculiza a cooperação internacional, para extradição de sujeitos que incorrem nesse crime, e poderiam ser investigados e julgados em países onde há referida previsão legal.

Quanto muito, alguns casos ainda são configurados como associação criminosa, fraude, estelionato ou lavagem de dinheiro, de forma que a sociedade é afetada com os desvios indevidos dos cofres públicos, impactando também o direito à livre concorrência e a estabilidade dos negócios.

A importância do tema abordado neste espaço do Lei em Campo, remete aos emblemáticos casos de corrupção no esporte, envolvendo a condenação e prisão de dirigentes da alta cúpula das entidades de administração desportiva, e a razão de muitos outros ainda permanecerem à margem da justiça, ante a antijuridicidade formal de suas condutas, muito embora sejam típicos ilícitos criminais, praticados para obter vantagem ilícita em benefício próprio.

Em ordens jurídicas estrangeiras, verifica-se como a previsão legal contribuiu para a fundamental responsabilização dos agentes criminosos, os quais, pelas mesmas práticas, não incorreriam em crime no Brasil.

Promulgada em 1977 visando combater à corrupção transnacional praticada por pessoas físicas e jurídicas, a legislação federal norte americana, Foreing Corrupt Practices Act (FCPA), conta com um sistema de fiscalização denominado “books and records”, funcionando como registros contábeis, os quais serviram de caminho para responsabilizar atos de corrupção privada. A prática de suborno ou propina realizada a fim de obter vantagem indevida (“private-to-private bribery”) prevê multa de até 10 anos e multa.

A corrupção no setor privado possui tipificação penal na França, Suíça, Inglaterra (Bribery Act), Áustria, Alemanha, China, Coréia do Sul, Colômbia, Venezuela, Chile, consoante recomendação da ONU.  Na mesma linha, após movimento da União Europeia derivado da decisão quadro 2003/568/JAI, Portugal passou a prever a corrupção privada como crime.

Por outro lado, a legislação alemã buscou tutelar juridicamente a questão muito antes, já em 1909, pretendendo assegurar os direitos concorrenciais, motivação diversa da que se verifica no ordenamento jurídico francês, que por sua vez, objetivou preservar o abastecimento nivelado de produtos, em razão da escassez enfrentada no pós-guerra, prevendo como crime a exigência de vantagens indevidas para se beneficiar em tais situações. Outro fator importante que suscitou a instituição legislativa do tema nesses países pautou-se na segurança e solidez nas relações sociais e contratuais.

Diversos Estados norte-americano dispõem em seus códigos penais a “propina comercial” (“Commercial Bribery”). Por mérito de tais previsões que esquemas de fraude, lavagem de dinheiro e corrupção foram investigados e apenados no conhecido “Fifa Gate”, caso que ensejou a condenação criminal do brasileiro e ex-presidente da CBF José Maria Marin, pela jurisdição reivindicada pelos Estados Unidos, ante à previsão do tipo penal.

O escândalo de corrupção na FIFA ascendeu o movimento legislativo brasileiro. A tipificação do crime de corrupção privada constou como objeto do PL 5.895/16, para alterar a lei 9.279/967 (Lei de Propriedade Industrial), e buscou instituir o crime de corrupção privada como uma modalidade de concorrência desleal (receber dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa para proporcionar vantagem a concorrente do empregador).

Por seu turno, o projeto de lei que propôs a reforma do Código Penal (PLS 236/2012), instituiu a figura da “corrupção entre particulares”, com pena privativa de liberdade, de 1 a 4 anos, enquanto a pena atualmente imposta aos crimes de corrupção previstos no Código Penal vigente são de reclusão de 2 a 12 anos e multa, cuja redação se daria da seguinte forma:

“Art. 167. Exigir, solicitar, aceitar ou receber vantagem indevida, como representante de empresa ou instituição privada, para favorecer a si ou a terceiros, direta ou indiretamente, ou aceitar promessa de vantagem indevida, a fim de realizar ou omitir ato inerente às suas atribuições (…) Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem oferece, promete, entrega ou paga, direta ou indiretamente, ao representante da empresa ou instituição privada, vantagem indevida.”

Além disso, vale citar o PL 68/17, tão comentado em diversas ocasiões no Lei em Campo, o qual visa atualizar amplamente a Lei Pelé, e entre as previsões, inseriu a corrupção privada.

Referidas proposições legislativas coadunam com as premissas da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, o qual o Brasil é signatário, e que impõe a tipificação do suborno no setor privado, contando com mecanismos de prevenção e fiscalização da corrupção por meio da Controladoria Geral da União, o Portal da Transparência, a Lei de Acesso Informação, para a premente prevenção, fiscalização, responsabilização e recuperação de valores.

Atualmente, a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13) prevê a possibilidade de uma entidade privada ser jurisdicionada por atos de corrupção, desde que haja envolvimento de servidor ou ente público. De modo semelhante, a Lei da Empresa Limpa visa assegurar a lisura nas licitações e nos contratos firmados entre empresas privadas e órgãos públicos, impondo responsabilidade objetiva, administrativa e civil, a quem incorrer em tais práticas.

A Lei Anticorrupção derivou do PL nº 6.826, proposta pela Controladoria Geral da União, órgão federal do Poder Executivo, visando maior transparência do Poder Público e a correta gestão dos patrimônios públicos, passando a instituir punições específicas a quem incorre em atos lesivos à Administração Pública, ao patrimônio público, aos princípios da administração pública, bem como de encontro à acordos internacionais ratificados pelo ordenamento jurídico brasileiro para tutelar o equilíbrio econômico financeiro dos contratos, lisura nas licitações, contribuir com a fiscalização das agências reguladoras do sistema financeiro nacional.

Torna-se nítida, portanto, a objetividade jurídica da tipificação dos atos de corrupção, não obstante quem figura passiva ou ativamente, pessoa pública ou privada, destacando as consequências adjacentes como ofensa à livre concorrência, ao distorcer a competitividade sadia do mercado, superfaturando o preço de serviços sem que corresponda ao ideal custo benefício.

Em conclusão das ideias abordadas, cita-se um estudo realizado pela ONG Índice de Percepção de Corrupção da Transparency International, onde relacionou atos de corrupção com a desigualdade de riqueza e oportunidades. Conduzindo essa lógica ao esporte, verifica-se que de diversas maneiras atos de corrupção ferem frontalmente o fair play e a integridade desportiva, e por isso a importância de se tipificar a corrupção como crime também quando cometida entre entidades privadas, sem que seja necessário, para o enquadramento penal, tão somente a ofensa a ordem da administração pública.

Em resposta, por fim, ao título conferido a esse texto, se houver atos de corrupção entre entidades privadas no esporte, não se pode dizer que há corrupção. Ainda que sejam ações ou omissões próprias do tipo penal, não há caracterização penal, ante a atipicidade da conduta ocorrer integralmente em âmbito privado. Afirmar que não há juridicamente incorrência em crime, não afasta as ações corruptas que ainda assombram o setor.

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https://www.projuris.com.br/blog/lei-anticorrupcao/

https://www.egea.com.br/post/lei-anticorrup%C3%A7%C3%A3o-entenda-como-funciona

https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/corrupcao/convencao.html

https://brasil.un.org/pt-br/158248-projeto-global-contra-corrupcao-no-setor-privado-sera-implementado-durante-tres-anos-em-sete

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