O primeiro mês de 2020 nem acabou e a CBF já apresentou dois documentos importantes para o mercado do futebol no país: o Regulamento de Registros e Transferências de Atletas e o Regulamento de Intermediários para a temporada 2020 do futebol nacional. Mas ainda não publicou as normas para o Fair Play Financeiro, ainda em fase final de revisão e ajustes, conforme assessoria de imprensa da entidade.
“O Fair Play Financeiro é um conjunto de medidas que visa levar os clubes ao equilíbrio econômico. Ou seja, gastar dentro do que se arrecada, manter pagamentos em dia com atletas, clubes e impostos, e dívidas dentro da capacidade de pagamento. O objetivo é tornar a indústria mais saudável, evitar problemas como o que vemos com o Cruzeiro, e garantir a sustentabilidade dos clubes a longo prazo”, explica o economista César Grafietti, que está por trás da implantação do conjunto de regras no Brasil.
Durante o ano de 2019, o assunto foi amplamente discutido. Muito em razão do poderio econômico de clubes como Flamengo e Palmeiras. Mas, também, por exemplos de má gestão, como a do Cruzeiro. A expectativa é que as regras de Fair Play Financeiro sejam implantadas pela CBF agora em 2020, na Série A e na Série B do Campeonato Brasileiro. No entanto, sem punições imediatas previstas.
Na Europa, a falta de controle financeiro pode levar os clubes a receberem desde uma simples advertência até multas pesadas, além da possibilidade de perda de pontos, títulos e premiação. Outra punição é a limitação de inscrição de atletas e exclusão de competições. As regras são tão rígidas que muitas negociações não se concretizam. Foi o que aconteceu recentemente com Gustavo Scarpa. O Almería, da Espanha, desistiu da compra do meia do Palmeiras e também de Leonel Di Plácido, lateral do Lanús, da Argentina, por medo de retaliação.
“Associado ao Fair Play Financeiro, vem a necessidade de gestões mais eficientes, que aprendam a contratar, a formar atletas, a organizar elencos, diferentemente do que vemos em muitos clubes no Brasil”, pondera César Grafietti. O Cruzeiro é o caso mais emblemático. Os problemas administrativos levaram o clube ao rebaixamento, em campo, e aos tribunais, por dívidas.
O Vasco, por sua vez, começou 2020 com restrição para registro de atletas por dívida com Jorge Henrique. Depois, viu o vice-presidente de Controladoria, Adriano Mendes, pedir demissão. O motivo? O técnico Abel Braga foi contrato por um salário maior do que o pago a seu antecessor, Vanderlei Luxemburgo. Além disso, o acerto com o atacante Germán Cano e outras negociações não tiveram “comunicação prévia ao Departamento Financeiro para avaliação de adequação ao fluxo de caixa do clube” em um período de “delicada situação financeira, inclusive com salários em atraso”, informou Mendes por meio de nota oficial.
É preciso sair desse ciclo vicioso e caminhar no sentido da autorregulação. “É um caminho sem volta! Com regras claras, a boa gestão será apoiada e valorizada, enquanto a gestão irresponsável não”, sentencia Nilo Patussi, advogado especialista em gestão e compliance. Tanto que programas como o “Rating Integra”, proveniente do Pacto pelo Esporte, atraem marcas dispostas a apoiar o desporto, desde que “as entidades esportivas estejam comprometidas com a boa gestão, integridade, ética e, principalmente, transparência, para conquistar patrocínios”, completa.
“Outro aspecto importante deste momento é o risco reputacional” acrescenta André Pontin, advogado e consultor de governança, compliance e gestão empresarial. “Nas empresas este talvez seja um fantasma que ronda todas as decisões estratégicas. E nos clubes? Atualmente, estes riscos não me parecem ser, ainda, relevantes. Mas serão, especialmente se os patrocinadores começarem a avaliar este risco de vinculação de suas marcas”.
Uma razão a mais para que a autorregulação aconteça de fato e que seja controlada, principalmente quando recursos públicos forem utilizados. Seja por apoio direto de empresas estatais, ou por isenções. “Neste aspecto, penso que está atrasada a criação da norma que regule a governança dos clubes. Exigir transparência total sobre os recursos, criar mecanismos efetivos de controle interno e externo, entre outras ações”, avalia Andé Pontin.
Enquanto, as regras não saem do papel, Palmeiras e Flamengo fazem o dever de casa e servem de exemplo. Com resultado financeiro abaixo do ideal em 2019, o clube paulista segue o manual básico de gestão neste início de temporada, que indica a necessidade de cortar custos e aumentar receitas. No futebol, isso significa vender atletas e segurar investimento.
O Flamengo, por sua vez, mesmo contratando muito “trabalha dentro de suas possibilidades. É necessário dizer que isso já ocorre desde 2017, quando os investimentos iniciaram um processo de expansão. Com mais receitas, o clube consegue gastar mais”, lembra César Grafietti.
“A autorregulação, que na verdade é uma regulamentação da indústria, é o único caminho para colocar os clubes nos trilhos. Pelo menos, para uma boa parte que ainda não entendeu que a realidade bateu à porta. Se não arrumarem a casa, os clubes podem desaparecer”, finaliza o economista.
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