“Força Maior” (2014), é um filme que trata dos problemas do casal Tomas e Ebba, que surgiram após passarem suas férias com os filhos nos Alpes franceses. Lá, eles foram surpreendidos por uma avalanche.
Desesperada, Ebba pede socorro ao marido para proteger os filhos, mas, com medo de morrer, Tomas foge. Todos se salvam ilesos, porém o homem não se salva das críticas da família e dos demais personagens pelo seu comportamento.
O roteiro expõe algumas questões psicológicas importantes. Uma delas consiste em discutir se o instinto de sobrevivência poderia ser alegado como motivo de força maior a justificar a atitude de Tomas, o que é um tema bastante complexo do ponto de vista moral.
Sob o prisma jurídico, força maior significa algo um pouco diferente. Trata-se de evento de tamanha gravidade que não permite ao devedor cumprir com as obrigações previstas em contrato.
É claro que você pensou no coronavírus e eu também. Esse microrganismo vem gerando macro problemas em todas as áreas e no direito não é diferente. Ganha destaque o descumprimento dos contratos. Lamentavelmente, o Código Civil, possui apenas norma genérica prevendo que o devedor não responde pelos prejuízos causados em decorrência de força maior.
Uma avalanche de questões se apresenta. Veja-se, por exemplo, o contrato de patrocínio para equipes de futebol. Sem exibir a marca do patrocinador pela paralização dos campeonatos, os clubes não estão cumprindo com suas obrigações. Contudo, não podem responder pelos danos sofridos pelo patrocinador, uma vez que se está diante de um caso de força maior.
Cabe registrar que nem todo devedor pode invocar o coronavírus, como evento de força maior, para se exonerar do cumprimento de suas obrigações. Cogite-se, por exemplo, de um contrato de cessão do uso de imagem celebrado com um atleta, para a realização de uma campanha promocional em redes de televisão.
Salvo prova em contrário, a pandemia não afetaria o vínculo contratual entre as partes já que não impede o licenciado de prosseguir com suas ações de marketing. Aliás, por incrível quanto pareça, a disseminação do vírus pode atuar neste caso a favor da empresa, pois o número de pessoas recolhidas em casa é maior, sendo, por via de consequência, maiores as chances de assistirem à televisão.
Essa hipótese serve para demonstrar que nem todo contrato poderá ser rescindido, suspenso ou alterado por causa da Covid-19: faz-se necessário demonstrar a existência do nexo causal, isto, é a relação causa e efeito entre a suspensão da execução dos serviços ou fornecimento de bens e o surto viral.
Aliás, nexo causal foi o que teria legitimado a postura de Tomas ao abandonar a família. Ele não teria feito isso por não gostar de sua mulher e de seus filhos, mas sua atitude se deve a uma causa específica: a avalanche que ameaçou a sua vida.
Por falar em avalanche, o filme inunda o espectador com uma torrente de perguntas: Teria Tomas fugido por ser um homem de personalidade fraca? Você perdoaria Tomas? E a indagação mais incômoda: Como você agiria no lugar dele?…
Tanto quanto a psicologia, que não consegue antever qual será a reação do homem diante do inusitado, a lei não é capaz de prever todas as consequências jurídicas decorrentes de eventos de força maior para a infinidade de espécies de contrato existentes na sociedade.
Nesse cenário, ganha importância a figura do bom advogado, a quem incumbe dar às partes a maior segurança possível, contemplando os efeitos que um evento de força maior deverá produzir para os contratantes, reduzindo ao máximo os questionamentos provocados pela pandemia da Covid-19.
Isto é reforçado pelo fato de que a recente lei da liberdade econômica, ao alterar o Código Civil, deu aos negociantes amplo poder para estabelecer parâmetros objetivos na interpretação das cláusulas, bem como seus pressupostos de revisão ou de resolução, incluindo a distribuição dos riscos decorrentes da execução do contrato.
Entretanto, a maioria dos contratos é omissa a respeito das responsabilidades de cada qual em eventos de força maior. Como consequência, boa parte deles acabará sendo discutida no Poder Judiciário.
Imprevistos fazem parte da vida e é preciso se preparar para eles. Porém, nem todos os contratantes pensam assim e só deixam para refletir quando a avalanche de problemas aparece.
Muitos se esquecem do antigo provérbio popular cuja força é maior do que qualquer lição jurídica:
É melhor prevenir do que remediar.