Amanda Nunes, campeã dominante do peso galo feminino e pena do UFC, estava escalada para defender seu título dos galos no UFC 213, em 7 de julho de 2017, contra a desafiante Valentina Shevchenko. Entretanto, Nunes se retirou da competição no dia da luta, forçando a promoção colocar a disputa do título interino de pesos médios entre Robert Whittaker e Yoel Romero como evento principal naquela noite.
Dana White, presidente do UFC, alegou que Nunes foi autorizada a lutar por médicos quando foi levada ao hospital depois de adoecer no sábado de manhã. No domingo, Nunes revelou que ela “não estava se sentindo bem o suficiente para correr o risco de levar um soco na cabeça”, pois estava sofrendo de sinusite crônica.
Nunes revelou que a sinusite a deixou incapaz de respirar e a fez se sentir desequilibrada, por isso ela optou por sair da luta apesar de estar clinicamente apta.
Nesta situação, como as atletas não chegaram a entrar no cage, a luta é considerada como não tendo ocorrido, não vindo a ser contabilizada no cartel das lutadoras.
O ex-atleta do UFC, Chael Sonnen, entende que deveria haver uma regra que prevenisse esse tipo de ocorrência e interviesse em favor do atleta que se preparou, mas que não pode performar na ocasião. Sonnen assim se manifestou na época:
“Percebo que minha ideia não funcionaria, porém, ainda compartilho a ideologia de que deveríamos ter uma cláusula de desistência.
“Tem que haver uma cláusula de tempo, particularmente da pesagem para o ringue. Em qualquer outro esporte você perde e perde por desistência. Isso nunca aconteceria no Super Bowl ou na NBA.
Acontece assim no boxe e na luta livre. Se algo acontece com o atleta em que ele não pisa no tapete após a pesagem, ele perde por desistência. Deveria haver algum tipo de cláusula aí. Não estou entusiasmado com isso para lhe dizer a verdade.
Isso deveria ter sido uma desistência. Todo este esporte tem a ver com descobrir quem é mais duro em um momento ou lugar específico. Se você é um atleta que reconhecidamente não é duro o suficiente para tentar, então você não pode ser chamado de campeão.”
A desistência sem a anuência de lutar, ou forfeit, é uma regra que não encontra similar nas Regras Unificadas do MMA, as quais o UFC e a maioria dos eventos de MMA segue.
A guisa de exemplo, Wisconsin, estado norte-americano, possui regulamentação específica nesse sentido, prevista através de seu Código de Esportes de Combate Desarmado, veja-se, pois:
“STATE OF WISCONSIN
Department of Safety and Professional Services
Chapter SPS 192 UNARMED COMBAT SPORTS
SPS 192.53 Types of bout results. A mixed martial arts bout may end under any of the following results:
—
(7) Forfeit, which occurs when a contestant fails to begin competition or prematurely ends the bout for reasons other than injury or indicating a tap out.”[1]
Nesse caso, como essa previsão decorre de legislação estatal, sua aplicação pode ocorrer por conta da omissão das Regras Unificadas quanto à questão.
Outrossim, é sempre importante ressaltar a necessidade da anuência do atleta quanto à possibilidade de ser lesionado em uma luta esportiva, sendo que isto caracteriza tal competição como competição esportiva, afastando qualquer alegação de cometimento de crime, isto sob o prisma da lei criminal brasileira.
Destarte, ao adentrarem a arena de luta e após o árbitro perguntar aos atletas se estes estão “preparados”, vindo ambos a anuir com a realização da luta de maneia imediata, cria-se em volta da competição a redoma da lex sportiva, o que impede a caracterização da luta como prática criminal, conforme dispõe o art. 23 do Código Penal, in verbis:
“CÓDIGO PENAL
Exclusão da ilicitude
Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legítima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”
Portanto, no exercício regular direito, que é a prática esportiva, ainda que o atleta cause danos ao oponente, não comete fato típico.
Nesta senda, o risco de lesões ou mortes como resultado da ação do agente passa a ser o objeto do consentimento, pois o atleta, ao menos implicitamente, conhece, aceita, e o representa como possível, em que pese não deseje o resultado oriundo desse risco (BEM, 2009[2]).
A questão é que, ainda que garantido o direito do atleta de não lutar, não se pode descuidar do fato de que está nítida a desvantagem para o atleta de MMA – caso lute onde não se encontre a previsão do forfeit – quanto a depender do ânimo do oponente para lutar.
É forçoso lembrar que o atleta de MMA passa por um processo de preparação física e perda de peso desgastantes, ficando ainda sujeito a eventualidades em relação ao evento de luta em que venha a atuar. Privilegiando o esforço do lutador através de uma regra que intervenha em seu favor, lhe dando a vitória – e consequentemente os bônus advindos desta – caso o oponente desista antes do combate por motivos outros que não médicos pode tornar a competição mais justa neste sentido.
Crédito imagem: UFC/Divulgação
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[1] “ESTADO DE WISCONSIN
Departamento de Segurança e Serviços Profissionais
Capítulo SPS 192 ESPORTES DE COMBATE DESARMADO
SPS 192.53 Tipos de resultados. Uma luta mista de artes marciais pode terminar sob qualquer um dos seguintes resultados:
(7) Desistência, que ocorre quando um concorrente não começa a competição ou a termina prematuramente por outros motivos que não sejam lesões ou indicação de um.tap out (tapinhas de desistência).” (tradução livre)
[2] BEM, Leonardo Schimitt de. Direito Penal Desportivo: Homicídios e Lesões no Âmbito da Prática Desportiva. 1ª. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009.