Na atual circunstância, em que eventos esportivos são adiados, alterados e/ou cancelados, oferecemos nossa singela contribuição ao debate sobre contratos contendo cláusulas de força maior, mas, no contexto do direito inglês.
No direito inglês, uma cláusula de força maior normalmente dispensa uma ou ambas as partes da execução do contrato após a ocorrência de determinados eventos. Em tese, na ocorrência de certos eventos que estão fora do controle de uma parte, esta é dispensada ou tem o direito de suspender o desempenho de todas ou parte de suas obrigações contratuais. Assim, não será responsável pelo não cumprimento das suas obrigações por força de tal cláusula.
A utilização de tais cláusulas em contratos que elegem direito inglês resulta dos recursos limitados disponíveis para as partes no direito consuetudinário ou common law) quando um contrato se torna impossível de executar.
O termo força maior deriva do direito francês, mas não tem um significado reconhecido no direito inglês. Portanto, o termo só deve ser usado em contratos quando definido adequadamente. Eventos de força maior são geralmente definidos como atos, eventos ou circunstâncias além do controle razoável da parte envolvida.
Portanto, o ponto principal na utilização de cláusulas de força maior, relaciona-se ao princípio de pacta sunt servanda (o princípio da força obrigatória que abrange os contratos firmados entre as partes: “pactos dever ser respeitados”). O que geralmente explicamos como “aquilo que está escrito se torna lei entre as partes que assinaram determinado documento”. Isso porque, como vimos acima, a cláusula de força maior só pode ser invocada na ocorrência de determinados eventos. Assim, tal cláusula deve estabelecer e definir eventos que, em caso de ocorrência, permita às partes a dispensa de execução de suas obrigações contratuais.
Dependendo da redação específica da cláusula de força maior, elas podem também excluir eventos previsíveis e/ou previstos. Ou seja, o contrato deve ser executado mesmo na ocorrência desses eventos de exclusão. Porém, este requisito, quando presente, deverá ser interpretado com bom senso. Embora todo caso seja previsível (com a devida reflexão até mesmo um desastre natural, guerra, pandemia ou outro evento muito raro possa ocorrer, pois fisicamente possíveis e com algum precedente histórico), não é possível que as partes tenham intenção de que tal exclusão tenha significado tão amplo de previsibilidade, caso contrário, a cláusula de força maior em si nunca seria possível de ocorrência, e, portanto, não teria efeito ou necessidade de existir.
Em tempos de Covid-19, a discussão não tem fim. Por ainda não termos jurisprudência na Inglaterra específica tratando da questão, podemos sugerir uma série de argumentos para ambos os lados (o da previsibilidade ou não de uma pandemia) em cláusulas de força maior. Caso haja o termo “pandemia” na cláusula então sua aplicação é óbvia. Se não houver previsão expressa, então torna-se necessário a argumentação sobre a interpretação da cláusula. Por exemplo, o coronavírus não é algo recente (apesar do novo tipo ou “subespécie”) e, portanto, é arguível que a pandemia trazida por ele deveria ter sido incluída expressamente na cláusula de força maior. Ademais, já vivenciamos pandemias no passado (como o Sars) e, portanto, contratos deveriam incluir tal previsão.
Mesmo que o termo “pandemia” esteja previsto, entendemos ser arguível, dependendo do tipo de contrato, que a razão pela não execução do contrato não é a pandemia em si, mas sim, atos regulatórios governamentais que restringem ou impossibilitam a execução do contrato. E, portanto, caso não haja previsão na cláusula de força maior de atos governamentais, então entendemos ser um ponto interessante para ser argumentado perante os tribunais.
Se a cláusula de força maior é invocada devido à ocorrência de um evento, sua eficácia dependerá da interpretação adequada de tal cláusula. A jurisprudência inglesa atual indica que a abordagem adequada a uma cláusula de força maior é interpretá-la por referência literal, ou seja, as palavras que as partes usaram, e não sua intenção de forma geral. Se uma cláusula de força maior determinar que o evento em questão “impede” o desempenho, a parte relevante deve demonstrar que o desempenho é legal ou fisicamente impossível, não apenas difícil, inútil ou financeiramente desvantajoso.
Assim, como qualquer outra cláusula contratual, a cláusula de força maior deve ser considerada com bastante atenção quando da preparação de contrato.