A ideia de uma final única para a Copa Libertadores e a Copa Sul-Americana, inspirada no modelo europeu, certamente tem seu apelo.
Em teoria, traz glamour, valorização e uma estrutura que facilita a internacionalização do futebol sul-americano.
No entanto, na prática, a realidade de nosso continente se mostra muito mais complexa, o que faz com que essa proposta não se adeque tão bem ao nosso contexto.
A América do Sul enfrenta desafios estruturais que tornam a realização de uma final única problemática.
O primeiro grande obstáculo é a infraestrutura. Diferentemente da Europa, onde há uma malha ferroviária extensa e companhias aéreas de baixo custo conectando os principais centros, na América do Sul a logística é complicada e cara.
Voos são limitados e caros, especialmente para destinos fora dos principais eixos turísticos. Isso torna o deslocamento de torcedores um desafio financeiro e físico.
Outro ponto crítico é a economia da região. Em um continente onde o salário médio de grande parte da população não permite grandes extravagâncias, exigir que torcedores viajem para um local distante, com custos elevados de passagens, hospedagem e ingressos, exclui a maior parte da torcida.
As arquibancadas acabam por se encher de convidados VIPs e patrocinadores, afastando o público que de fato cria o clima intenso que caracteriza o futebol sul-americano.
Além disso, há uma questão cultural. O futebol sul-americano se alimenta da rivalidade local, da paixão que transcende fronteiras estaduais e nacionais. Jogar uma final em um país neutro, sem o pulsar das torcidas nos estádios caseiros, retira parte da alma dessas competições.
Diferente da Europa, onde o conceito de neutralidade é mais aceito, aqui a proximidade emocional e geográfica das rivalidades é parte essencial do espetáculo.
Na Europa, o modelo de final única na UEFA Champions League e na UEFA Europa League tem sido um sucesso, mas isso está atrelado a uma série de fatores que diferenciam o continente sul-americano.
A infraestrutura de transporte é muito mais desenvolvida, com diversas opções de deslocamento entre cidades e países.
Além disso, o poder aquisitivo médio do torcedor europeu é consideravelmente maior, permitindo que mais pessoas possam viajar para assistir a um jogo decisivo.
Outro aspecto importante é que o continente europeu já está habituado a eventos esportivos em larga escala, com sistemas de segurança e logística prontos para receber um grande número de turistas.
A cultura de neutralidade em finais já está enraizada, e há uma maior aceitação de que esses jogos são eventos que vão além do futebol local.
Na África a Confederação Africana de Futebol (CAF) implementou a final única em sua principal competição de clubes, a Liga dos Campeões da CAF, em 2019.
A primeira final única foi disputada em novembro de 2020, no Estádio Internacional do Cairo, no Egito, entre dois gigantes locais, Al Ahly e Zamalek.
Como ambos eram do mesmo país, a atmosfera foi intensa, com grande presença de torcedores.
No entanto, quando clubes de diferentes países se enfrentaram em anos posteriores, como na final de 2021 em Casablanca, Marrocos, entre o Al Ahly e o Kaizer Chiefs (África do Sul), a logística complexa dificultou a presença de torcedores sul-africanos, resultando em uma torcida predominantemente local.
Na Asia, a Confederação Asiática de Futebol (AFC) adotou a final única em 2019, com a primeira realizada no Estádio Internacional de Khalifa, em Doha, no Catar.
A logística de trazer torcedores de países distantes, como no caso da final de 2020, entre o Persepolis (Irã) e o Ulsan Hyundai (Coreia do Sul), no Al Janoub Stadium, também em Doha, demonstrou as dificuldades desse modelo.
Apesar de uma boa infraestrutura, a ausência de torcedores de ambas as equipes, devido a restrições de viagem e à pandemia, resultou em uma atmosfera sem a intensidade esperada para uma final continental.
Na Oceania, as finais ainda seguem o modelo de ida e volta, respeitando a realidade de um futebol com menor apelo midiático e menores públicos.
Já na CONCACAF, a Liga dos Campeões também opta pelo formato de duas partidas, entendendo que é o mais viável para o contexto local.
A final única pode até ser glamourosa, mas para a América do Sul, ela ainda se mostra descolada da realidade social, econômica e cultural.
Nosso futebol respira nas rivalidades regionais, nas torcidas apaixonadas que transformam estádios em caldeirões.
A implementação desse formato na África e na Ásia também enfrentou desafios semelhantes, como a logística complicada e a baixa presença de torcedores em finais distantes dos clubes.
Sem uma infraestrutura adequada e sem considerar o contexto econômico da maioria da população, as finais únicas acabam por ser eventos elitizados e esvaziados de sua verdadeira essência.
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