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Final de campeonato: tempo da “mala branca” e suas implicações jurídicas

Por Higor Maffei Bellini

Olá a todos, espero que estejam bem. Faz um tempo desde a nossa última aparição por aqui e voltamos nesse momento de final da série “A” do campeonato brasileiro masculino, onde temos clubes brigando para serem campeão, receber a premiação, estar em destaque na impressa e disputar a libertadores de 2024. E outro tanto, brigando para não ir para a série “B” evitando assim a perda de arrecadação, a gozação dos adversários e tudo o que a passagem pela série “B” traz consigo.

Em outras palavras, estamos naquele período do ano, em que inspirados em “Papai Noel”, os clubes e porque não seus dirigentes ou torcedores prometem, um prêmio aos jogadores de outras equipes, para que estes ganhem os seus jogos, ou segurem o empate com os concorrentes diretos das equipes que prometera a vantagem. A famosa “Mala Branca” que nada mais é do que um bicho (prêmio na linguagem do futebol) que é pago para que a outra equipe se sinta mais motivada a ganhar o jogo, já que nessa reta final de campeonato às vezes as equipes, entram em campo já sem motivação, sabendo que não vão cair, ou serem campeãs, e já felizes naquela zona da tabela que se encontram.

Lembrando que a denominação bicho para os prêmios recebidos pelos jogadores de futebol, tem a sua origem no início do século XX, quando o futebol era praticado de maneira amadora, sem que os atletas recebessem salários, e para disfarçar o recebimento de valores, utilizando-se dos animais e número do “jogo do bicho” dirigente e torcedores da equipe, prometiam dar o equivalente em dinheiro ao que representava o bicho.

Creio eu que essa situação, da mala branca, exista desde que surgiu os campeonatos de futebol, e talvez exista em outros esportes, já que desde os primórdios podemos ter essa situação em que haverá um jogo entre uma equipe com o seu ano já resolvido, contra outra que precisa perder para favorecer a uma terceira equipe, que luta com a outra pela classificação.

Mas, porque então deste texto já que todo ano, algum clube resolver agir como Papai Noel e distribuir dinheiro, para os jogadores dos outros clubes vencerem os seus jogos, que já seria uma obrigação contratual sua, jogar para ganhar?

Simples meus caros.

Este ano o Brasil recebeu uma serei de notícias de que haveria suspeitas de manipulação de resultados, mediante o pagamento de suborno a jogadores, para que esses perdessem as partidas, tomassem determinado número de gols, ou fizessem pênaltis, o que alguns chamariam de “mala preta”.

Vejam que ambos os casos: existem terceiros interessados no resultado de um jogo, oferecem valores a jogadores, para influenciar o seu rendimento em uma determinada partida, seja para vencerem, para vencerem com muitos gols, empatarem ou perderem.

É interessante observa o que estabelece a Lei Geral do Esporte em seu artigo 177:

Art. 177. A prevenção e o combate à manipulação de resultados esportivos têm por objetivo afastar a possibilidade de conluio intencional, ato ou omissão que visem a alteração indevida do resultado ou do curso de competição esportiva, atentando contra a imprevisibilidade da competição, prova ou partida esportiva com vistas à obtenção de benefício indevido para si ou para outros.

Parágrafo único. A administração pública federal estabelecerá parcerias com as organizações esportivas que administram e regulam a prática do esporte para promover mecanismos de monitoramento das competições esportivas com vistas a possibilitar a prevenção e o combate à manipulação de resultados esportivos

Pelo texto da Lei Geral do Esporte, seja “mala branca” ou “mala preta” não poderia acontecer, pois em ambos os casos se busca modificar o resultado da partida, que deveria ser definido apelas pelas condições técnicas e físicas dos atletas, ou até mesmo pela própria sorte, a favor daquele que oferece a vantagem financeira, atentando contra a imprevisibilidade da partida.

Esta a meu ver é uma das implicações jurídicas da “mala branca”, já que este texto que veio para o ordenamento jurídico, em junho de 2023, pode ser um fator complicador, não creio inibidor da ocorrência da “mala branca”, já que quem precisa que o outro time perca, dizendo que isso é parte da cultura não deixará de o fazer e o jogador, que as vezes está com o salário atrasado, vendo que vai ganhar a mais para fazer o seu trabalho, poderá receber a “mala branca”.

Poderão surgir outras maneiras de ser efetuado esse pagamento, buscando dar uma imagem de legalidade, na transação para se buscar tentar evitar as consequências, trabalhistas, desportivas e criminais, para os atletas. Bem como as criminas e desportivas para quem ofertar

Não sabemos, até porque a lei é nova a questão, será analisada pela polícia, ministério público e pelos tribunais se haverão de considerar a “mala branca”, como até hoje foi já que não localizei processo crime por “mala branca” algo comum e folclórico do futebol brasileiro, que mesmo todos sabendo que afetava a uma partida, era tolerado ou se passará a ser visto como uma forma de manipulação de resultado, implicando a todos os jogadores que equipe que recebeu o incentivo e o dirigente que ofertou.

A Lei Geral do Esporte tem dispositivos específicos prevendo a tipificação penal desta conduta, relacionadas a influenciar os resultados esportivos, de jogos de outras equipes, nos artigos 198,199 e 200, como se observa abaixo:

Art. 198. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Art. 199. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Art. 200. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Que já existiam no estatuto do torcedor, e que como todos sabem não inibia a mala branca, mas, agora quem sabe em razão do que aconteceu no ano de 2023 isso mude. Só o tempo dirá o que acontecerá.

É interessante, ainda, fazer uma reflexão sob a ótica trabalhista desta questão posto que o atleta que recebe valores, de outro time (lembrando que estou tratando apenas da questão da mala branca, não a simples tentativa de manipulação de resultados, visando lucros com apostas) para ganhar o seu jogo, também pode ter o seu contrato de trabalho rescindido por justa causa, segundo as normas da CLT.

Isto porque a norma consolidada no seu artigo 482 traz a lista básica, do que pode ser considerado como justa causa, para o empregador rescindir o contrato de trabalho, com a aplicação das penalidades ao empregado que traz a justa causa. Mas o que interessa no caso da “mala branca” é a letra “a” sei que alguns colocam também a letra “H” mas penso que o mais acertado seria apenas a letra “a” que trata de improbidade.

O atleta que recebe valores para ganhar uma partida, vindo de outra pessoa que não seu empregador, é improbo, sim, porque está aceitando conversar com outras pessoas sobre o objeto do seu trabalho e revelando que o que recebe do seu empregador, não lhe é satisfatório. E o mais importante, quem aceita valores para jogar mais que o normal, em teoria, poderia aceitar conversar para jogar menos.

A questão que pontua a justa causa é a possível quebra de confiança do empregador no empregado, que poderia passar a desconfiar que este aceita, receber valores de terceiros, o que pode prejudicar a sua empregadora, no futuro.

Pela gravidade das consequências que traz o oferecimento e o recebimento da mala branca, esta ocorrência precisa ser cabalmente provada, não bastando a simples alegação do atleta, de que fora procurado para receber o doping financeiro que seria a mala branca, tal qual como no caso de manipulação para apostas, este deve concretamente provado.

Alegar e o não provar é o mesmo que não alegar, porém, neste caso como alegação pode destruir a carreira das pessoas envolvidas, a não comprovação das alegações poderá resultar em processo civis e criminais, visando reparar a honra dos denunciados, não basta assim a alegação de que aconteceu, não bastam conversas fora de contexto.

Devendo ser ainda lembrado que a existência de uma possível condenação junto a justiça desportiva, não implica em ser verdade a denúncia, haja vista que a justiça desportiva não tem o poder e o tempo necessário para produzir as provas necessárias, para fazer a comprovação da culpa, como, por exemplo, quebra de sigilo bancário, ou das comunicações, se baseando via de regra apenas nas palavras do denunciante, razão pela qual essa condenação poderá ser anulada na justiça comum. E com essa anulação os denunciantes poderão ser processados.

Desta forma, mais uma vez, com a chegada do final do ano, e do final do campeonato brasileiro e voltamos ao assunto da “mala branca”, porém desta vez temos dois novos fatores, na equação a serem considerados: a  nova legislação, representada pela lei geral do esporte, bem como a enxurrada de denúncias de manipulação de resultados, que podem fazer com que nessa temporada a “mala branca” traga consequências negativas para todos os envolvidos, deixando de ser consideradas apenas como parte da cultura do futebol brasileiro.

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