Dois grandes clubes brasileiros viraram notícia nesta semana, mas não pelo que fazem dentro de campo. O Internacional foi afetado indiretamente pela operação do Ministério Público do Rio Grande do Sul que apura se houve crime de apropriação indébita, estelionato, organização criminosa, falsidade documental e lavagem de dinheiro durante a gestão 2015/2016 no clube. Já o Fluminense foi derrotado na Justiça do Trabalho e terá de pagar mais de R$ 9 milhões ao zagueiro Henrique.
Com esses dois casos recentes como exemplo, o Lei em Campo procurou especialistas para entender onde os clubes brasileiros estão errando e o que deve ser feito para que erros como esses não voltem a acontecer. Ter uma boa assessoria jurídica e contábil e uma gestão responsável é essencial para reduzir o dano financeiro e à marca do clube.
No fim de 2017, o Fluminense resolveu rescindir contrato com algumas de suas principais estrelas, para enxugar a folha de pagamento. Assim, a notícia da dispensa dos atletas, incluindo Henrique, passou a ser divulgada. E foi decisiva para a derrota do Tricolor na Justiça. A juíza Katia Emilio Louzada, titular da 54ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, entendeu que o contrato estava extinto porque houve divulgação nos meios de comunicação da demissão.
“O empregado não pode saber por terceiros que o contrato, que é uma coisa de natureza entre as partes, foi rescindido. Tem que ter uma conversa, um alinhamento, combinar as verbas rescisórias”, explica Luciane Adam, sócia do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados.
Ainda cabe recurso, mas, para isso, o Fluminense terá que arcar com 2% sobre o valor do processo, ou R$ 182.528.
“São dois os prejuízos em uma decisão como essa. O financeiro, com o processo e as custas. E com relação à imagem do clube. Dá a impressão de que é um clube que não respeita jogador, não respeita contrato. Se algum outro time quer fazer negócios com o Fluminense, pode deixar de fazer uma negociação por entender que é um time que não é idôneo. Se [o Fluminense] faz isso com o próprio jogador, que traz retorno para ele, imagina o que pode fazer com empresa, patrocinador, prestador de serviços?”, questiona Luciane.
Por isso os clubes precisam ter várias linhas de atuação a fim de ter uma boa gestão. Um Jurídico forte, para cuidar dos contratos dos atletas, verificar o vencimento de tais contratos, os riscos trabalhistas. Também é preciso ter uma forte parte contábil e fiscal.
“A empresa que tem pessoas trabalhando para si tem de ter cuidado na gestão, para não se colocar em risco com os clientes, prestadores de serviço, terceiros e com órgãos governamentais. Uma boa assessoria contábil, jurídica e fiscal ajuda a evitar riscos e multas, que podem ser milionárias, especialmente as da Receita Federal e do Ministério do Trabalho”, avaliou Luciane.
No caso do Internacional, o problema é mais grave, e o clube já ajuda o Ministério Público nas investigações. O MP cumpriu mandados de busca e apreensão em residências e sedes de empresas ligadas a ex-dirigentes do clube. A gestão 2015/16 acabou levando o time para a Série B do Campeonato Brasileiro.
“Em uma palavra, o que os clubes precisam ter é compliance. Precisa ter isso instalado de forma interna, isso tem de ser incorporado nos gestores e na equipe, para que se sigam e fiscalizem todos os padrões que a empresa estabelece, se as regras estão sendo cumpridas. Porque aí você minimiza os riscos por todos os lados, e com isso deixa de perder muito dinheiro. Você pode não ganhar nada em curto prazo com isso, mas deixa de perder muito dinheiro, deixa de se expor a risco e deixa de expor a imagem no mercado com isso”, recomendou a advogada, especialista em direito trabalhista.
Segundo o MP-RS, o grupo de ex-dirigentes atuou “como uma organização criminosa”, em uma teia que envolvia diversos departamentos do Inter. Os investigados são o ex-presidente Vitorio Piffero, o ex-vice de Finanças Pedro Affatato, o ex-vice de Administração Alexandre Limeira, o ex-vice de Patrimônio Emídio Marques Ferreira, o ex-vice de futebol Carlos Pellegrini e o ex-vice jurídico Marcelo Domingues de Freitas e Castro.
De acordo com informações do Ministério Público, as irregularidades englobam desvio de recursos para obras que nunca foram realizadas, superfaturamento de gastos, como a compra de passagens aéreas e pagamento de propina na contratação de jogadores, e acordos trabalhistas com jogadores prejudiciais ao clube em favorecimento de terceiros.
“O Inter, além de colaborar durante a investigação inteira, é vítima de todos esses fatos. Estávamos diante de uma organização criminosa. A partir do momento em que o clube tem em todos os braços importantes do clube – o patrimonial, o financeiro, o jurídico e o esportivo – esse tipo de desvio, havia organização criminosa. E a participação do presidente. Não se imagina que cada um dos dirigentes estivesse agindo por conta própria, sem a ciência [do presidente]. Principalmente um presidente que era participante. Participava do futebol, chegou a exercer o cargo na própria gestão. Tinha participação em todas as esferas em que constatamos as fraudes”, disse em entrevista coletiva o promotor Flávio Duarte, coordenador do GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-RS.
Para o advogado e jornalista Andrei Kampff, casos como o do Inter mostram a necessidade de aprovação da Lei Geral do Esporte.
“É uma notícia ruim, mas que traz esperança para o futebol brasileiro. No Direito tem uma regra bem clara: não existe crime sem lei anterior que o defina. Então, você precisa tipificar [o crime de corrupção privada], precisa que esse anteprojeto passe. Assim, o dirigente vai responder processo e, ser for averiguado que cometeu efetivamente crime depois de julgado o processo legal, vai ser preso. A partir daí, todos os gestores esportivos vão ter obrigatoriamente um compromisso legal de administrar as entidades esportivas de uma maneira muito mais responsável, ética e transparente. As instituições não são deles. Apesar de ter autonomia privada e certa independência do governo, [os clubes] não são deles [dirigentes]. Essa lei precisa ser aprovada, é preciso que os políticos olhem com carinho para ela”, analisou Andrei Kampff.
Vale ressaltar que, em processo interno, o Inter puniu Vitorio Piffero, Pedro Affatato, Alexandre Limeira e Emídio Ferreira. Os ex-dirigentes colorados tornaram-se inelegíveis por dez anos.