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Fair play, ética e justiça: nova Lei Geral reforça compromisso do esporte

Não pode existir movimento jurídico privado do esporte longe de direito. A busca pela justiça é o cerne de todo movimento jurídico, seja ele estatal ou não.  Dando uma lida na nova Lei Geral do Esporte – que deve ser sancionada pelo presidente Lula a qualquer momento – vi que o legislador se preocupou em reforçar na Lei um entendimento importante sobre “fair play”: ele vai muito além de um “espírito de jogo”, é parâmetro para decisões jurídicas no esporte.

O artigo 187 da futura nova Lei traz a exigência da aplicação do Fair Play esportivo na gestão do esporte nacional, estando assim descrito:

Art. 187. As organizações esportivas promoverão a prática esportiva com base em padrões éticos e morais que garantam o fair play ou jogo limpo nas competições.

O dispositivo prevê a criação de regras de organização interna que garantam a transparência das competições, bem como a incorporação de regulamentos internacionais das modalidades, adaptando-os, no que for possível, à realidade nacional.

Mas seria preciso legislar?

Acredito que a lei ajuda a dar força a princípios, que devem sempre servir de referência ao intérprete na aplicação da lei ao caso concreto. E lembro aqui de uma decisão do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) que mostrou que “fair play” vai muito além de espírito de jogo, é regra que deve ser respeitada.

Fair Play como regra

O caso aconteceu na competição de Hockey sobre o gelo nas Olimpíadas de Inverno de Nagano. O episódio lá de 1998 deve ser sempre usado como jurisprudência quando alguém do esporte tenta buscar vantagem indevida se utilizando de regulamento esportivo.

Um atleta da seleção da Suécia de hockey se naturalizou americano e em função disso perdeu a nacionalidade sueca. A lei do país europeu não permite dupla nacionalidade nessa hipótese. Mesmo assim, o atleta participou de três jogos da Suécia nos Jogos Olímpicos de Inverno de Nagano, em 1998.

Ao descobrir a irregularidade, o jogador foi afastado, mas a seleção não sofreu punição. Nenhuma equipe que perdeu para a Suécia contestou a decisão, mas a seleção Tcheca ( QUE NÃOP ENFRENTOU A SUÉCIA), sim. Ela entendia que se a Suécia perdesse os pontos dos dois primeiros jogos, enfrentaria um adversário mais fraco na fase eliminatória.

O pedido do Comitê tcheco estava baseado no regulamento da Federação Internacional de Hockey. O artigo 204 (7) do regulamento previa que a equipe que jogasse com um atleta não elegível para a competição (irregular) deveria perder os pontos nos jogos em que ele atuasse.

Sempre importante lembrar que a perda de pontos via decisão de um Tribunal afeta  o diretamente um dos princípios mais caros ao esporte, o pro competitione (prevalência do resultado de jogo) e traria consequências à competição Olímpica.

Nessa complicada situação, o TAS recorreu ao princípio do fair play.

O Tribunal entendeu que o Comitê Olímpico Tcheco estava mal-intencionado no pedido, uma vez que a equipe de hockey do país sequer tinha sido afetada pela participação do atleta sueco.

Disse também que a equipe tcheca estava buscando ser tratada como aquelas que obtiveram melhor resultado nas partidas classificatórias.

Por fim, finalizou a reflexão entendendo que a atitude tcheca contrariava “o ideal olímpico de fair play”.

O princípio do fair play está consagrado na Carta Olímpica – espécie de Constituição do Movimento Olímpico. Em função disso, o Tribunal argumentou que tal princípio permitia que no caso concreto se deixasse de lado a interpretação restritiva do regulamento da IIHF, que se fosse aplicado falsearia a sinceridade dos resultados finais e uma melhor adequação.

No direito esportivo, é condenável utilizar uma regra para obter um resultado que fira o princípio do fair play. No caso, uma regra destinada a assegurar a sinceridade das competições estava servindo de argumento perverso, que falsearia os resultados adquiridos no campo de jogo pelas equipes não culpadas.

Neste caso, o TAS, ao aplicar um princípio, não só resolveu um problema sério nos Jogos Olímpicos, como também criou um padrão interpretativo que serve como uma jurisprudência desse movimento jurídico privado do exporte.

Fair play, ética e justiça

Aprendizado. Referência. Com uma jurisprudência reconhecida pelos integrantes da cadeia associativa do esporte, o TAS mostra como ele não só funciona como a última instância julgadora da Lex Sportiva, mas como também é importante na concretização das normas através de suas decisões.

Estas decisões, ao lado de princípios gerais de direito e da proteção de direitos humanos, servem como base para afirmação da autonomia e reconhecimento estatal de um movimento legítimo e organizado.

O texto da nova Lei Geral do Esporte ao tipificar o fair play reforça um compromisso inegociável do esporte com a ética, aliada permanente da justiça.

Afinal, o Fair Play ajuda a manter a credibilidade e a popularidade dos esportes.

Como já ensinava Aristóteles um tempinho atrás, a justiça é disposição de caráter que faz com que os homens mais do que desejem o justo, pratiquem o justo.

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