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Fifa precisa decidir de tem ou não uma política efetiva de direitos humanos

Tudo aquilo que se pensava sobre as irritações que a Copa no Qatar traria para a FIFA acabou se confirmando. O mundial já está marcado por polêmicas anunciadas e coloca em xeque a política de direitos humanos da entidade. Afinal, ela é para ser efetiva ou é só um instrumento institucional?

A Fifa proíbe braçadeira nas cores do arco-íris, recebe em troca manifesto coletivo de atletas combatendo o preconceito; proíbe camisa de seleção com destaque a palavra “love”, e vê uma arquibancada tomada por torcedores pedindo respeito às mulheres no Irã.

É importante entender que o esporte não se afasta do direito e o direito tem como base a proteção de direitos humanos. A Declaração Universal de Direitos Humanos, tratados internacionais e os próprios regramentos internos da Fifa reforçam esse compromisso inegociável.

Basta dar uma olhada no estatuto da entidade, a “constituição” do movimento privado do futebol.

No art 4. 2, a entidade se declara neutra em matéria política e religiosa (tentando proteger a utopia da neutralidade esportiva). Mas complementa escrevendo que exceções se darão em casos que dizerem respeito aos objetivos estatutários da Fifa.

Um pouquinho antes, o artigo 3 do estatuto diz que a Fifa protege direitos humanos.

A entidade traz ainda a Política de Direitos Humanos apresentada em 2017 e um novo Código Disciplinar que se tornou mais rigoroso no combate ao preconceito.

A verdade é que a Fifa precisa decidir se abraça ou não sua política de direitos humanos. A autorregulação não pode ser só propaganda institucional, precisa ser guia concreto de conduta.

Política de Direitos Humanos da Fifa

Depois do tsunami que afastou a cúpula da entidade, o Fifagate de 2015, prendendo alguns dos principais dirigentes da entidade por corrupção, e com a imagem afetada pelas escolhas das sedes do Mundial de 2018 e 2022. a FIFA decidiu adotar uma política de defesa dos direitos humanos.

A entidade-mor do futebol mundial incluiu em seu Estatuto, no art. 3, a previsão de que a “FIFA está comprometida com o respeito aos direitos humanos internacionalmente reconhecidos e deverá empreender esforços para promover a proteção desses direitos”.

A entidade foi além. Ela encomendou ao professor John Ruggie, uma autoridade mundial no assunto, a elaboração de um relatório com recomendações para implementação o de uma política de direitos humanos, implementada em maio de 2017.

O relatório de Ruggie trouxe 25 recomendações e deu origem à Política de Direitos Humanos da FIFA, trata de:

– direitos trabalhistas;

– direitos de habitação;

– combate à discriminação;

– segurança nos grandes eventos;

– direitos dos atletas.

A FIFA estabeleceu expressamente compromisso de se articular construtivamente com os Estados para sustentar a sua política de direitos humanos, e a observância desses direitos passaria a ser critério para a escolha das sedes dos eventos da entidade.

No livro “Lex Sportiva e Direitos Humanos: Entrelaçamentos Transconstitucionais e Aprendizados Recíprocos”, Vinícius Calixto explica:

“A escandalização gerada pela deflagração dos esquemas de corrupção aliada aos problemas envolvendo violações de direitos humanos, com destaque para a situação dos trabalhadores migrantes no Catar, e a necessidade de retomar a credibilidade da instituição fizeram com que a FIFA tomasse medidas para retomar a sua credibilidade, buscando promover maior democracia, transparência e accountability, e mudando sua postura frente à proteção e promoção de direitos humanos”.

A partir dessa nova política, a organização mandava um recado de que exigiria que as revisões de direitos humanos fizessem parte do processo de licitação de seus eventos.

Inclusiva, ela conduziu análises de Marrocos e da América do Norte antes de determinar em 2018 que a Copa do Mundo de 2026 será nos Estados Unidos, Canadá e México, e mesmo assim criticou os Estados Unidos e o Canadá por falta de compromissos específicos com os direitos humanos.

Mas a associação com países que violam direitos humanos segue forte e a entidade ainda não conseguiu convencer a opinião pública de que realmente está comprometida com sua política.

A Copa no Qatar

A verdade é que a FIFA decidiu em 2010 levar os jogos para o Qatar, sem realizar a necessária diligência de direitos humanos.

Ela esqueceu de entender a relação trabalhista dos operários migrantes que construiriam a estrutura para o mundial. Ela também não avaliou as denúncias sobre a discriminação sistêmica que mulheres e comunidades LGBTQIA + sofrem no país árabe.

Ela simplesmente decidiu fazer a Copa sem levar a sério a própria política interna – e recente – da entidade.

Coletivos de direitos humanos cobram na justiça uma indenização milionária para trabalhadores que levantaram a infra estrutura para a Copa em condições similares à escravidão.

Relatório do ano passado da Human Rights Watch documentou que as leis, regulamentos e práticas do Qatar impõem regras discriminatórias de tutela masculina, que negam às mulheres o direito de tomar decisões importantes sobre suas vidas.

Como é sabido, o código penal do Qatar pune relações sexuais consensuais entre homens maiores de 16 anos com até 7 anos de prisão (artigo 285). O código prevê também penas de um a três anos (artigo 296) para qualquer homem que “instigue” ou “estimule” outro homem a “cometer um ato de sodomia ou imoralidade”. A pena de até 10 anos (artigo 288) é imposta a quem se envolver em relações sexuais consensuais, o que pode ser aplicado a relações homossexuais consensuais entre mulheres, homens ou parceiros heterossexuais.

Além disso, no país há uma limitação evidente a Liberdade de Expressão e a Liberdade de Imprensa. Ou seja, o Qatar e a política da Fifa não conversam.

Não se trata aqui de querer mudar as leis do Qatar. Muito menos de não respeitar a soberania do país. O que se discute ao levar a Copa para o Qatar é a política de direitos humanos da FIFA. Ela é para valer ou não?

Se as leis estatais no Qatar – e é preciso entender realidade local – dificilmente mudarão, o esporte precisa aprender com essas irritações e avançar na proteção de compromissos inseparáveis.

As medidas tomadas para escolhas das sedes de grandes eventos esportivos decorrem também de recomendações constantes em suas novas políticas e regramentos internos.

Isso mostra uma resposta efetiva do movimento esportivo às críticas que sofreu relacionadas a questões como sustentabilidade, transparência, gestão e respeito aos direitos humanos.

Crédito imagem: Federação Alemã de Futebol

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